Ao contrário do que é habitual numa comissão de inquérito, a estrela (estrelas) do dia não foi a personalidade inquirida pelos deputados. A demissão esperada do presidente da comissão parlamentar de inquérito à tutela política da gestão da TAP, mas só confirmada a poucos minutos do início da audição a Ramiro Sequeira, roubou o protagonismo ao administrador que tem o pelouro das operações, mas que entre 2020 e 2021 foi o presidente executivo (CEO) interino na pior altura de sempre da história da TAP, a pedido de Pedro Nuno Santos.

Seguro Sanches sai e assume a presidência do inquérito António Lacerda Sales. Tudo explicado na meia hora que antecedeu a chegada do administrador da TAP à sala da comissão de inquérito.

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Com grelha de tempos para os deputados longa, voltaram a não ocupar toda a disponibilidade. E com isso a audição durou cerca de três horas e meia, o tempo suficiente para que a TAP divulgasse os resultados do primeiro trimestre, que Ramiro Sequeira, que faz parte da comissão executiva, disse não ter tido oportunidade de ver.

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1 A audição começou pelo plano de reestruturação, por iniciativa do PCP. Ramiro Sequeira não esquece a pandemia “agora que já não temos na janela o cartaz a dizer que tudo vai ficar bem (numa referência ao início da pandemia em 2020). Quando os aviões estavam todos em terra chegou a estar previsto um despedimento coletivo de 2.000 trabalhadores. Acabou ser muito menos “graças a um exercício árduo das equipas e do esforço dos sindicatos e trabalhadores.

O número foi reduzido para 140 e após negociação ficou em 62. Mas “obviamente é demasiado. Ninguém o faz de ânimo leve. Fomos obrigados a avançar esse sentido” e saíram muitas pessoas que não deviam ter saído, para salvar então 7.000 postos de trabalho (agora 7.515).

O administrador com o pelouro das operações não confirma a tese de alguns sindicatos de que a TAP tem muita dificuldade em contratar pessoas por causa dos cortes salariais ainda em vigor. E dá como exemplo os 2.500 candidatos 400 vagas para tripulantes que foram recentemente preenchidas. As dificuldades operacionais apontadas pelos sindicatos afetam toda o setor da aviação, e não apenas a TAP. A Lufthansa vai cancelar milhares de voos e a TAP está a preparar-se para o verão, mas Ramiro Sequeira admite que os constrangimentos do aeroporto de Lisboa e o efeito bola de neve de atrasos num elo da cadeia podem trazer problemas.

As contratações estão a ser feitas, muitos são trabalhadores que saíram na altura dos despedimentos ou não renovação de contratos. Ramiro Sequeira sublinha que o potencial despedimento podia atingir 2.000 trabalhadores, mas o despedimento coletivo acabou reduzido a 140 e  após negociação em 62. Mesmo assim “é demasiado. Ninguém o faz de ânimo leve. Fomos obrigados a avançar” e para salvar 7.000 postos de trabalho (atualmente são 7.514). “Saíram colegas que ninguém queria que saíssem”, mas fez parte de “um plano para salvar a empresa”.

Na intervenção inicial, Ramiro Sequeira quantificou em 1,3 mil milhões as poupanças com a massa salarial, a que somou 200 milhões de revisão dos contratos com fornecedores, mais 1,3 mil milhões de renegociação com locadores de aviões e adiamento da entrega de aparelhos. A isto somou-se os 3,2 mil milhões de injeção de capital. Foram estas quatro anos de abordagem “à difícil realidade” da TAP. Os custos com os salários dos administradores continuam, garante.

2 Não há falta de tripulantes de cabine na TAP. “Acabámos de contratar 400 tripulantes e tivemos 2.500 candidaturas”, assegurou Ramiro Sequeira, administrador operacional da transportadora, recusando continuar a haver cancelamentos de voos por falta de tripulantes. Não mais do que o normal no setor, declarou. E anunciou que em junho os A321 já vão ter o tripulante adicional, acordado com o sindicato. Não foi possível incluí-lo em maio, por uma questão de recrutamento, mas em junho já será possível, garantiu Ramiro Sequeira.

