Não estava disponível para um lugar na administração, mas manteve-se na TAP quase como um “CEO sombra”, como chegou a ser referido na comissão de inquérito, a receber 1,6 milhões de euros para “dar conselhos”. Fernando Pinto, ex-CEO da companhia, revela no depoimento escrito à comissão de inquérito à TAP, ao qual o Observador teve acesso, que os seus serviços tinham “duas componentes fulcrais”: a prestação de serviços em exclusividade para a TAP e a obrigação de não concorrência.

“Estes fatores eram especialmente relevantes para a TAP, pois sabiam que eu tinha empresas concorrentes interessadas em contar com os meus serviços”, sublinha em resposta a uma questão da IL, que quis saber porque é que “no âmbito do seu contrato de consultoria de 1,6 milhões de euros, recebia como CEO, mas não era CEO”.

Durante os 24 meses em que prestou este serviço, entre 2018 e 2020, diz que correspondeu a todos os pedidos que lhe foram feitos. E que foram, sobretudo, conselhos a Antonoaldo Neves, seu substituto, “em questões estratégicas e cruciais da empresa, como por exemplo, no âmbito da relação com os poderosos sindicatos da empresa e do setor, bem como nas relações com o Governo e outras empresas e associações do setor da aviação”.

Revela que também lhe foram solicitados “conselhos por parte dos representantes dos diferentes acionistas”. E que deu suporte ao Comité de Estratégia. “No âmbito dos meus serviços, fui por diversas vezes contactado por responsáveis da empresa e participei em reuniões, sempre que solicitado para tal”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Nunca me foram pedidos trabalhos por escrito. Tudo o que me foi solicitado pela TAP e seus representantes, foi por mim correspondido”, garante. O ex-CEO destaca os seus quase 20 anos de experiência na liderança da comissão executiva da TAP e os 50 anos no setor da aviação, que fizeram com que os acionistas pretendessem “continuar a contar com o meu contributo profissional, quer no apoio à nova gestão privada (sem qualquer experiência na TAP), quer em questões estratégicas fundamentais para a empresa”.

Foi-lhe para isso proposto um contrato de prestação de serviços de 24 meses, com uma remuneração igual à que recebia como CEO “mas paga em 12 meses e não em 14, como acontecia anteriormente”.

Fernando Pinto ressalva ainda que esta solução foi “semelhante às que sei existirem em outras empresas internacionais, relativamente a administradores com uma importância relevante e ligação longa às mesmas, no sentido de se assegurar que a transição da gestão se faz de uma forma estruturada e sem disrupções. E de se assegurar que o gestor não vai prestar serviços para empresas concorrentes”.

O gestor garante que o contrato não foi “uma forma de compensação pela saída antes da conclusão do seu mandato”, em resposta ao BE, e que quem definiu os termos do seu contrato de consultoria foi a comissão executiva da empresa. “Nunca participei em qualquer dissimulação”, ressalva.

Airbus “disponibilizou-se a injetar” fundos na TAP e Governo sabia

Foi Fernando Pinto que sugeriu o nome de David Neeleman ao Governo, em 2015, para concorrer à privatização da TAP. A empresa estava com dificuldades de liquidez, conhecidas pelo Governo, após um processo de privatização falhado aGerman Efromovich. “Esteve muito perto de acontecer, mas não se concretizou por um falhanço na negociação com o Governo em que eu não participei”. Segundo Fernando Pinto, “cada vez que a TAP entrava num processo de privatização tinha dificuldades em obter financiamento bancário, pois as entidades financiadoras ficavam na expetativa de saber qual seria o desfecho do processo. 2015 foi um desses momentos e houve realmente dificuldades de liquidez”.

Ainda assim, foi possível negociar com todos esses fornecedores e não entrar em incumprimento. Nunca deixámos de pagar as contas”. É neste contexto que surge David Neeleman,

“Naquela fase, entendia que seria solução mais adequada para a TAP”, defende. Em primeiro lugar, porque “era uma pessoa que entendia do negócio da aviação e que tinha uma história de sucesso no setor comprovada”. Além disso, nota, “poderia gerar o que eu chamo de “efeito triângulo”: tinha uma participação na Azul no Brasil e na JetBlue nos EUA, pelo que investindo na TAP (empresa europeia), entendo que só poderia ter interesse em fazer crescer o negócio da empresa e gerar resultados. Ou seja, seria um mercado complementar e que permitia fazer o triângulo América do Sul, EUA e Europa”.

A entrada de Neeleman da TAP através dos chamados Fundos Airbus é defendida por Fernando Pinto, que diz ter tido conhecimento da anulação do contrato para a compra de 12 aviões A350 da Airbus pela TAP e a sua substituição por um contrato para compra de 53 novos aviões dos modelos A320 Neo, A321 Neo e A330-900 Neo. E que esta foi positiva para a companhia.

