Depois do ralhete do presidente da Assembleia da República ao Chega na sessão de boas-vindas a Lula da Silva, houve um pós-jogo com comentários das três principais figuras da nação. A conversa de Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e Augusto Santos Silva numa sala reservada foi captada pelo microfone de uma das câmaras da AR TV. Santos Silva, o protagonista, começou por justificar a irritação assim que o primeiro-ministro se aproximou da roda informal: “Não era para menos. Esta minha fúria, é a fúria de um tipo gelado. E mesmo assim….” Numa conversa breve, criticou também os liberais diretamente: “O que a IL fez não foi nada”.
O Presidente da República, o mais graduado na sala mais reservada, acenou com a cabeça como que a legitimar a reação de Santos Silva e repetiu: “Sim, sim, sim, sim“. E depois começou a descrever, na primeira pessoa, o momento: “Eu estava de lado, observando a subida de temperatura à [minha] direita. Primeiro, a estupefação, depois a perplexidade, depois o calor, que também era o calor da sala. Estamos lá em cima, também sobe a temperatura, está mais quente. Eu comecei a ver…”
Após a compreensão presidencial, Santos Silva continua com a sua versão: “Acabou de uma forma muito engraçada, com o Lula a acalmar-me…” António Costa, que parecia mais consciente da presença das câmaras mete-se então na conversa: “Ele [Lula da Silva] estava entusiasmado…” E Marcelo interrompe e diz: “Ele gosta”. E Costa continua, interpelando Duarte Pacheco: “Gosta [do calor], ele gosta, que no Brasil é quente. É ou não é?” E responde à própria pergunta: “Lá [Brasil] mesmo no Inverno é quente.”
Santos Silva critica liberais: “O que a IL fez não é nada”
Augusto Santos Silva — nessa conversa aparentemente reservada, mas que foi divulgada no site do Parlamento — criticou também o grupo parlamentar dos liberais, que se fez representar apenas pelo líder parlamentar, Rodrigo Saraiva, deixando os restantes lugares vazios. “Aí já não é falta de educação, é falta de […] política. Aquilo que a Iniciativa Liberal decidiu fazer, não é nada.” Marcelo respondeu com uma mais tímida concordância: “É!”.
O gabinete do presidente da Assembleia da República veio, horas depois da notícia do Observador, garantir que não acusou a IL — como o Observador escreveu na primeira versão deste vídeo e deste texto — de falta de “integridade política”, mas antes de “falta de maturidade política“. A mesma nota oficial assume as “deficientes condições sonoras da gravação” e que o som não é “totalmente percetível”.
No mesmo vídeo, Augusto Santos Silva diz: “Eles hoje, aliás, fizeram uma belíssima campanha eleitoral para um futuro cargo de vice-presidente”. E, logo a seguir, sem nenhuma interrupção, fala na posição da Iniciativa Liberal. O gabinete do presidente da Assembleia da República (PAR) garante, no entanto, que “não se estava a referir à IL”, acrescentando que “basta ter em conta as exortações públicas que o PAR já fez para a apresentação de uma nova candidatura da IL a uma vice-presidência.” O “eles”, garante Santos Silva, seria também uma crítica ao Chega.
No mesmo vídeo, o Observador deu conta de uma crítica em que refere expressamente o Chega, mas apenas mais à frente na conversa, quando o presidente do Parlamento termina a crítica à IL e diz: “Mas há sempre quem faça pior.”
AR TV apaga vídeo após notícia do Observador
O Presidente da Assembleia da República lamenta ainda, numa nota publicada já na madrugada de quinta-feira, que “uma conversa informal e privada (cuja gravação sonora não foi autorizada) tenha sido tornada pública”, mas omite que foi o próprio site da AR TV, o Canal do Parlamento, a divulgar as imagens com som. Depois da notícia do Observador e antes de emitir a nota, a AR TV apagou mesmo o vídeo que, até então, estava acessível a todos os cidadãos.
O momento do vídeo em causa ocorreu entre o fim da sessão de boas-vindas a Lula da Silva e o início da sessão solene do 25 de Abril, pela qual Marcelo, Costa e Santos Silva tiveram de esperar uns minutos. Ao saírem da sala, Marcelo Rebelo de Sousa esperou por Santos Silva e atirou: “Falta um elemento da troika.”
Minutos antes, durante o discurso de Lula da Silva, a bancada do Chega tinha empunhado cartazes que tinham frases como “Chega de Corrupção”, “Lugar de ladrão é na prisão” e ainda bandeiras da Ucrânia. Além disso, sempre que o Presidente brasileiro era aplaudido, os deputados do Chega davam pateadas na bancada.
Logo que começou o protesto, Augusto Santos Silva deu uma forte reprimenda aos deputados do Chega: “Os deputados que querem permanecer na sala têm de se comportar com urbanidade, cortesia e a educação exigida a qualquer representante do povo português. Chega de insultos, chega de degradarem as instituições, chega de porem vergonha no nome de Portugal”. Os deputados do Chega continuaram, no entanto, a fazer o mesmo.
Na sequência deste episódio, já esta quarta-feira, após uma reunião da Conferência de Líderes, Augusto Santos Silva decidiu, com “efeito imediato” excluir o Chega de viagens oficiais da Assembleia da República. O partido de André Ventura já protestou pela decisão. Na conferência de líderes, o presidente da Assembleia da República pediu aos grupos parlamentares que refletissem sobre a atitude do Chega e ficou decidido voltar ao assunto em nova conferência de líderes, a 10 de maio.
Santos Silva exclui Chega de “imediato” das viagens oficiais da Assembleia da República
Artigo atualizado com nota do Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, às 02h09.