A equipa que fez a auditoria do Tribunal de Contas (TdC) à privatização e recompra da TAP “não identificou riscos materialmente relevantes associados à compra de nova aeronaves”, a partir do exame à informação disponível e pertinente à data. Também no que respeita à capitalização feita pelos acionistas privados “não foram identificados riscos materialmente relevantes associados à origem dos fundos da capitalização”. Mas as conclusões da auditoria de 2018 foram condicionadas pela insuficiência de dados para projeções a partir de 2022.

A operação que ficou conhecida como os Fundos Airbus, bem como a suspeita de que o acionista privado usou recursos gerados pela própria TAP, em prejuízo da empresa e para meter na empresa, serão analisados numa nova auditoria, de acordo com uma resposta enviada à comissão parlamentar de inquérito à gestão da companhia, a que o Observador teve acesso.

O Tribunal explica que a incidência da auditoria já realizada “correspondeu ao da execução do processo de recomposição do capital, até junho de 2017”. Mas assinala também que o período apresentado no plano de negócios que foi avaliado na auditoria “é insuficiente para avaliar os riscos, bem como o impacto financeiro, nos termos dos acordos. Consequentemente, as projeções até 2022 são insuficientes para aferir a sustentabilidade do negócio”.

Auditoria do Tribunal de Contas. Recompra da TAP aumentou riscos para o Estado

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A auditoria do Tribunal de Contas, divulgada em 2018, tem sido muito citada — sobretudo pelos ex-responsáveis do PSD/CDS — para defender a legalidade e adequação dos chamados fundos Airbus na capitalização realizada pelo acionista David Neeleman na empresa em 2015 e 2016. O PCP chegou a pedir a audição dos responsáveis pela auditoria até para perceber se receberam toda a informação sobre a operação que passou ao lado de vários antigos governantes socialistas, segundo foi referido nas audições.

Na resposta por escrito às perguntas dos deputados, o juiz conselheiro José Quelhas assinala que vai ser realizada uma nova auditoria à TAP, prevista no planeamento e que estará já em curso. E para tal será considerada “relevante” a informação superveniente sobre o tema, abrindo a porta à inclusão da auditoria aos fundos Airbus entregue pela TAP em 2022 ao Governo.

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Este documento não é público (estará em segredo de justiça) mas tem sido muito usado pelos socialistas , incluindo pelo ex-ministro Pedro Nuno Santos, para atacar a privatização feita pelo Governo do PSD/CDS. Do que sabe das conclusões, a auditoria contraria as garantias dadas pelas consultoras contratadas em 2015 pelo consórcio privado Atlantic Gateway ao Executivo de então no sentido de que esta troca de frota era positiva para a companhia portuguesa, para além de legal. Foi também através desta operação que David Neeleman colocou grande parte da capitalização contratualizada com o Estado, no valor de 224 milhões de euros, o que corresponde à penalização acrescentada ao novo contrato que a TAP teria de suportar se não respeitasse a entrega de todos os aviões.

O empresário americano reconhece que foram usados os fundos avançados pela Airbus — num negócio que só ele (e não a TAP) conseguiria fazer com o fabricante aeronáutico. No entanto, diz que os ministros socialistas sabiam de tudo e contesta as conclusões de uma auditoria que acusa de não ser independente, porque “encomendada pelo Governo PS”.

Uma mentira dita muitas vezes não passa a ser verdade

A auditoria pedida pela TAP para avaliar porque estaria a pagar mais pelos mesmos aviões que os seus concorrentes — segundo referiu o administrador financeiro, Gonçalo Pires — aponta no sentido de esta transação ter prejudicado a transportadora em 440 milhões de euros (dos quais 110 milhões de euros já registados). Isto porque os aviões Neo que substituíram os originais A 350 terão sido comprados a valores superiores ao preço de mercado. Neste cenário, o parecer jurídico que acompanha a auditoria considera que há indícios de que os contratos violaram as normas que proíbem a assistência financeira das empresas aos acionistas.

A documentação está toda no Ministério Público desde 2022, mas vai ser também avaliada na nova auditoria do Tribunal de Contas que irá considerar a “informação superveniente relevante (como a subjacente à questão colocada, a confirmar-se). E neste caso a questão colocada é: sabia que o contrato de compra dos 53 aviões novos dos modelos A320, A321 e A330 Neo foi assumido com preços acima dos praticados pelo mercado?”

Ainda sobre este tema, o Tribunal de Contas esclarece que a substituição da encomenda inicial feita pela TAP — os 12 A350 cujo contrato estava em risco de incumprimento pela companhia aérea — pelas 53 aeronaves Neo estava no plano estratégico de 2015 analisado na primeira auditoria e manteve-se no projeto estratégico do acordo de recompra de 2017. Foram avaliados os “fundamentos, objetivos, resultados e alterações decorrentes das operações de reprivatização e recompra, bem como a situação económica e financeira do grupo TAP entre 2014 e 2016 e, concretamente, o projeto estratégico reportado em abril de 2017.”

Só que, nessa avaliação, o TdC assinala algumas limitações, já que, considerou, as evoluções registadas “são insuficientes para identificar um período de cruzeiro/maturidade do negócio”. O plano de negócios não revela as expectativas após 2022, nomeadamente sobre a evolução dos ganhos operacionais, o que seria relevante para projetar a recuperação da situação financeira da empresa. Daí que, tenha concluído na primeira auditoria que para o período a partir de 2022 “subsistem riscos quando à necessidade de reforçar o capital próprio, seja por via da retenção dos resultados, que de outra forma seriam atribuídos aos acionistas, seja por desembolsos diretos por parte destes”.

A resposta remetida pelo juiz conselheiro lembra ainda que o Tribunal de Contas sinalizou que a partir de 2022 havia risco de ser acionada a cláusula do acordo parassocial que obrigaria a Parpública a substituir o acionista privado na realização de prestações acessórias à TAP. Ou seja, repete a resposta, “o período apresentado no plano de negócios é insuficiente para avaliar os riscos, bem como o impacto financeiro, nos termos do acordo. Consequentemente, as projeções até 2022 são insuficientes para aferir a sustentabilidade do negócio”.

Neste longa resposta, o Tribunal de Contas diz que irá ainda analisar uma boa parte dos temas escrutinados nesta CPI, mas cujos testemunhos e documentação podem não permitir tirar conclusões claras. Entres estes o pagamento de 55 milhões de euros a David Neeleman em 2020, e perceber se este resultou do acordo parassocial gerado na recompra dos socialistas (em 2017). O plano de reestruturação é outro facto superveniente a considerar no planeamento da nova auditoria cujos termos de referência são fixados com base em critérios de análise de risco, materialidade, oportunidade, exequibilidade e utilidade.