Em poucos meses, foram várias as notícias a causar preocupação com o estado de saúde do Papa Francisco: em março, antes das celebrações do Domingo de Ramos, esteve internado um par de dias devido a dificuldades respiratórias, tendo sido diagnosticado com bronquiolite viral; esta semana, voltou ao hospital para fazer exames; esta quarta-feira, o Vaticano anunciou que o Papa teria de ser operado a uma hérnia intestinal. A menos de dois meses da realização da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) em Lisboa, na primeira semana de agosto, há uma pergunta que se repete: o que acontece se o Papa estiver impedido de viajar?
Da parte da organização da JMJ, chega apenas uma mensagem: nunca houve JMJ sem Papa, pelo que a hipótese de uma edição da JMJ sem a presença do Papa parece remota. Aliás, o bispo auxiliar de Lisboa D. Américo Aguiar, responsável pela organização da edição portuguesa da JMJ, tem sido taxativo quando questionado pelos jornalistas sobre um eventual plano B: “O único plano é F, de Francisco.” O bispo também desvalorizou as notícias sobre o estado de saúde, sublinhando que a idade de Francisco, 86 anos, o torna num “querido avô”, que precisa dos normais “cuidados e acompanhamentos”.
O Vaticano também não revela quaisquer planos para uma edição da JMJ sem o Papa. Aliás, esta semana a Santa Sé divulgou o programa detalhado dos cinco dias que Francisco vai passar em Portugal, que inclui dezenas de eventos, encontros e discursos. A ideia de uma versão alternativa da JMJ sem o Papa Francisco está, pelo menos em praça pública, fora dos planos da Igreja Católica.
Isto porque, na sua génese, a JMJ implica a presença do Papa. Criada na década de 1980 por iniciativa do Papa João Paulo II, a Jornada Mundial da Juventude é um encontro dos jovens com o Papa, em que o pontífice é efetivamente o anfitrião da festa — é o Papa que convida os jovens de todo o mundo para se reunirem com ele e para partilharem com ele e com a Igreja as angústias, inquietações, perguntas e dificuldades da juventude de cada momento da história. Apesar de o encontro decorrer em diferentes países em cada edição, o anfitrião é sempre o Papa — e é ele quem acolhe os jovens.
Na verdade, basta olhar para a história para compreender que nunca houve uma JMJ sem Papa — mesmo quando essa hipótese pareceu colocar-se em cima da mesa.
Em 2002, por exemplo, a JMJ realizou-se em Toronto, no Canadá, com a presença do Papa João Paulo II, na altura já muito fragilizado e consumido pela doença de Parkinson. Apesar das enormes dificuldades, João Paulo II foi mesmo ao Canadá, mas beneficiou de um programa suave, que incluiu longos períodos de descanso numa casa de retiros numa ilha privada, nos arredores de Toronto — de onde foi transportado de helicóptero para participar nas celebrações da JMJ. As imagens dessa edição da Jornada mostram um Papa profundamente frágil, curvado e sentado, enquanto lia os seus discursos perante os jovens.
Outra situação de dúvida colocou-se em 2013, com a JMJ do Rio de Janeiro. O evento esteve agendado para 2014, mas a realização do campeonato do mundo de futebol no Brasil obrigou à antecipação da JMJ para 2013. Na altura, Bento XVI já tinha na cabeça a ideia de renunciar ao trono papal: desde 2012 que não se sentia bem, sobretudo depois de uma viagem ao México e a Cuba que foi especialmente cansativa, e o seu médico já o tinha avisado de que não poderia voltar a atravessar o Atlântico de avião. Bento XVI estava disposto a manter-se como Papa até 2014, mas a antecipação da JMJ para 2013 levou-o a acelerar a decisão de renunciar.
“Sabia que, a renunciar, teria de fazê-lo a tempo de permitir que o novo Papa se pudesse preparar para o Rio. A decisão foi, portanto, amadurecendo gradualmente depois da viagem ao México e a Cuba. Caso contrário, ainda teria tentado aguentar até 2014. Mas naquelas circunstâncias sabia que já não iria conseguir”, diria, mais tarde, num livro de memórias, lembrando que não pretendia que o final do seu pontificado fosse marcado por um sofrimento semelhante ao de João Paulo II.
A maioria dos cenários não apontam, por isso, para um cancelamento da JMJ: mesmo especialmente fragilizado, o Papa Francisco poderá manter a vontade de se deslocar a Portugal, ainda que isso implique uma suavização do programa. Um hipotético cenário mais grave, que levasse à renúncia ou até à morte do Papa, conduziria também à eleição de um novo pontífice — que estaria em Lisboa em agosto. O único cenário hipotético que ameaçaria efetivamente a JMJ seria a morte do Papa poucos dias antes do evento. Nesse caso, a JMJ aconteceria numa altura de sede vacante, e muito provavelmente teria de ser cancelada ou adiada, já que nessa altura a Igreja conflui para Roma para a eleição de um novo Papa.
Conferência Episcopal recusa cenário de JMJ sem o Papa
O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, José Ornelas, recusou esta quarta-feira antecipar cenários devido à saúde do Papa Francisco, que vai ser operado esta tarde, e disse contar com a sua presença na Jornada Mundial da Juventude (JMJ).
“Rezamos e acompanhamos a situação de saúde do Papa e esperamos aquilo que vai vir. Não antecipamos cenários, mas estamos contando que o Papa possa vir cá”, afirmou aos jornalistas, em Leiria, José Ornelas, também bispo da Diocese de Leiria-Fátima, após ter recebido o secretário-geral do Partido Comunista Português, Paulo Raimundo.
O bispo salientou que a situação de saúde do Papa não é desconhecida, lembrando o desejo do chefe de Estado do Vaticano de presidir à JMJ, em agosto, em Lisboa, e de se deslocar, por essa ocasião, de novo, ao Santuário de Fátima.
“A situação de saúde do Papa não nos é nem desconhecida, muito menos nos deixa indiferentes. (…) Agora também ele disse sempre ‘eu, desde que possa, evidentemente, que vou. Vou a Fátima e vou a Portugal, vou à JMJ’”, declarou.
Questionado sobre a eventualidade de o programa da JMJ, que foi anunciado na terça-feira, poder ser alterado devido à saúde de Francisco, José Ornelas assegurou: “O programa que está afixado é este. Como disse o D. Américo [Aguiar, presidente da Fundação JMJ e bispo auxiliar de Lisboa], não temos outro programa”.
“Evidentemente que isso depende das condições de saúde do Papa e esperamos confiantes e rezamos para que possa ter um êxito positivo”, ressalvou.
O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa expressou ainda o desejo de que o Papa recupere.
“Esperamos que ele recupere. Aliás, tem sido um lutador, também nestas questões de saúde, e esperamos que venha. Deus está por trás destas coisas todas e também [o] tem nas suas mãos e [está] na nossa oração”, acrescentou.