O alvo era Aleksandr Poteyev. Havia rumores de que poderia estar morto, mas não passava de um truque para desviar as atenções. O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, descobriu que aquele homem, nascido na Bielorrússia e que tinha trabalhado e traído os serviços de informações russos, estava vivo. E não perdeu tempo. Numa operação arriscada, o Chefe de Estado russo ordenou que fosse assassinado, mesmo que estivesse a viver em Miami, nos Estados Unidos da América (EUA).

O assassínio de um espião num país estrangeiro significava ultrapassar uma série linhas vermelhas, mesmo no clandestino mundo dos serviços de informações — mas os limites pareciam “ter acabado para Putin”, notou, ao New York Times, Marc Polymeropoulos, antigo agente da CIA, indicando que o Presidente russo queria estes “tipos todos mortos”. 

Protegido pelos Estados Unidos, Aleksandr Poteyev, que chegou a ocupar um cargo de relevo nos serviços de informações russos, era odiado pelo Presidente russo. O motivo? Em 2010, homem conseguiu desmantelar uma rede de onze espiões russos que viviam na Costa Leste, que, aparentemente, viviam uma vida normal — com nomes e identidades falsas — nos subúrbios das cidades da Costa Leste. O objetivo do Serviço de Inteligência Estrangeiro (SVR em russo) passava por recrutar ainda mais agentes e conseguir recolher informações confidenciais.

Na altura, e para evitar um aumento de tensão entre Moscovo e Washington, a administração de Barack Obama permitiu que fosse assinado um acordo em que dez dos onze espiões regressavam à Rússia, em troca de que quatro prisioneiros fossem libertados, incluindo Sergei V. Skripal — que anos mais tarde viria ser envenenado pelos serviços de informações russos.

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No entanto, Vladimir Putin não terá ficado satisfeito com o acordo alcançado e, por isso, decidiu agir anos mais tarde. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos aumentaram a proteção a espiões com os quais colaboraram no passado, após o assassínio de Sergei V. Skripal, em 2018, em Londres. Washington temia que Moscovo tivesse perdido o medo de levar a cabo atividades do género em outros países — e decidiu prevenir-se, reforçando a segurança.

Mesmo antes disso, antevendo os riscos que Aleksandr Poteyev podia correr, os Estados Unidos ativaram um programa secreto para proteger espiões. E parece ter resultado. O homem parecia ter desaparecido e, segundo conta o New York Times, os meios de comunicação sociais russos até noticiariam que estaria morto em 2016. Mas era mentira. Aleksandr Poteyev vivia em Miami, sob a identidade de um pescador que votava no Partido Republicano.

A imprensa russa divulgava, em 2018, o suposto paradeiro de Aleksandr Poteyev. Um ano depois, a Rússia elabora um plano para encontrar o dissidente — e para o matar. Para isso, escolhe alguém que aparentava ser inofensivo: o cientista mexicano Hector Fuentes. Estudou microbiologia na Rússia, viveu na Alemanha, não tinha cadastro e até fazia regularmente caridade. Tinha, sendo assim, o perfil que Moscovo considerou ser o ideal para matar o espião.

Para isso, a Moscovo teve o convencer, ou melhor, chantageá-lo. E sabia perfeitamente o ponto mais sensível: a família. Hector Fuentes tinha duas mulheres — uma russa que vivia na Alemanha, outra que vivia no México. Em 2019, após a primeira mulher e as duas filhas terem visitado a Rússia, ficaram proibidas de sair do território russo. 

Foi aí que a Rússia chamou Hector Fuentes e fez um acordo: uma das suas mulheres e as duas filhas podiam regressar à Alemanha, em troca de o cientista integrar a missão. Meses depois, no final de 2019, o mexicano foi viver para os Estados Unidos para um apartamento em Miami Beach. Tinha uma tarefa em mãos: encontrar o carro em que Aleksandr Poteyev se deslocava e apontar a matrícula (mas não podia tirar fotografia à placa, de modo a não existirem provas).

No início de 2020, Hector Fuentes deslocou-se à casa do espião. Porém, os seguranças de Aleksandr Poteyev apanharam-no a tentar entrar pelo portão. Na altura, o cientista saiu incólume de qualquer consequência, ao passo que a mulher escapou e conseguiu tirar fotografia à matrícula. As autoridades não o detiveram, mas estudaram o sucedido através das câmaras de segurança.

Foi uma questão de dias. Ao tentar fugir para o México, o controlo alfandegário norte-americano apreende o telemóvel de Hector Fuentes e descobre a fotografia da matrícula do carro de Aleksandr Poteyev. O cientista é detido e confessou que trabalhava para a Rússia, assim como a missão que lhe tinham atribuído.

Em abril de 2021, chega a retaliação dos Estados Unidos: a expulsão de dez diplomatas russos. Na mesma moeda ocorreu a resposta russa: dez diplomatas norte-americanos tiveram de abandonar o território russo.