O ministro João Galamba mandou tornar segredos de Estado um conjunto de documentos e informações que são utilizados no dia a dia por várias pessoas e organizações, incluindo a Proteção Civil, os bombeiros e empreiteiros ferroviários. A ordem de classificação, segundo o jornal Público, partiu de um despacho ministerial de 21 de abril, mas o Governo diz que foi por iniciativa da Infraestruturas de Portugal (IP) e justifica a decisão com a guerra na Ucrânia.

Um vice-presidente da IP, Carlos Fernandes, garantiu que desconhece em absoluto qualquer pedido nesse sentido. Mas a IP já veio reagir e confirmar que a iniciativa foi sua — e que Carlos Fernandes não tinha de ser informado da iniciativa.

O despacho ministerial de Galamba saiu numa data que coincide com um momento em que o jornal Público pediu ao IMT (Instituto da Mobilidade e dos Transportes) o acesso a documentos que faziam parte do processo em curso para conceder à IP a autorização de segurança (que caducaria a 31 de maio e foi, entretanto, renovada por mais cinco anos a partir de 1 de junho).

O jornal insistiu em obter esses dados e eles acabaram por ser classificados como segredos de Estado, na mesma altura. Esta é uma decisão inédita, que não existe noutros países e que vai dificultar o acesso a documentos operacionais que os trabalhadores da IP e seus fornecedores usam no dia a dia (para assegurar a operação e manutenção das linhas ferroviárias).

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Em resposta, o gabinete do ministro afirmou que, “recentemente, face à situação vivida na Ucrânia, alguns países vieram a adaptar e aumentar o nível de criticidade da informação, em especial da informação sobre infraestruturas estratégicas”. E acrescenta que a Infraestruturas de Portugal “iniciou um trabalho de avaliação de informação e de dados relacionados com infraestruturas ferroviárias, rodoviárias e de telecomunicações sob sua gestão”. Terá sido, assim, a IP que pediu ao ministério para classificar os documentos, advoga Galamba.

Porém, o vice-presidente da IP, Carlos Fernandes, disse ao Público desconhecer em absoluto qualquer pedido deste género. Este responsável enquadrou este seu desconhecimento no facto de não ter no conselho de administração da empresa o pelouro da segurança. A administradora Alexandra Barbosa, que tem a tutela da segurança, não respondeu às questões do Público sobre se considera que estaria mandatada para tomar esta decisão sozinha.

IP justifica decisão de classificar documentos com alteração de legislação

A Infraestruturas de Portugal reagiu entretanto à notícia, confirmando que a decisão de classificar os documentos foi sua iniciativa e que Carlos Fernandes não tinha de ser informado. Em comunicado esta segunda-feira divulgado, a IP diz que as infraestruturas que gere são estratégicas e “contêm elementos sensíveis do ponto de vista da sua segurança e da segurança dos cidadãos”.

A empresa acrescenta que, na sequência de publicação de legislação sobre infraestruturas críticas e da alteração dos seus estatutos (que, diz, integram agora a conceção, operação e manutenção de cabos submarinos de comunicações eletrónicas), “iniciou um trabalho de avaliação de informação e de dados relacionados com infraestruturas ferroviárias, rodoviárias e de telecomunicações sob sua gestão”.

A IP diz que é, neste contexto, que tem trabalhado com o Gabinete Nacional de Segurança para “determinação da documentação gerida pela empresa que deve ser considerada sensível” e que está na “fase de criação, adaptação e implementação de procedimentos para gestão de informação classificada, tanto pelos trabalhadores da IP, como por todos os prestadores de serviços, empreiteiros e demais s [interessados] que tenham de aceder a parcelas da referida documentação”.

A IP afirma que são classificados “documentos que dizem respeito a matérias confidenciais, como infraestruturas críticas nacionais”, e que o Gabinete Nacional de Segurança “identifica como de classificação obrigatória”.

Foi assim, diz a IP, que “solicitou ao Ministério das Infraestruturas a classificação de documentos, que contêm informação técnica e operacional sobre a gestão das referentes infraestruturas”.

Quanto ao vice-presidente da IP, Carlos Fernandes, ter afirmado ao Público desconhecer qualquer pedido para classificação de documentos, diz a empresa que não há qualquer divergência entre o que diz e o que afirma o Ministério das Infraestruturas.

“Não sendo esta uma matéria diretamente acompanhada nos seus pelouros, não havia necessidade de ter conhecimento, naquela altura, do ponto de situação do processo de classificação dos documentos e não lhe competia responder por matérias acompanhadas pelos membros do Conselho de Administração que tenham responsabilidade direta sobre matérias de segurança”, justifica.