A sopa de barbatana de tubarão é considerada uma iguaria na China, bem como em outros países asiáticos. É um caldo preparado com o esqueleto deste órgão, misturado com vegetais e especiarias. Alguns livros de medicina tradicional chinesa advogam as virtudes das barbatanas para conservar a juventude, o apetite e a energia vital.

Este capricho gastronómico conduziu a que a captura das barbatanas de tubarão se transformasse numa das práticas mais cruéis da pesca global. Todos os anos, setenta a cem milhões de tubarões são apanhados, muitos deles para lhes serem decepadas as barbatanas, e depois devolvidos ao mar, onde acabam por morrer. Entre eles, estão os tubarões-martelo lisos. “Vários trabalhos científicos apontam para que os níveis populacionais dos tubarões, incluindo os tubarões-martelo, estejam abaixo dos 10% ou mesmo 5% do seu histórico”, diz Pedro Afonso, 53 anos, investigador na Universidade dos Açores.

“A principal causa é a sobrepesca. Antes, os tubarões eram capturados acidentalmente, mas, a partir de 1980, houve um impulso do mercado para a barbatana, especialmente na China e em Hong Kong. Muitos também secam a carne para vender em países vizinhos”. Acresce ainda a procura do fígado para produção de óleo e da pele para transformar em couro. Embora existam medidas restritivas para a captura de tubarões em diversas frotas pesqueiras nacionais, ainda não existe qualquer restrição ao consumo da sopa que origina a matança.

Os tubarões-martelo lisos são semi-oceânicos, habitando áreas entre a superfície e os mil metros de profundidade. Ao contrário da sua espécie “gémea”, o tubarão-martelo recortado, este prefere águas temperadas, mais frias, do que os ambientes tropicais.

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Ocorre em Portugal Continental, Madeira e Açores, mas é ao arquipélago das nove ilhas que as fêmeas acorrem maioritariamente para dar à luz e é também aí que os juvenis vivem antes de atingirem a maturidade exigida para se aventurarem em alto mar. “As fêmeas preferem dar à luz no habitat costeiro porque reduz o risco de predação das crias e melhora a sua alimentação nos primeiros anos de vida”, explica Pedro Afonso, que aponta algumas ilhas do grupo central e oriental como um local de eleição para as “maternidades” dos tubarões-martelo. “Não há tradição de pesca ao tubarão nos Açores e as capturas acidentais também são residuais, portanto, é muito importante preservar esta zona para proteger a espécie e também para ficarmos a saber mais sobre ela”. Os investigadores têm desenvolvidos inquéritos a pescadores e outros agentes marítimos, marcado tubarões juvenis com transmissores de satélite e recorrido a câmaras junto à costa de forma a aumentar o conhecimento sobre o ainda misterioso predador.

Pouco se sabe, por exemplo, sobre os rituais de acasalamento. Os tubarões-martelo são vivíparos e as fêmeas têm cerca de vinte a trinta crias por ciclo reprodutivo. O Sphyrna zygaena pode ser diferenciado de outras espécies de tubarão-martelo pela ausência do entalhe central na margem anterior da cabeça, que confere o termo “liso” ao seu batismo popular.

As descobertas recentes têm-se revelado fascinantes. Durante a noite, o tubarão-martelo liso aventura-se num mergulho a grande profundidade – oitocentos a mil metros —, em busca de lulas e polvos escondidos na coluna do oceano. Um horário diferente do dos atuns, espadartes ou tubarões-azuis, que preferem fazer estas investidas durante o dia. Fura as águas apressadamente, uma vez que, devido ao seu organismo, provavelmente tem de fechar as branquias e suster a respiração, para minimizar a descida de temperatura, num exercício de predação no limiar da tolerância fisiológica.

“São os ‘Ferraris” das profundezas, porque conseguem executar todo este processo a uma velocidade incrível”, descreve Pedro Afonso. “O facto de se ter descoberto que mergulham diariamente até às profundezas do oceano aberto abriu caminho para estudarmos a dependência que os grandes predadores das superfícies têm dos recursos existentes em profundidade”. Isso pode ter consequências, entre outras coisas, na avaliação da exploração de biomassa no fundo dos oceanos, pois poderá condicionar os hábitos de predadores como o tubarão-martelo.

Os tubarões nasceram para serem os reis dos mares. Porém, a sua (injusta) reputação de predadores implacáveis, devoradores de homens, fez com que sobre si caíssem estigmas e preconceitos, que não raras vezes resultaram na sua perseguição. “Evoluiu-se muito desde que o tubarão era visto como uma espécie assassina”, diz o investigador. “Agora há uma perceção do tubarão como ícone da conservação marinha, um género de nova baleia ou golfinho. Acho que a imagem do tubarão está agora mais ligada a essa necessidade de preservação”. Nas remotas ilhas do Pacífico, há culturas que veneram o tubarão, enquanto outras o demonizam. Uma coisa é certa: nenhuma delas lhes arranca as barbatanas para fazer sopa. Essa prática é exclusiva das cozinhas mais abastadas do mundo dito civilizado.

Nome comum: Tubarão-martelo-liso
Nome científico: Sphyrna zygaena
Classe: Peixes cartilagíneos
Estatuto de conservação: Vulnerável
Distribuição em Portugal: Portugal Continental, Madeira, mas principalmente nas ilhas dos grupos central e oriental dos Açores
Principais ameaças: Pesca comercial (principalmente para captura da barbatana) e captura acidental
Dimensões médias: Comprimento de 2,5 a 3 metros, mas podem atingir mais de 4 metros. Peso médio de 150 a 200kg, com um máximo registado de 400kg

Este é o quinto de dez artigos sobre espécies marinhas ameaçadas que ocorrem em Portugal. Na semana passada escrevemos sobre a joia do lusco-fusco submarino. E antes disso sobre o golfinho tímido que está a viver um drama, o intrigante réptil turista das águas portuguesas e a ave marinha mais ameaçada da Europa. No próximo sábado apresentaremos outra.