Redução do défice, redução da dívida e bons rankings de execução do PRR. Marcelo Rebelo de Sousa tinha na pasta diplomática números para puxar pelo comportamento de “bom aluno” de Portugal na intervenção desta quarta-feira no Parlamento Europeu. Mas, ao contrário do que fez no primeiro discurso em Estrasburgo, há sete anos, o Presidente da República trazia outras contas: uma prioridade (a paz na Ucrânia) e mais sete questões essenciais que deixava à Europa (desde o alargamento do projeto europeu ao combate aos populistas). Minutos antes do discurso, questionado sobre se podia garantir à Europa que tinha “estabilidade política” em Portugal, o Presidente fugiu à questão e disse que tinha “estabilidade em algumas questões, principalmente em questões europeias”.
Marcelo foi aplaudido à chegada ao hemiciclo (mais vazio do que em 2016) e começou por falar naquela que considera ser a primeira das prioridades da Europa: promover a paz na Ucrânia. O Presidente português, como outros chefes de Estado e Governo, considerou o conflito uma “guerra ilegal, injusta e imoral” e um “erro chocante da Federação Russa”, ao se congratula que a UE tenha respondido “com unidade, solidariedade e visão de futuro”.
O Presidente da República, que foi fazendo paralelismos com o discurso de 2016, lembrou que nessa altura a Europa ia “adiando” tomar decisões, algo a que agora deixou de ser possível. Marcelo considera que — após dois anos de pandemia e um ano de guerra — “o tempo de adiamento” de reformas “terminou abruptamente”. E, nessa reflexão sobre o futuro da Europa, Marcelo avançou para sete questões essenciais.
A primeira questão do Presidente português é se a UE quer ser uma “efetiva potência global“. Ao que o próprio respondeu que deve querer ser o “mais possível”, sob pena de se tornar irrelevante. Em segundo lugar, se a União Europeia deve avançar para um alargamento e olhando especialmente para a questão da Ucrânia? Marcelo considera que sim, mas com “preparação política, económica e essencial” para que esse alargamento não seja “dramático”.
Em terceiro lugar, Marcelo perguntou se a Europa quer ter poderio económico. E respondeu com a necessidade de “acelerar a recuperação da economia europeia”. Em quarto lugar, falou da governação económica e financeira da Europa, para a qual defendeu “não adiar as linhas mestras” dessa ação.
A quinta questão de Marcelo foi sobre a “relação com outros continentes“, aconselhando a Europa a “não ficar fechada sobre si mesma” e a “não congelar por egoísmos fúteis parcerias e acordos com continentes como a África, a América Latina”. Neste ponto aconselhou também a UE a não “adiar aquilo que a prazo só pode criar problemas com as migrações e o peso da Europa no mundo”. E atirou: “Os egoísmos nacionais têm de ceder perante os valores da União Europeia.”
A sexta questão essencial Marcelo propunha que a União Europeia continue a ser “pioneira no clima, na ciência, no digital. Se não for, ficará para trás” e na sétima que se mantivesse “atenta à juventude” e que não fosse “lenta a renovar”.
Os riscos do populismo
Sobre a renovação da UE, o Presidente avisou que “se não for assim, são criados vazios que serão preenchidos por aquilo que muitos chamam de populismos, movimentos antissistémicos”. “Se isso acontecer, é por nossa culpa, não é dos movimentos populistas. É porque nós não fazemos aquilo que devemos fazer. E temos de fazer a tempo, antes que seja tarde”, acrescentou Marcelo.
O Presidente disse ainda que a UE tem, a um ano das europeias, dois caminhos:”Um deles é gerir o dia-a-dia, por causa da Guerra e da recuperação, esperando pelo período posterior às eleições de 2024; outro caminho é não ficar por várias ideias abstratas e olhar longo prazo”. Marcelo reconhece que “é verdade que a Europa e a UE se fizeram fazendo”, salvando “muitas vezes no último minuto o que era impossível” e que isso dá “um álibi para não pensar no médio/prazo”. Mas essa “é mais uma razão para que seja tomada a iniciativa”, avisou o Presidente da República.
Marcelo Rebelo de Sousa diz que estas prioridades são para “o novo ciclo europeu, que irá de 2024 a 2029”, avisando que, “ainda antes de 2029, várias lideranças nacionais atingirão limites de mandato, nalguns casos, sem renovação possível”.
No fim do discurso, o Presidente português disse ainda que tanto ele como os portugueses acreditam “numa Europa que não é dos chefes de Estado, não é dos chefes de Governo, não é dos líderes partidários, não é de outros líderes sociais, é dos homens e mulheres europeus.”