A leitura que os partidos fazem sobre o discurso em que Marcelo Rebelo de Sousa arrasou João Galamba mas afastou a dissolução do Parlamento está longe de ser unânime. Se o PSD se mostra em sintonia com o Presidente da República, o resto da direita queria que Marcelo tivesse ido mais longe. E, do lado esquerdo do espetro político, se o PS escolheu ficar em silêncio, o PCP exigiu mudanças de políticas e o Bloco criticou Presidente e primeiro-ministro.

O secretário-geral do PSD, Hugo Soares, trouxe a mensagem de maior harmonia com o Presidente da República, até porque o partido tem defendido que não vai pedir eleições precisamente para responsabilizar o Governo por qualquer situação de instabilidade que aí venha. Por isso, se a ameaça da dissolução se vier a concretizar, para os sociais-democratas será “única e exclusivamente” culpa do Governo — nem do Presidente, nem do PSD. Convicto de que o Governo está diminuído na sua “autoridade” e “credibilidade”, o PSD revê-se, assim, na conclusão de Marcelo: é mesmo preciso um “reforço da vigilância” sobre o Executivo.

Mais à direita, a análise foi diferente: tanto Chega como Iniciativa Liberal desejavam que Marcelo recorresse à “bomba atómica” e dissolvesse o Parlamento. Do lado do Chega, o líder parlamentar, Pedro Pinto, mostrou-se satisfeito com o “arraso” do “acabado” João Galamba, mas criticou Marcelo por confiar em quem não é confiável — António Costa, no entender do Chega — e por não ter “terminado hoje mesmo com este Governo”.

Do lado da Iniciativa Liberal, o tom foi parecido: apesar da “avaliação arrasadora” de Marcelo, não houve consequência prática, lamentou-se. Ou melhor, houve, mas para o próprio Presidente: “O Presidente da República amarrou a avaliação deste seu mandato aos próximos tempos de António Costa. São ambos corresponsáveis por tudo o que vier a acontecer”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

À esquerda, nem Costa nem Marcelo receberam palavras de apoio. O PCP continuou a insistir que o Presidente e o Governo devem focar-se na “resposta aos problemas” dos portugueses, em vez de os “aproveitarem” para “evitar” soluções necessárias.

Pelo Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua anunciou que fica claro que nem Governo nem Presidente são confiáveis para “apresentar as soluções que os portugueses esperam” — e Marcelo está “enredado numa maioria absoluta arrogante e prepotente”. Para o Bloco, só há duas soluções: a “fiscalização” que promete fazer e as “mobilizações populares” que podem impor medidas à maioria absoluta.

Rui Tavares, do Livre, lamentou que o Governo pareça estar tomado pela “partidarite” e “amaldiçoado” pela sua própria maioria absoluta, mas também que Marcelo não tenha chamado os partidos para serem ouvidos em Belém. Já Inês Sousa Real, do PAN, queria que o Presidente tivesse exigido a Costa uma remodelação, porque um “ralhete” não basta.

O único partido que ficou em silêncio foi aquele a quem o tal “ralhete” foi dirigido: o PS não reagiu esta noite, nem deu indicações de que o pretende fazer no futuro.