O plano de reestruturação da TAP estabelecido com Bruxelas não impunha cortes salariais dos trabalhadores. Ricardo Penarróias, presidente do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), mostrou o documento da Comissão Europeia, divulgado por ocasião da aprovação do plano em dezembro de 2021, realçando que, nesse documento, “a Comissão Europeia questiona os cortes salariais do grupo TAP”.

Ou seja, para este dirigente sindical “este documento prova que a retórica foi imposta de má fé, nunca houve uma imposição da Comissão”, aproveitando para pedir a reversão do plano de cortes. “Não é uma imposição da comissão, está aqui o documento”, atirou, citando o documento de 21 de dezembro de 2021 que “deita abaixo toda a retórica” de que foi Bruxelas a exigir os cortes salariais.

O sindicato cita em particular uma parte do documento divulgado por Bruxelas em que se diz que “em relação à redução com custos com pessoal sobre os quais a Comissão levantou dúvidas, Portugal argumentou que contribuam para minimizar o auxílio e constituem contribuições efetivas. (…) Portugal insistiu que, sob a lei portuguesa, os trabalhadores são credores privilegiados na relação com os empregadores, já que os créditos reclamados são os primeiros a ser pagos”. Nesse documento ainda se lê que Portugal explicou que a TAP conseguiria esses cortes através de negociações.

Nesse documento ainda se realça, novamente, as dúvidas de Bruxelas sobre o facto de a redução de custos ser uma das principais contribuições para o plano de reestruturação, nomeadamente sobre a admissibilidade da contribuição da redução de custos laborais para o plano.

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Plano de reestruturação

Estas passagens demonstram, para o sindicato, que não houve pressão de Bruxelas para este corte e por isso Ricardo Penarróias pede desculpas a Luís Rodrigues, o novo CEO da TAP, para pedir que reverta os custos.

TAP usou cortes salariais para cumprir obrigação de contributo interno para a reestruturação

A redução dos custos salariais foi a principal medida do plano de reestruturação que permitiu à TAP responder a uma das exigências dos serviços da DG Comp — a de que uma parte relevante do esforço resultasse do contributo interno da empresa. Não tendo grandes ativos para vender — e pouco valiosos — e com fraca possibilidade de gerar receitas ou poupanças em outras áreas, os custos com o pessoal acabaram por ter um grande peso. Segundo o presidente da Parpública, Jaime Andrez, a reestruturação envolveu 5.000 milhões de euros, entre ajuda pública e contributo da empresa e dos seus parceiros.

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Dados divulgados em 2021 indicam que os custos com pessoal iam sofrer cortes de 1,4 mil milhões de euros, enquanto do lado operacional eram esperadas poupanças de 1,3 mil milhões de euros, com otimização dos custos com frota, bem como de 200 a 225 milhões de euros por ano em negociação com outros fornecedores”. Os cortes salariais de 25% foram negociados com os sindicatos em acordos de emergência que tiveram também como objetivo limitar o número de despedimentos na companhia. Na altura, o Governo e a TAP argumentaram ainda que os custos laborais eram superiores aos praticados em outras companhias, apontando em concreto para o caso dos pilotos. E que esses custos eram um obstáculo à sustentabilidade financeira da empresa após a reestruturação.

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O Governo e a administração da TAP optaram por não impor perdas aos detentores de obrigações porque consideraram que iria prejudicar a hipótese da empresa recorrer no futuro ao mercado financeiro, mas houve renegociação dos prazos de pagamento com credores bancários e empresas de leasing.

Os sindicatos que estão a ser ouvidos na comissão de inquérito à TAP realçam que a transportadora tem perdido atratividade e não consegue contratar trabalhadores. Em resposta a Bruno Dias, do PCP, que questionou sobre os efeitos do “corte até ao osso” na TAP, foi outro sindicato, o SITAVA, pela voz de Paulo Duarte, a dizer que “vai ter de acontecer qualquer coisa ao plano de reestruturação” porque “neste momento temos três carreiras na TAP em que o salário de entrada está abaixo do salário mínimo”.

“É a degradação a que isto chegou. A TAP já não é uma empresa atrativa para se trabalhar. Todos os dias saem trabalhadores”, refere, mas enquanto antes saiam só profissionais das categorias com “maiores valências” — como os pilotos, técnicos de manutenção ou engenheiros, agora “saem todas as categorias profissionais”. “Saem muitas pessoas que vão para as empresas de segurança, para o Pingo Doce”. Além disso, não é atrativa para fora: “A TAP abre e fecha concursos em que não tem pessoas que concorrem”.

Dentro da companhia não há perspetivas de progressão. “Vai ter de haver abertura por parte de quem manda aos chamados acordos temporários de emergência”.

Foi, aliás, Paulo Duarte que garantiu já ter havido uma reunião de apresentação em que o novo CEO “não se comprometeu com nada”, mas garantiu que houve também uma “interação” com trabalhadores antes das audições desta quarta-feira, em que Luís Rodrigues terá comunicado não conhecer o plano de reestruturação da TAP.

“No dia de hoje houve uma interação com todos os trabalhadores nas instalações da TAP”, começou por dizer, referindo que houve uma “parte engraçada” nessa “interação” em que “o Dr. Luís Rodrigues comunicou aos trabalhadores que não conhece o plano de reestruturação da TAP“.

Paulo Moniz, do PSD, quis perceber quando é que essa reunião foi agendada. Segundo Paulo Duarte, foi no início da semana passada, ainda antes de o próprio sindicalista saber que seria a data em que viria à comissão de inquérito. Paulo Duarte não sabe esclarecer se nessa “interação” estavam representados todos os sindicatos porque há uma grande parte de dirigentes que não são trabalhadores da empresa (ele próprio é e esteve presente).

O SNPVAC também disse já ter reunido com o novo CEO, em que “mostrámos satisfação pela chegada”. Foi um encontro de apresentação “de pessoas que conhecem a realidade TAP”. “Acreditamos que há potencial”, afirma, e diz que reconhece “competência” à equipa que vem gerir o futuro da TAP”. Pedro Figueiredo, do SINTAC, o terceiro sindicato a ser ouvido nas audições desta quarta-feira, diz que o sindicato já reuniu com o novo CEO, mas não antes desta audição.