O ex-ministro da Economia, que participou no processo de privatização da TAP em 2015, mostrou-se “perplexo” com as declarações de responsáveis políticos a colocar em causa a competência e diligência do governo do qual fez parte. Na intervenção inicial que leu esta terça-feira na comissão de inquérito à TAP, António Pires de Lima dirigiu-se em particular ao seu sucessor no cargo no primeiro governo de António Costa, Pedro Marques, que acusou de ter apresentado uma conclusão que “não é verdade. Não é verdade. E estou a ser simpático”. E adianta que, foi por culpa do acordo revisto pelos socialistas em 2017, que na saída do acionista privado da TAP em 2020 os “lucros foram todos para Neeleman (55 milhões de euros), e os custos ficaram para os portugueses”.

Em causa estão as afirmações do ex-ministro das Infraestruturas na comissão parlamentar de inquérito à tutela política da gestão pública da TAP (e na comissão de economia um dia antes), de que as cartas conforto dirigidas aos bancos credores em 2015 — as quais permitiram o fecho da operação — “configuravam um modelo em que os lucros iam para os privados e os prejuízos ficavam para o Estado”. Lembrando na sua intervenção inicial que tem evitado comentar decisões políticas dos seus sucessores, Pires de Lima defendeu que “na política para distrair as plateias não vale tudo e há limites para a ignorância”.

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Para contestar a afirmação de Pedro Marques, o ex-ministro da Economia de Pedro Passos Coelho diz que é “factual” que o Estado ficou com uma posição económica na TAP equivalente à posição acionista de 30% e de que toda a dívida da companhia passou para a nova estrutura acionista. Se o direito potestativo do Estado à recompra da TAP se verificasse, toda a dívida não garantida que passasse para a esfera pública teria de ser inferior em 25 milhões de euros à existente à data da venda, e que “nessa indesejada circunstância”, a Atlantic Gateway perderia toda a capitalização feita na empresa (de 217 milhões de euros previstos à data) que ficaria na TAP, podendo ainda responder judicialmente por eventuais incumprimentos.

Ou seja, concluiu, no piores dos cenários, o Estado recebia a TAP com menos 25 milhões de dívida e os privados perdiam 217 milhões de capital.

Nas respostas aos deputados, insistiu na mesma ideia. “Caso a empresa se degradasse ao ponto de pôr em causa os pagamento aos bancos, o Estado tinha o direito potestativo para recuperar a propriedade da TAP, pagando 10 milhões de euros e mantendo os 217 milhões de capitalização”. Isso não significava, explicou, que “os privados fazem o que querem e se correr mal os prejuízos vão para o Estado”. O direito potestativo, acrescenta, “obrigava ao controlo mensal da evolução da situação financeira da TAP”, e estava fora de causa se o capital ou a dívida fosse pior do que no momento da capitalização. Era um “incentivo para os privados não se portarem mal. Não tinham interesse em incumprir, se incumprissem perdiam os 217 milhões que tinham colocado”.

O ex-ministro atacou o acordo de recompra liderado por Pedro Marques em 2017 (e negociado por Lacerda Machado) que “infelizmente” resultou numa redução dos direitos económicos do Estado para 5%, apesar de a participação social ter sido elevada para 50%, o que só dava direito a 5% dos lucros. Pires de Lima invocou as críticas severas da auditoria do Tribunal de Contas a este negócio, ao mesmo tempo que destacou os aspetos positivos referidos no mesmo documento à privatização pela qual foi responsável.  E sublinhou que o Estado ficou de fora da comissão executiva, ao mesmo tempo que foi eliminada a obrigação de manter os 217 milhões de euros de capital privado na TAP, caso acontecesse o que veio a acontecer em 2020 em que o acionista Neeleman foi dispensado pelo Estado.

