As cartas de conforto assinadas, de forma “precipitada” pelo Governo do PSD/CDS em novembro de 2015 que tornaram o Estado responsável pela dívida passada, presente e futura da TAP contraída por privados eram suscetíveis de “configurar um auxílio de Estado” que poderia ser considerado ilegal por ausência prévia de comunicação à Comissão Europeia.

Esta opinião foi avançada pelo ex-secretário de Estado do Tesouro e Finanças do primeiro Governo PS que negociou com os acionistas privados a reconfiguração do capital da TAP para devolver ao Estado 50%  e controlo estratégico da companhia. Na sua intervenção inicial na comissão de Economia e Obras Públicas, cujas audições correm em paralelo com as da comissão parlamentar de inquérito à gestão pública, Ricardo Mourinho Félix refere as implicações das cartas de conforto emitidas pela Parpública a favor dos bancos credores da TAP — e exigidos por estes para manterem os empréstimos com a mudança do controlo acionista do Estado para os privados.

O Estado ficava obrigado a exercer o direito potestativo de compra da TAP em caso de incumprimento da dívida passada e futura. Era uma “garantia sobre dívidas presentes e futuras decididas pela gestão privada” e, no limite, a responsabilidade do Estado poderia não ter limite, o que era suscetível de configurar um auxílio de Estado”. Lacerda Machado, que esteve nas negociações, já tinha referido nesta mesma comissão de Economia que essa condição era um “flagrante auxílio de Estado”.

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De acordo com Mourinho Félix, e ao contrário do que concluiu a auditoria realizada pelo Tribunal de Contas à privatização de 2015 e à reconfiguração de 2017, esta última não aumentou o risco financeiro do Estado. Reduziu os riscos financeiros para o Estado de forma significativa e eliminou o risco de violação do regime comunitário dos auxílios de Estado (particularmente exigente no setor da aviação). Com a recompra de 2017, o Estado “garantiu apenas e só a dívida financeira histórica, contraída até à privatização, e que estava já assumida nas contas nacionais.

Numa referência às conclusões da auditoria do Tribunal de Contas, Ricardo Mourinho Félix, “respeitosamente, discorda do aumento desproporcional das responsabilidades financeiras do Estado”. E elogia os resultados da negociação em que participou com os privados, ao lado de Pedro Marques, Mário Centeno (e conduzida por Lacerda Machado). Com o processo de reconfiguração houve um aumento da capacidade de definição dos compromissos estratégicos por parte do Estado que “passou a influenciar a estratégia sem aporte de capital”.

“Estou em crer que este modelo assegurou o interesse nacional”, garantindo a participação do Estado nos órgãos sociais da TAP para acompanhar a gestão privada da empresa e influenciando a estratégia. Para o ex-secretário de Estado, esta forma, que descreve como dialogante e de gestão partilhada, permitiu evitar a ativação de mecanismos de correção a posteriori, evitando medidas corretivas que poderiam gerar litigância. E, no limite, poderiam resultar numa nacionalização, com o exercício da opção de recompra das ações pelo Estado previsto em caso de incumprimento dos acordos.