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“Quando as equipas de recursos humanos e de planeamento me disseram em fevereiro que não era possível, eu próprio liguei ao presidente do sindicato a dar nota que tentámos, estivemos a tentar, em maio, mas por questões de recrutamento não conseguimos chegar lá”. Mas em junho será “executado consoante acordado”.

Assumindo que no início do ano e na altura do natal “tivemos desafios ao nível das tripulações por diferentes motivos”, os cancelamentos nos últimos dois meses “são mínimos por esse efeito. Coisas muito pontuais e dentro dos indicadores razoáveis de qualquer companhia aérea”.

3Foi Pedro Nuno Santos quem convidou Ramiro Sequeira para o cargo de CEO interino da TAP, com a ressalva de que seria por pouco tempo. A TAP queria alguém com mais experiência e mais sénior. Ramiro Sequeira não sabia por quanto tempo ficaria, mas achou que seria menos do que efetivamente foi. Entrou em setembro de 2020 e saiu em junho de 2021. “Fui substituir o chefe”, desabafou, confessando que essa transição não foi fácil. “Eram as regras do jogo, aceitei. Fiz parte da solução e não do problema”. Mas não tem razões de queixa de Antonoaldo Neves, o seu antecessor que foi despedido pelo Governo. “A relação era profissional e boa. E revia-me nas suas qualidades. Na gestão, como na vida, temos qualidades e pontos a melhorar. Ele tinha os seus, tenho os meus”. Até ao último minuto em que esteve na TAP, Antonoaldo Neves “esteve ao meu dispor”, garantiu o COO.

4 Antes de ser contratado para a TAP, Ramiro Sequeira passou por várias companhias aéreas, mas só uma destas passagens (a Iberia do grupo IAG) foi aproveitada por Hugo Carneiro do PSD para tentar tirar uma opinião a um gestor que não as queira dar. A Iberia é um bom candidato à compra da TAP? Ou o contrário, como quase todos defendem?

Perante a insistência do deputado, Ramiro Sequeira arrisca uma opinião genérica sobre a compra de uma companhia A e avisa que “não é assim tão linear”. E explica: o maior valor de uma companhia são os slots, para além dos trabalhadores. “Percebo o debate público” — sobre o risco que uma compra da TAP pela Iberia colocaria em risco o hub no aeroporto de Lisboa.

Não consigo vislumbrar uma razão muito clara para uma empresa que faz um investimento de milhões de euros em outra empresa, cujo o principal ativo são os slots, desviar a capacidade para outro aeroporto. A concorrência pode entrar e estaria-se a prejudicar esse investimento.”

Para Ramiro Sequeira, “não é assim tão claro” que um aeroporto (Lisboa) seja canibalizado por outro (Madrid).

5Foi uma das questões em que os deputados mais insistiram. Quais eram, afinal, os diferendos insanáveis entre Alexandra Reis e Christine Ourmières-Widener, que levaram à saída da primeira com 500 mil euros? Ramiro Sequeira não sabe e tem “dificuldade em definir divergências”. Como em cada comissão executiva, apontou, “havia opiniões divergentes, dentro da razoabilidade dessas divergências. Acho que é saudável, significa diferentes formas de ser e de pensar”. Não foi por isso que ficaram decisões por tomar. O ex-CEO interino diz que só soube da saída de Alexandra Reis após ela estar decidida e que não participou nas negociações da saída nem da indemnização.

Um dos pontos apontados para a discórdia entre ambas era a mudança de sede, que a CEO queria mas a administradora era contra. Esse plano era anterior à gestão da francesa e ficou parado durante a pandemia. Previa que da área de seis hectares atualmente ocupada pela TAP no aeroporto, uma parte poderia ser vendida para dinamizar aquela zona.

Ramiro Sequeira confirmou ainda que foi ele próprio e Alexandra Reis que assinaram, pela TAP, o contrato com Christine Ourmières-Widener. E que este foi negociado com advogados e tutela, pelo que cumpria “as boas práticas” do estatuto do gestor público. Veio também do acionista a luz verde para que o contrato de da CEO tivesse uma exceção à regra de exclusividade dos gestores públicos, para permitir a Christine Ourmières manter-se na administração de outras duas empresas.

