O Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) voltou a defender esta terça-feira que o Serviço de Informações de Segurança (SIS) agiu de forma legal no caso da recuperação do computador de Frederico Pinheiro, agora ex-adjunto de João Galamba. A audição parlamentar do órgão presidido por Constança Urbano de Sousa decorreu à porta fechada, mas a socialista reiterou a interpretação já tornada pública: a atuação das secretas não aconteceu à margem da lei.
De acordo com a interpretação do Conselho de Fiscalização, que, além de Urbano de Sousa, conta ainda com o antigo secretário de Estado Mário Belo Morgado e com o deputado social-democrata Joaquim Ponte (que nunca chegou a intervir), a atuação do SIS neste caso tem enquadramento legal porque não havia qualquer indício de crime por parte de Frederico Pinheiro — havendo a prática de um crime ou um pelo menos indício forte, o SIS deve abster-se de intervir ou só pode fazê-lo em cooperação com entidades como a Polícia Judiciária, por exemplo.
Em contrapartida, acrescenta a Agência Lusa, a Fiscalização das secretas alegou que o SIS atuou num caso que indiciava risco prévio em termos de segurança do Estado. Ora, o SIS teve uma ação numa lógica de prevenção de riscos, atendendo à existência de uma ameaça de divulgação de informação considerada classificada.
Ora, na primeira vez que se referiu ao caso, António Costa disse de forma taxativa que estava em causa um “roubo“, validando a atuação do ministro das Infraestruturas, João Galamba. “Deu — e bem — o alerta pelo roubo do computador com documentos classificados”, respondeu o primeiro-ministro ao Observador, ainda a 1 de maio. Também o ministro das Infraestruturas, na conferência de imprensa que deu sobre o caso, falou revelou que foi a sua chefe de gabinete a dar o “alerta por um furto de portátil do Estado português com informação classificada” — “furto” e “roubo” são crimes e são crimes diferentes à luz do Código Penal.
A pergunta, sabe o Observador, foi colocada por alguns deputados, mas acabou por merecer sempre a mesma resposta — aliás, ao contrário do que acontece com outras audições, os deputados estão obrigados a fazer as perguntas em conjunto e só depois são respondidas pelos elementos do Conselho de Fiscalização do SIRP. Ou seja, mesmo perante a ausência de respostas ou perante respostas que não convenceram os deputados ali presentes, não existiu espaço para contraditório.
A audição do órgão liderado por Constança Urbano de Sousa é, por isso, classificada por várias fontes ouvidas pelo Observador como pouco ou nada esclarecedora. O Conselho de Fiscalização das secretas reiterou ainda que a atuação do SIS tinha sido legal por não ter existido qualquer tipo de recurso a meios coercivos.
Ainda de acordo com relatos recolhidos, na audição à porta fechada, o Conselho de Fiscalização do SIRP explicou também que não ouviu Frederico Pinheiro em todo este processo por não estar enquadrado no âmbito das competências do órgão que fiscaliza as secretas.
No entanto, Urbano de Sousa, Belo Morgado e Joaquim Ponte foram confrontados com a conversa telefónica entre o agente do SIS e Frederico Pinheiro. Tal como contava aqui o Observador, o mesmo agente terá dito por telefone que os serviços sabiam a informação que estava no computador e que queria resolver as coisas a bem; caso contrário, tudo se podia complicar — frase que é interpretada como possivelmente ameaçadora ou coerciva. A ex-ministra terá respondido de forma seca, mantendo a leitura que o Conselho de Fiscalização do SIRP já tinha feito: o computador foi devolvido sem recurso a qualquer tipo de coerção.
O mesmo Conselho de Fiscalização confirmou também que foi a chefe de gabinete de Galamba, Eugénia Correia, a pedir a intervenção do SIS — qualquer entidade pública, e até privada, pode recorrer diretamente aos serviços do SIS, que é diretamente tutelado pelo primeiro-ministro, mas que tem liberdade de ação dentro das suas competências em todo o território nacional. Recorde-se que a ordem para intervir no processo de recuperação do computador terá sido dada pela secretária-geral do SIRP, Graça Mira-Gomes.
Nem todos concordam com a leitura de Urabano de Sousa, Mário Belo Morgado e Joaquim Ponte. Num texto de opinião publicado no Diário de Notícias, Abílio Morgado, ex-presidente do Conselho de Fiscalização do SIRP, classifica de “asnático” o caso que “suscitou a intervenção do SIS”, e sublinha que conhecendo a direção do SIS (Neiva da Cruz) está “absolutamente seguro de que ela só envolveu o SIS neste infeliz episódio, que em nada lhe interessava, por “sugestão” externa ou porque convictamente se convenceu de que, como sempre ocorre, atuava para proteger os mais dignos interesses nacionais.
Como o Observador explicava, esta opinião tem sido praticamente unânime entre especialistas em serviços de informações e juristas. Todos os partidos, à exceção do PS, questionaram a intervenção do SIS neste caso. Os sociais-democratas, de resto, já admitiram pedir uma comissão parlamentar de inquérito sobre a atuação do Serviço de Informações de Segurança.
Também Marcelo Rebelo de Sousa, na declaração que fez ao país, fez questão de lembrar que “os serviços mais sensíveis de proteção da segurança nacional, que, aliás, por definição, estão ao serviço do Estado e não de Governos”. Nas entrelinhas: o SIS não é para ser utilizado como um braço armado do Governo, pois está ao serviço do Estado e não do Executivo de António Costa”.
À saída da audição, em declarações rápidas aos jornalistas, Urbano de Sousa defendeu a posição do Conselho de Fiscalização do SIRP. “Nós reafirmamos o que está no comunicado, remetemos integralmente para ele. Houve a explicação naturalmente aqui [no Parlamento] sobre os factos e sobre tudo o que nos levou a fazer aquele enquadramento legal dos factos”, reiterou a ex-ministra.
A secretária-geral do SIRP e o diretor do SIS serão ouvidos no Parlamento na quinta-feira e igualmente à porta fechada sobre o “enquadramento legal” da intervenção do SIS na recuperação do computador de Frederico Pinheiro.