“No âmbito dessa negociação de troca dos modelos dos aviões, a Airbus disponibilizou-se a injetar fundos na TAP. Esse tema foi debatido com a nossa tutela, com a Parpublica e a Secretaria de Estado do Tesouro, à qual reportamos toda a informação que tínhamos sobre a matéria”, revela. “Houve um memorando jurídico da sociedade de advogados VdA que se pronunciou sobre a compatibilidade do negócio com a Lei”. O ex-CEO entende “que para a TAP esta operação  foi benéfica: permitiu ficar com aviões novos e mais adequados e, alem disso, obteve uma injeção de capital fundamental para a sua atividade”.

Pinto rejeita que os aviões tenham sido comprados a preços acima do praticado no mercado, como levantou a auditoria pedida pela TAP no ano passado, e que está a ser investigada pelo Ministério Público.

“Não concordo com a ideia de que foram pagos valores acima do valor de mercado. Foram realizadas avaliações pela Ascend, Avitas e Comercial Aviation Services (três das mais conceituadas empresas neste tipo de trabalhos). Todas essas avaliações apresentam valores superiores ao que foram negociados com a Airbus”.

Fundos Airbus. Tribunal de Contas não viu riscos relevantes em 2017, mas vai insistir em nova auditoria à TAP

Fernando Pinto diz desconhecer a auditoria de 2022 feita pela Airborne, “cuja credibilidade e experiência também desconheço”, mas entende que houve “alterações relevantes no mercado entre 2015 e a presente data”.

VEM ajudou crescimento da TAP no Brasil

Grande parte das questões dos deputados da CPI a Fernando Pinto versa sobre a VARIG Manutenção e Engenharia (VEM) no Brasil, classificada pelo Chega como “um sorvedouro de dinheiro para a TAP durante 15 anos”. O ex-CEO, responsável por fechar a operação em 2006, defende o negócio, que até à sua saída tinha recebido 538 milhões de euros em injeções financeiras da TAP, entre 2010 e 2017. Fernando Pinto começa por lembrar que esta aquisição foi investigado pelo Ministério Público, que arquivou o processo por inexistência de indícios criminais. E que a gestão da TAP teve sempre “boa fé” nesta questão.

“Aos olhos da época, entendo que foi uma boa opção para a TAP. À época, o negócio da manutenção era dos melhores negócios que existia numa empresa aérea. Além disso, a TAP não tinha capacidade de maior crescimento porque o aeroporto de Lisboa não permitia aumentar a área de manutenção”, justifica.

Por sua vez, a VEM era uma empresa de manutenção “já operacional inserida no maior mercado de transporte aéreo fora da Europa e dos Estados Unidos da América. Portanto, fazia-nos sentido este investimento e sempre tivemos apoio nessa ideia”. E corrobora a ideia veiculada por Diogo Lacerda Machado de que a VEM ajudou a TAP “ter um posicionamento relevante no mercado brasileiro e da América do Sul, “conseguindo ter mais força para negociar os slots deste mercado que eram muito complicados de obter”. E não tem dúvidas: “conseguimos um crescimento muito grande neste mercado é que hoje e fulcral para a empresa”.

Admite que “a performance económica da VEM não foi positiva” e que isso teve impacto nas contas da TAP SGPS, mas “no geral” acabou por ser uma mais-valia.

Fernando Pinto confirma que na compra da VEM, a TAP, que ficou com 15% da Reaching Force, a sociedade que tinha comprado a VEM, sendo os restantes 85% da Geocapital, de Diogo Lacerda Machado, houve mesmo lugar a um prémio de 20% quando a TAP adquiriu a participação da Geocapital. “Confirmo que a TAP cumpriu o contrato que celebrou com a Geocapital, incluindo o prémio de 20%”, revela.

Para Fernando Pinto, não tendo havido anteriormente qualquer esforço de capital por parte da TAP, que entrou no negócio como parceiro de know how, “afigurava-se como justo e adequado que as condições das Partes, ao abrigo do contrato, fossem diferentes, nomeadamente caso a TAP pretendesse prosseguir com o negócio sozinha (como sucedeu)”.

O prémio representava 20% dos valores aportados pela Geocapital, cerca de 4 milhões de dólares. “Tanto quanta me recordo, o exercício da opção de compra daria sempre lugar ao pagamento do prémio contratualmente previsto”, sublinha.

Alexandra Reis tinha “perfil conflituoso”

Na única questão dirigida a Fernando Pinto sobre Alexandra Reis, pelo Chega, o ex-CEO, lembra que a ex-administradora que saiu da TAP com uma indemnização de 500 mil euros foi admitida na empresa num processo de seleção em que o próprio participou, em 2017. Não trabalhariam muito tempo juntos, uma vez que Fernando Pinto deixaria a companhia em 2018. Mas o ex-CEO lembra-se de algumas característica da ex-gestora.

“Por um lado, entendo que, como responsável pela área das compras da empresa, foi uma pessoa extremamente focada e que teve um bom desempenho na minha época”, começa por dizer. “Por outro lado, sei que era percecionada como tendo um perfil algo conflituoso”, revela. “Seja como for, enquanto fui Presidente da Comissão Executiva, pude constatar a competência da Senhora Eng. Alexandra Reis”.

Alexandra Reis saiu da TAP em fevereiro de 2022 com uma indemnização de 500 mil euros, por alegadas incompatibilidades com a CEO, Christine Ourmières-Widener.