6 As queixas de Christine Ourmières-Widener na sua audição sobre a pressão política que sofreu durante a sua gestão na TAP foram notícia. E Ramiro Sequeira? Também sentiu o mesmo? A resposta foi categórica — “Nunca senti nenhuma pressão política” — mas não convenceu logo o deputado da Iniciativa Libera. Bernardo Blanco citou os vários exemplos do que classifica de formas de pressão — travão à conferência sobre resultados, a elaboração de comunicados corporativos e pedidos de alteração de voos. Mas Ramiro Sequeira não tem a mesma leitura. Recorda que quando esteve à frente da TAP num período crítico de emergência, toda a gente no Governo estava muito preocupada. “Mas nunca interpretei isso como uma pressão”.

7 Ativou o seguro corporativo da TAP para poder ter ajuda jurídica externa para a participação na comissão parlamentar de inquérito. E, por isso, Ramiro Sequeira, administrativo operacional, e ex-CEO interino, compareceu no Parlamento ladeado de dois advogados – a diretora jurídica da TAP, Manuela Simões, e o advogado especialista em laboral, José Ricardo Gonçalves, o tal apoio externo pago pelo seguro.

Ajuda de advogado externo para presença na comissão de inquérito levou Ramiro Sequeira a acionar seguro corporativo da TAP

Estes seguros cobrem riscos jurídicos aos administradores e diretores pelas decisões que tomem em relação à empresa. Aliás, foi a existência deste seguro que levou à demora na realização do contrato de gestão com a equipa da TAP, já que a DGTF contestou a inclusão destes seguros nesses contratos.

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Ramiro Sequeira explicou que perguntou à TAP se o seguro cobria essa ajuda para a comparência na comissão de inquérito, e perante a resposta afirmativa contactou a seguradora que confirmou a cobertura. E assim foi acionado. Ramiro Sequeira justificou, “de maneira simplista”, que quando teve conhecimento que tinha de comparecer à comissão parlamentar de inquérito, “como não sei fazer de outra maneira”, “pensei que me devia preparar e decidi ter ajuda externa”.

Ainda assim compareceu na inquirição também acompanhado por Manuela Simões, que surge pela primeira vez nesta comissão, mas sem que tenha sido convocada e, como tal, foi recusado ao deputado liberal Bernardo Blanco fazer perguntas à jurista que substituiu Stéphanie de Sá Silva, casada com o ministro das Finanças, Fernando Medina.

Ramiro Sequeira garantiu, por outro lado, que não teve, antes desta audição, qualquer reunião com governantes, partidos ou agências de comunicação da TAP para se preparar para a inquirição.

“Não acredito que alguém pague 3,2 mil milhões pela TAP”, mas admite que possa haver partilha de ganhos futuros com o Estado

8Ficou conhecida como a “diretora fantasma” nas audições aos sindicatos. Mas segundo Ramiro Sequeira, não é bem assim. Apesar de, quando confrontado primeiramente com o nome, não o ter reconhecido (“estará a falar de Karolina Machura?”), acabou por admitir que a polaca Karolina Tiba foi mesmo contratada pela TAP em dezembro do ano passado e está ao serviço da companhia como gestora dos projetos de transformação da direção das tripulações de cabine. “Foi contratada através de um head hunter. Está em funções há alguns meses e costuma estar todos os dias da semana na empresa, exceto quando vai a casa”, revelou Ramiro Sequeira.

Como se justifica, então, que os representantes dos trabalhadores não a conheçam? Segundo Ramiro Sequeira, a diretora polaca não tem a obrigação de lidar com os sindicatos nem de fazer plenários com os tripulantes. “O sindicato há-de conhecê-la em seu momento, ela não está encarregue de nenhuma gestão sindical, o seu foco são os projetos de transformação. Podia ter chegado e feito uma sessão plenária com os tripulantes” mas não fez. Fez, sim, “vários voos de observação para conhecer a realidade da empresa”, naquela que Ramiro Sequeira classifica como uma “aproximação discreta mas não menos válida nem menos profissional”.