É o momento do choque entre partidos e Marcelo Rebelo de Sousa. Depois de mais um veto do Presidente da República à lei da eutanásia, os proponentes acreditam que o limite chegou e vão avançar para a confirmação da lei, na mesma versão em que foi rejeitada pelo Presidente, sem fazer alterações.
A primeira pista foi dada pela socialista Isabel Moreira, que no Parlamento considerou o veto de Marcelo “um pouco atípico” e recordou que o diploma voltou a ser aprovado recentemente por “uma maioria esmagadora” no Parlamento, tendo os deputados entretanto respondido às “considerações jurídicas” do Tribunal Constitucional”.
“Fica para nós claro que o Presidente sabe que o TC não encontraria desta vez qualquer problema de inconstitucionalidade”, concluiu Moreira. Assim, atirou contra Marcelo: “Assim como sempre respeitámos uma outra e outra vez a decisão legítima do Presidente e os acórdãos do TC, chegou a vez de ver respeitada a vontade do Parlamento”. O Observador confirmou que a intenção do PS é mesmo voltar a aprovar a lei, inalterada.
Marcelo veta eutanásia e devolve diploma ao Parlamento sem promulgação
Na mesma linha falou a bloquista Catarina Martins, que confirmou: “Não há nenhum sentido em fazer alterações”. Também no Parlamento, a líder do Bloco disse que o próximo passo é mesmo ver a maioria no Parlamento “confirmar a lei”.
E também disparou contra o Presidente: “Faz um veto político por perceber que todos os outros caminhos já não existem. É chegado o momento de confirmar a lei”.
A Iniciativa Liberal, que também assina este projeto, avançou no mesmo sentido que tem “disponibilidade para confirmar o texto tal como foi devolvido à Assembleia da República”. O ex-líder e deputado João Cotrim Figueiredo frisou que o Parlamento tem mostrado “respeito institucional” pelos outros órgãos e lançou o desafio: “Está na altura de outras instituições demonstrarem o mesmo respeito institucional pela Assembleia da República”.
PSD concorda com Marcelo, Chega diz que confronto é “aberração”
Já o presidente do PSD, Luís Montenegro, veio mostrar-se satisfeito com a decisão do Presidente, classificando as “considerações” de Marcelo como “muito pertinentes”, por se ter referido à “grande sensibilidade” da questão e do “brevíssimo debate” que houve sobre a última versão da lei.
“[Os partidos proponentes] denotam uma pressa quase ofegante em querer chegar a uma solução legislativa sem segurança e certeza jurídica”, criticou, dizendo que fica assim “reforçada” a posição do PSD, que quer um referendo sobre esta matéria.
“Espero que o PS finalmente aprenda alguma coisa, porque é lamentável um projeto sempre a voltar para trás, passando um atestado de incompetência à Assembleia”, atacou também André Ventura, do Chega. Ventura sentiu as posições do partido reforçadas com o veto de Marcelo, embora tivesse feitos reparos diferentes à última versão da lei (dizia que o facto de prever o suicídio assistido colidia com o Código Penal, que proíbe o auxílio ao suicídio).
Ventura critica ainda Marcelo por não ter enviado esta versão do diploma ao Tribunal Constitucional, por causa da solução “inovadora” da primazia dada ao suicídio assistido”. O líder do Chega promete “procurar, com outros grupos parlamentares, se possível” (porque o Chega não tem um número de deputados suficiente para isso) pedir a fiscalização sucessiva ao Tribunal Constitucional da próxima versão da lei.
Já a lógica de “confronto” dos partidos com Marcelo será “uma aberração e um disparate”, considera Ventura, garantindo que a opção do Presidente não é uma “birra” e que as suas dúvidas têm fundamento.
Marcelo Rebelo de Sousa já vetou politicamente os projetos da eutanásia e já os enviou para o Tribunal Constitucional noutras duas ocasiões. Desta vez, defendeu que a questão do suicídio assistido e as circunstâncias em que poderá acontecer não estão devidamente clarificadas. A eutanásia é recorrentemente aprovada por maioria confortável no Parlamento desde 2020.
A Constituição prevê que, se o Parlamento optar por confirmar uma lei por maioria absoluta, o Presidente a promulgue num prazo de oito dias.