A primeira vez que se cantou “O campeão voltou” foi ao minuto 29. A margem já era suficiente para se pensar que o título não ia fugir. No segundo golo do Benfica, a mesma equipa que começou o jogo a querer acelerar, seguia a passo numa caminhada triunfal de festejo.

A notícia ia correndo nos arredores do Estádio da Luz antes da bola rolar. A enchente era contada pelos blips dos passes do metro. Cantava-se alto, mas à superfície uma voz impunha-se. Uma senhora usava os braços para mostrar aos passageiros os cachecóis que vendia. “Olha o cachecol do campeão!”, gritava para atenção da freguesia, onde muitos dos que a compunham tinham camisolas do “Onas, 10” e derivados nomes de relevo do clube. Da última vez que o Benfica foi campeão, aquela t-shirt ainda segurava o “J” que deixou escapar com o passar do tempo.

A vendedora continua a esforçar a voz para se fazer ouvir perante os foguetes e outros engenhos pirotécnicos que rebentam perto da estação do Alto dos Moinhos onde se encontra. “Tenho os cachecóis prontos há uma semana. Se desse para o mal, dava para o mal”, conta ao Observador dando por garantida a vitória contra o Santa Clara que haveria de sagrar o Benfica campeão na tarde em que a sombra era um bem apreciado. “Veja, são fresquinhos”, explica mexendo no material com os dedos.

Perto da senhora, a concorrência de um casal que por três euros vende um íman com as palavras-chave do dia: “Benfica, campeão e 38”. O ambiente até às portas do Estádio da Luz é animado. Alguns pais carregam ao colo filhos com menos de quatro anos que veem agora o Benfica campeão pela primeira vez já que em 2019 ainda não eram esboço.

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Para concluir e tornar realidade os cenários que faziam um adepto dizer a quem estava do outro lado do telemóvel “daqui a cinco minutos vou para o Marquês” quando faltavam duas horas para o apito inicial do árbitro Rui Costa, Roger Schmidt lançou Morato no lugar do castigado António Silva e deu o suporte de Florentino a João Neves no meio-campo. O Santa Clara, treinado por Accioly, fez apenas uma alteração nos açorianos que, apesar de despromovidos à Segunda Liga, viviam um dos melhores momentos da época.

Ficha de Jogo

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Benfica-Santa Clara, 3-0

34.ª jornada da Primeira Liga

Estádio da Luz, em Lisboa

Árbitro: Rui Costa (AF Porto)

Benfica: Vlachodimos (Samuel Soares, 88′), Alexander Bah (Gilberto, 73′), Otamendi, Morato, Grimaldo, Fredrik Aursnes, Florentino (Chiquinho, 73′), João Neves, João Mário, Rafa, Gonçalo Ramos (Musa, 68′)

Suplentes não utilizados: Lucas Veríssimo, Ristic, Schjelderup e Tengstedt

Treinador: Roger Schmidt

Santa Clara: Gabriel Batista, Pierre Sagna (Calila, 74′), Nogueira, Ítalo (Rildo, 80′), MT, Jordão (Paulo Eduardo, 80′), Adriano, Andrezinho (Allano, 74′), Bruno Almeida (Kento Misao, 45′), Ricardinho e Matheus Babi

Suplentes não utilizados: Marcos Díaz, Tagawa, Paulo Henrique, Rildo, Paulo Eduardo e Bobsin

Treinador: Accioly

Golos: Gonçalo Ramos (7′), Rafa (28′) e Grimaldo (60′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Grimaldo (61′) e Adriano (90+1′)

Quando Gonçalo Ramos (7’) marcou de cabeça com assistência de Bah, parte da tensão dos adeptos deixou de existir. O avançado celebrou com as típicas pistolas como se estivesse a fazer um assalto a uma casa de portas abertas para o título. Já com a vantagem garantida foi desfrutar do futebol que Roger Schmidt, técnico alemão que foi recebido com uma bandeira do seu país na chegada do autocarro ao estádio, trouxe para a Luz.

As receitas dependem sempre das mãos de quem as faz. Duas pessoas que olhem para a mesma lista de ingredientes e quantidades distinguem-se de como seguem as indicações de preparação. Por isso, mérito seja dado a quem meteu as mãos na massa. Roger Schmidt não se poupou ao ler “açúcar a gosto”. Afinal, é um alemão que gosta de top top football.

Doce ficou a exibição do Benfica que, com toda a tranquilidade, jogou o futebol que apresentou no início de época (apenas com pausa no pós-Mundial e durante as duas derrotas seguidas com FC Porto e Desp. Chaves). Passes verticais e ao primeiro toque, Rafa a combinar de calcanhar, Grimaldo a fazer do último terço sua propriedade e Gonçalo Ramos a marcar. Se amas futebol, amas este Benfica.

Quando o Santa Clara sentiu que podia crescer um pouco mais, o contra-ataque do Benfica fez a diferença. Gonçalo Ramos, Rafa e João Mário saíram disparados após Grimaldo recuperar a bola na área encarnada e João Mário chegou à baliza adversária com boas soluções para assistir. Escolheu Rafa (28’) que fez o segundo.

O Santa Clara tentava insistir por intermédio de Andrezinho, o homem responsável pelo flanco direito da equipa insular e que baixava, formando uma linha defensiva de cinco elementos. No lado esquerdo, MT, quando teve oportunidade de subir, conduziu e, de calcanhar mudou de direção e rematou para defesa de Odysseas.

Os saltos nas bancadas faziam os adeptos mostrarem que estavam a correr o risco de se meterem num 38. Num 31… num 31 meteu-se Grimaldo que anunciou a saída do Benfica para o Bayer Leverkusen. O episódio que ocorreu na Luz demonstra o sentimento agridoce que o espanhol deixou nos adeptos. Ítalo colocou a mão na bola e, com a ajuda do VAR, Rui Costa assinalou grande penalidade para os encarnados. João Mário, normalmente, é quem assume nestas situações. No entanto, foi Grimaldo quem ficou com a bola para cobrar o castigo máximo. Perante esta situação, os adeptos assobiaram fortemente. Quando o espanhol marcou (60’) foi aplaudido e despediu-se dos adeptos com lágrimas nos olhos e sem camisola.

João Neves batia palmas a compasso ao ritmo dos cânticos dos adeptos que saíam das vozes ansiosas por celebrar cada vez com mais força. Afinal, também de alegria se faz um campeão nacional.