Continua o braço de ferro entre a oposição socialista e o executivo de Carlos Moedas. Os vereadores do PS em Lisboa insistem que a Câmara Municipal tem obrigação de tornar públicos todos os contratos feitos no âmbito da Jornada Mundial Juventude (JMJ), os detalhes concretos da consulta de mercado para a construção do altar-palco (obra adjudicada à empresa Mota-Engil), assim como todos os “despachos, nomeações, contratações, funções e remunerações” das pessoas envolvidas na organização do evento.

Depois de recorrerem para a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), que deu razão à queixa dos socialistas, os vereadores do PS voltaram a ver frustradas as suas expectativas. Agora, ameaçam voltar a recorrer à CADA e ao Tribunal de Contas. Ao Observador, o vice-presidente da Câmara de Lisboa, Filipe Anacoreta Correia, garante que tudo vai ser conhecido ao detalhe, embora exista quem, no executivo, olhe para esta insistência do PS como uma manobra política para tentar minimizar a vitória de Moedas com a organização bem sucedida da JMJ.

Seja como for, num email enviado para o gabinete de Filipe Anacoreta Correia, a que o Observador teve acesso, os socialistas voltam a acusar o executivo de estar a ocultar informação de interesse público “com claro sacrifício da transparência e do dever de prestação de contas”. Os vereadores do PS/Lisboa acusam a autarquia de entregar apenas documentação parcial, que não obedece às regras de Código do Procedimento Administrativo.

Além disso, os socialistas condenam ainda o facto de a autarquia já ter sugerido à oposição a consulta do Portal Base para aceder à informação que pretende – um site que centraliza a informação sobre os contratos públicos celebrados em Portugal, mas que não está necessariamente atualizado e onde não constam todos os elementos referentes aos contratos celebrados.

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O PS/Lisboa critica também uma resposta de Anacoreta Correia, onde o democrata-cristão, secundado pelo parecer da CADA, alega que a autarquia não tem “obrigação de criar um novo documento com informação para responder ao solicitado”. Por isso, argumenta Anacoreta, “assim se compreende que o Município de Lisboa tenha enviado documentação avulsa, uma vez que não tem o ónus de criar uma nova documentação para compilar o envio dos documentos que satisfazem o dever de informação, sendo suficiente a garantia do acesso aos mesmos.”

Ora, para os socialistas, a resposta de Anacoreta Correia pode indiciar a prática de uma ilegalidade. “Não cremos que o que aqui o senhor vice-presidente afirme seja a confissão de uma ilegalidade que se consubstanciaria pela inexistência de processos administrativos integrais, ordenados, numerados, rubricados por página, porquanto os mesmos são legalmente obrigatórios e, naturalmente, correspondem à prática desenvolvida pelos Serviços do Município de Lisboa”, desafiam os socialistas.

Depois de exigirem novamente o “envio de todos os processos administrativos integrais, ordenados, numerados, rubricados por página, contratados pelo município, diretamente ou através de empresas municipais ou ATL – que inclua todas as comunicações trocadas com as entidades privadas, documentos financeiros, despachos de autorização de serviços, comunicações entre serviços na preparação das peças de procedimentos, consultas de preço, etc.”, os  socialistas defendem que o executivo está “obrigado” a entregar essa informação e ameaçam recorrer à CADA e ao Tribunal de Contas “para os devidos efeitos”.

“O ressabiamento dos vereadores do PS volta ao de cima”

Ao Observador, Filipe Anacoreta Correia relativiza os anseios socialistas. “Os vereadores do PS receberam, estão a receber e irão continuar a receber toda a informação relacionada com a JMJ.  Ao longo dos últimos meses todos os esclarecimentos foram também prestados em inúmeras ocasiões”, assegura o número dois de Carlos Moedas.

Apesar da resposta oficial, o Observador sabe que há quem, no executivo de Moedas, desconfie das reais intenções socialistas e da sua alegada busca pela transparência. “O PS sempre procurou colocar obstáculos e pedras na engrenagem. E depois do que Lisboa viveu e a importância que o evento teve na projeção da cidade em termos mundiais, o ressabiamento dos vereadores do PS volta ao de cima. Nada de novo na atitude do PS em Lisboa desde o início do mandato. É triste”, lamenta fonte conhecedora do processo.

De resto, esta disputa tem meses e é também reflexo da troca de acusações públicas e políticas entre Moedas e os socialistas (Governo incluído) sobre a falta de preparação da cidade para receber a JMJ. Assim que a polémica sobre o custo do altar-palco rebentou (a primeira de muitas), a Câmara justificou a necessidade de recorrer a um ajuste direto (mecanismo de contratação pública que deve ser excecional, recorde-se) por manifesta urgência – faltavam cerca de seis meses para o evento.

Os valores (que seriam revistos) e o método escolhido foram altamente contestados, com a autarquia a garantir que tinha consultado sete empresas e que a proposta final era mesmo a mais barata. Desde então, a autarquia nunca revelou que empresas eram essas e que valores estiveram envolvidos, algo que o PS insiste em saber. A partir daí, de resto, os socialistas têm pressionado o executivo de Moedas a revelar os detalhes de tudo o que foi contratado pela Câmara (empresas municipais incluídas) nesta JMJ e os ajustes diretos que foram feitos.

Num primeiro momento, a 19 de julho de 2023, a CADA deu razão aos socialistas, recordando que o “princípio da transparência exige que, por neles [nos documentos] estarem envolvidas verbas públicas, possam ser conhecidos pelas pessoas em geral, para que saibam quais as opções tomadas”. A autarquia garante estar a cumprir o seu dever de transparência e assegura que vai continuar a fazê-lo. Resta esperar pelos próximos capítulos.