A compositora finlandesa Kaija Saariaho morreu esta sexta-feira, aos 70 anos, em sua casa, em Paris, anunciou a família, em comunicado. “Estamos devastados em anunciar que Kaija Saariaho morreu hoje de manhã, pacificamente na sua casa, em Paris”, lê-se num comunicado hoje divulgado, assinado pelo marido, a filha e o filho da compositora.
A família acrescentou que Saariaho foi diagnosticada em fevereiro de 2021 com um glioblastoma multiforme, um tumor cerebral agressivo, que, apesar de letal, não afetou as suas capacidades cognitivas. No comunicado, a família relata que a compositora manteve a doença em privado, a conselho do seu médico, de modo a poder centrar-se no seu trabalho.
Saariaho, no entanto, fez questão de que o seu estado fosse “tornado público agora”, de modo a alertar para a importância da deteção precoce de tumores cerebrais, e para as dificuldades diárias com que se deparou durante os dois últimos anos: os obstáculos como utilizadora de uma cadeira de rodas, incluindo em espaços culturais, e as insuficientes medidas de proteção em locais públicos, que colocam em risco pacientes de imunidade reduzida.
Saariaho, segundo a família, esperava igualmente que “os protocolos de tratamentos experimentais” a que se sujeitou, no Hospital Pitié-Salpêtrière, em Paris, possam vir a contribuir, “mesmo que em pequena escala”, para o avanço da investigação sobre “condições como a sua”.
“Durante a sua doença, Kaija Saariaho teve a felicidade […] de estar envolvida em muitas apresentações da sua música, e na estreia dos seus mais recentes trabalhos: as ‘Saarikoski Songs’, a peça de música de câmara ‘Semafor’, a obra orquestral ‘Vista’, o madrigal ‘Reconnaissance’, a recriação da sua primeira música de cena, ‘Study for life’, e a sua aclamada e última ópera, ‘Innocence’”.
Os últimos meses da vida de Kaija Saariaho, indica a família, foram dedicados à conclusão do seu Concerto para Trompete, “Hush”, que será estreado no próximo dia 24 de agosto, em Helsínquia, com Verneri Pohjola, como solista, e a Orquestra Sinfónica da Rádio Finlandesa, dirigida pela maestrina Susanna Mälkki.
Nascida em Helsínquia, em 1952, Kaija Saariaho compôs para diferentes formações, de pequenos ensembles a orquestra, contando ainda com ópera, música para teatro, dança e música eletroacústica.
Kaija Saariaho foi a compositora em residência na Casa da Música, no Porto, em 2010, e regressou a esta instituição em 2019, para fazer a estreia portuguesa da sua obra “Ciel d’hiver”, integrada na programação “Música no Feminino”.
Nesse ano, numa sondagem realizada pela BBC Music, entre 174 compositores, Saariaho foi eleita como a “melhor compositora viva”, tendo em conta critérios de originalidade e de impacto da obra.
“Lichtbogen”, “Graal théâtre”, “Laconisme de l’aile”, “L’aile du songe” são algumas das suas peças presentes no repertório de diversas orquestras portuguesas, como a Gulbenkian, a Metropolitana de Lisboa, o Remix Ensemble e a Orquestra Sinfónica do Porto, além do Grupo Música Nova, de Cândido Lima, que revelou a compositora ao público português.
Entre as obras de Saariaho destacam-se igualmente as óperas “Émile” e “L’Amour de loin”, ambas com libreto do escritor Amin Maalouf, e ambas apresentadas em Portugal, no âmbito da Temporada Gulbenkian Música, em Lisboa, em 2013 e 2016, e na Casa da Música, no Porto (“Émile”).
Na temporada 2014-2015, Kaija Saariaho foi mentora do compositor português Vasco Mendonça, no programa internacional Mestres Discípulos.
A gravação de “L’Amour de loin”, estreada no Festival de Salzburgo, em 2000, pela Orquestra Sinfónica Alemã de Berlim, sob a direção de Kent Nagano, foi distinguida com o Prémio Grammy, em 2011.
Em 2021, venceu o Leão de Ouro de carreira da 65.ª edição do Festival Internacional de Música Contemporânea, da Bienal de Veneza, “pelo extraordinário nível técnico e expressivo que alcançou nas partituras para coros”.
Na altura, a Bienal de Veneza destacou que Kaija Saariaho é reconhecida não só pelo trabalho artístico original para voz, mas em particular pela composição “Oltra Mar”, de 1999, “uma obra-prima absoluta” para coro e orquestra, “harmonicamente complexa, mas de composição clara”, influenciada pelo impressionismo. “A música ousada, sensível e exploratória que criou, sobreviverá a todos nós”, conclui a família de Kaija Saariaho.