Não há mamíferos nos mares mais amados do que os golfinhos. São admirados pela inteligência e elogiados pelas competências sociais. Mas os botos não cabem neste universo de fama. Apesar de pertencerem à família dos delfinídeos, o seu caráter tímido e esquivo fê-los cair no anonimato e no risco de sobrevivência: há apenas 2715 botos na costa de Portugal e da Galiza, segundo os últimos censos, e, mesmo assim, os mecanismos de proteção existentes não chegaram para evitar que 44 dessem à costa na zona norte do país desde o início do ano.

Nunca morreram tantos botos em tão curto espaço de tempo. “Estamos a meio do ano e já atingimos o número total de mortes do ano passado na zona norte”, diz ao Observador Marina Sequeira, bióloga do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). “A principal causa de morte dos botos é a captura acidental por redes de pesca. Não sabemos se este ano tem havido mais redes ou se existe uma maior concentração de botos na costa, mas é especialmente preocupante por a espécie constar do livro vermelho dos mamíferos de Portugal com a a classificação de ‘Criticamente em perigo’.”

Os botos concentram-se maioritariamente na faixa entre o Rio Minho e a Nazaré. São os golfinhos mais pequenos existentes em Portugal. É raro ultrapassarem os dois metros de comprimento, sendo as fêmeas (1,60m, em média), maiores do que os machos, que não costumam ultrapassar 1,45m. Alimentam-se de pequenos peixes como a tainha, faneca, biqueirão, pescada, linguado e peixe-lira.

“O boto da Península Ibérica tem particularidades genéticas que o definem como uma subespécie, Phocoena phocoena meridionalis”, diz Marina Sequeira. “Podem ser ligeiramente maiores do que os botos do Norte da Europa, mas do ponto de vista genético existem diferenças que justificam a sua classificação como sub-espécie.” Vivem, em média, oito a dez anos e as fêmeas têm apenas uma cria por gestação. Conseguem amamentar um juvenil enquanto grávidas, apesar de isso acontecer esporadicamente.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ao contrário dos golfinhos comuns ou dos roazes, os botos não gostam de ser observados. Escondem-se quando sentem a aproximação de uma embarcação e quase não saltam acima da linha de água, raramente desvendando mais do que a barbatana dorsal. “São normalmente encontrados sozinhos, em pares mãe-cria ou em pequenos grupos, até cinco indivíduos. São solitários, mas há mais golfinhos assim”, diz a bióloga do ICNF, acrescentando que nem sempre convivem bem com os golfinhos maiores. “Os roazes costumam atacar os botos. Podem provocar-lhes fraturas que, por vezes, resultam em morte.”

Uma ameaça incomparavelmente menor do que as redes de pesca. No Sítio de Importância Comunitária (SIC) Maceda-Praia da Vieira, os pescadores de arte xávega já são obrigados a incorporar pingers (dispositivos acústicos que emitem um ruído de forma a afugentar os golfinhos) nas redes. Mas não chega. As redes de arrojamentos regionais pretendem promover ações de sensibilização do público, em escolas e em comunidades das principais áreas de atuação. Ao mesmo tempo, a Universidade de Aveiro irá realizar em setembro novos censos dirigidos particularmente ao boto, com vista à obtenção de uma estimativa que permita conhecer a mais recente tendência populacional. “Os dados preliminares do censo europeu realizado em 2022 dão valores mais baixos para Portugal, comparativamente aos obtidos no censo de 2016”, diz Marina Sequeira.

O boto não pode continuar a ser o “patinho-feio” dos golfinhos. Embora não goste de protagonismo, precisa que os portugueses saibam que ele existe e que é um dos seres únicos das águas nacionais; um primeiro passo para que se tomem medidas assertivas de modo a diminuir a captura acidental na Península Ibérica do mais pequeno e tímido dos golfinhos.

Nome comum: Boto
Nome científico: Phocoena phocoena
Classe: Mammalia
Estatuto de conservação: Criticamente em Perigo
Distribuição em Portugal: Mais frequente na zona Norte/Centro, principalmente entre o Rio Minho e a Nazaré.
Principais ameaças: Captura acidental em artes de pesca
Dimensões médias: Os machos adultos têm aproximadamente 1,45m e as fêmeas são maiores, chegando ao 1,60m. O peso do adulto pode atingir oitenta quilos.

Este é o terceiro de dez artigos sobre espécies marinhas ameaçadas que ocorrem em Portugal. Na semana passada escrevemos sobre o intrigante réptil turista das águas portuguesas. E antes disso sobre a ave marinha mais ameaçada da Europa. No próximo sábado apresentaremos outra.