Morreu Martin Amis. Um dos mais celebrados escritores britânicos do pós-II Guerra Mundial, o autor de livros como Dinheiro (1984) e London Fields (1989), bem como de vários ensaios de natureza política, morreu esta sexta feira aos 73 anos na sua casa em Lake Worth, no estado norte-americano da Florida, avança o New York Times. Ao jornal norte-americano, a mulher de Amis, a escritora uruguaio-americana Isabel Fonseca, revelou que o marido lutava contra um cancro no esófago. Além da mulher, deixa cinco filhos e uma neta.

Com um percurso de quase 50 anos — o primeiro romance, Os Papéis de Rachel, foi publicado em 1973 — a sua obra é sobretudo marcada pela chamada “trilogia de Londres”: Dinheiro (1985), London Fields (1990) e A Informação (1995) — obras cáusticas com uma corrente de humor negro, que se debruçam sobre caricaturas absurdas da vida neocapitalista ocidental do final do século XX.

“O que tentei fazer foi criar um estilo eurdito para descrever a baixa cultura: todo aquele mundo do fast food, espetáculos de sexo, revistas pornográficas“, explicou o autor numa entrevista na década de 1980 em que explicava o seu estilo de escrita. “Frequentemente, sou acusado de me concentrar no lado pungento e rebarbado da vida nos meus livros, mas até acho que sou relativamente sentimental”. Qualquer um que leia tabloides deparar-se-á com horrores muito maiores do que aqueles que escrevo”.

Parte de uma celebrada geração literária de autores britânicos (foi amigo e contemporâneo de nomes como Ian McEwan e Salman Rushdie) Martin Amis era, ele próprio, assunto de interesse dos tabloides britânicos. O seu pai, Kinglsey Amis, foi também um famoso autor nas décadas de 1950 e 1960, e a relação entre os dois, nem sempre cordial, alimentou polémicas e destaques na imprensa.

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A política dividia-os: o pai mais à direita, o filho mais à esquerda (Kingsley chegou a descrever a orientação política de Martin como “baboseiras delirantes”). A rivalidade era de tal ordem que, certa vez, Kingsley Amis recusou posar com o filho para uma fotografia para a capa do The Sunday Telegraph (mais tarde, viria a confessar-se arrependido). Ainda assim, Martin Amis sempre contou o progenitor entre as suas grandes influências, a par de dois outros nomes grandes da literatura do século XX: Vladimir Nabokov e Saul Bellow.

Frequentemente, Amis usava o trabalho literário para expor os seus ideais políticos. Um forte crítico da proliferação nuclear, a sua famosa coletânea de contos Einstein’s Monsters (Os Monstros de Einstein, 1987), inclui a passagem: “As armas nucleares repelem todo o pensamento, talvez porque têm o poder de acabar com todo o pensamento”.

No entanto, ainda que na arena política simpatizasse com figuras como Barack Obama e fosse crítico de Margaret Thatcher, chegou a enfrentar duras críticas por algumas posições mais conservadoras manifestadas na segunda metade da vida. Na década de 2000, no auge do medo generalizado do terrorismo, disse a propósito da comunidade islâmica:

O que é que podemos fazer para que eles paguem por isto? Há um impulso natural (…) para dizer, ‘a comunidade islâmica tem de sofrer até resolver os seus próprios problemas’. Que tipo de sofrimento? Não os deixar viajar; deportações, a longo prazo; limitar-lhes as liberdades; revistar pessoas que pareçam do Médio Oriente ou do Paquistão… coisas discriminatórias, até que toda a comunidade sofra e eles comecem a ser mais duros com os seus filhos”.

Martin Amis: “Está a acontecer quase um contra-Iluminismo”

Mais tarde, Amis viria a retratar-se, traçando uma distinção entre os radicalismos e a religião islâmica propriamente dita, mas a polémica continuou a segui-lo. Apesar disso, continuou a opinar e fazer ouvir-se, sempre preocupado com o futuro e receoso dos extremismos. Em 2016, em entrevista ao Observador, advertiu contra a polarização dos discursos atuais, comparando-os ao anti-racionalismo despótico de figuras como Hitler:

O que mais me tem apavorado é esta noção de que vivemos numa época pós-factual. E vemos isso em todos os quadrantes políticos, a confluência de notícias falsas, da urgência alarmista do Twitter, de credulidade generalizada, tudo isso. É como se os alicerces do racionalismo estivessem a ser demolidos. E já passámos por algo semelhante.

O seu trabalho literário foi adaptado para cinema por duas vezes: “Dead Babies” (Bebés Mortos, 2000), realizado por William Marsh e, muito recentemente, “A Zona de Interesse” (2003) de Jonathan Glazer, recém estreado no Festival de Cannes e em competição pela Palma de Ouro.

Apesar de pouco consensual — ou talvez, em rigor, por causa disso — foi considerado um dos mais importantes e talentosos escritores da sua geração ou, como escreveu o New York Times, “um dos mais deslumbrantes estilistas da ficção britânica do pós-guerra”. Apontado ao longo dos anos como um potencial Nobel da Literatura, foi duas vezes nomeado para o Booker Prize e recebeu ainda o James Tait Black Memorial Prize, um dos mais antigos do Reino Unido, em reconhecimento pela sua autobiografia, Experience (2000).