Citando os “pobres ministros Pedro Nuno Santos e João Leão”, Pires de Lima argumenta que foi devido a esse acordo de 2017 que o Estado teve a necessidade de pagar os 55 milhões de euros ao empresário americano que seriam “totalmente desnecessários” no acordo inicial de 2015. Em linha aliás com o já defendido pelo seu ex-secretário de Estado, Sérgio Monteiro, segundo o qual, o Estado teria de ter pago no máximo os 10 milhões de euros que Neeleman e Pedrosa entregaram em 2015 pelas ações da TAP.

Foi a recompra, finalizada em 2017, vincou, que permitiu ao Estado que os privados retirassem os 217 milhões. “Essa abertura permitiu a Neeleman negociar. Pedro Marques abriu a possibilidade de os privados tirarem de lá os 217 milhões, e para tirá-los de lá teve de negociar e os 55 milhões de euros resultam disso. Pedro Nuno Santos e João Leão explicaram isso de forma clara”, defendeu. “O erro está na negociação de 2017, abriu-se a porta a uma série de coisas que tenho dificuldade em justificar”, como a redução dos direitos económicos. “Estarmos a receber lições de competência e diligência de quem nos sucedeu em matérias de proteger o interesse publico, não obrigado”.

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Neste operação final em que o Estado pagou 55 milhões de euros para retirar o empresário americano é que “podemos concluir que os lucros foram para David Neeleman, que se desresponsabilizou da TAP numa altura crítica, e os custos ficaram dolorosamente para todos os portugueses”.

Privatização? “Não há maior sinal de inteligência do que mudar de opinião”

O ex-ministro que foi dirigente do CDS e que atualmente é presidente da Brisa lembrou ainda que a privatização da TAP tem sido defendida por vários governos do PS e do PSD/CDS desde o tempo de António Guterres. E mostrou-se ainda otimista com a privatização anunciada da TAP já que a empresa vai ser vendida “sem o fardo da VEM (manutenção do Brasil) e com novos aviões cuja compra, lembra foi criticada pelos socialistas — numa referência aos chamados fundos Airbus. “Acho que a privatização pode correr bem” e que permita recuperar uma parte significativa dos 3,2 mil milhões de euros, ao mesmo tempo que assegure os interesses estratégicos.

Aqui, também aproveitou para mandar recados ao Governo de António Costa. “Não há maior sinal de inteligência do que mudar de opinião, dou os parabéns ao Governo do PS por estar empenhado com a privatização no segundo semestre”. As condições de privatização “vão ser diferentes” da venda de 2015, porque hoje a TAP “tem capital em abundância”.  Acredita que pode correr bem se quem comprar a empresa “desenvolver o hub de Lisboa, proteger a nossa marca e recuperar uma parte importante do valor que injetámos na companhia”.

A TAP que será privatizada agora tem “muito mais esforço dos contribuintes do que a que privatizámos”, com “ótimos aviões e excelentes rotas graças a privados e o fecho do Brasil graças à reestruturação”. Pires de Lima espera que o Tribunal de Contas diga dela “coisas tão bonitas como disse da privatização feita pelo PSD/CDS”.

Bernardo Blanco, da IL, quis saber ainda porque demorou “tanto” o Governo PSD/CDS a privatizar a TAP quando estava no poder, e Pires de Lima fez um desabafo. “Se me perguntasse se faria alguma coisa de maneira diferente, diria que teria iniciado a privatização um par de meses antes para evitar esta polémica. Gostava de a ter concluído na 19ª legislatura”. Recorda que houve uma tentativa falhada em 2012 e que foi necessário fazer um trabalho de recuperação, para assegurar que o processo seria competitivo e que não haveria apenas um potencial comprador. “Chegámos à conclusão que havia condições em outubro de 2014”. Durante algum tempo, assume, ainda houve um debate entre o PSD e o CDS, sobre se a privatização deveria ser total ou apenas de uma parte, ainda que maioritária. Isto porque a primeira tentativa falhada foi a 100%. Concluiu-se que seria melhor vender primeiro 70% e 30% mais tarde.