O muito falado corte nos patrocínios ao desporto, e não só, vai estender-se a outras áreas da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa que está, admite a provedora, a sentir “muitas dificuldades financeiras para conseguir cumprir” a sua missão.
Santa Casa da Misericórdia. De onde virá o dinheiro para os apoios?
Em declarações ao programa Explicador da Rádio Observador, Ana Jorge afasta despedimentos e venda de imóveis, mas indica que a reorganização interna vai concentrar o número de serviços (e respetivas chefias) e admite que a aplicação do acordo de empresa terá que esperar por 2024, porque descongelar carreiras e salários custa nove milhões de euros.
A provedora reafirmou que as federações de desporto que até agora recebiam apoio suplementar da Santa Casa vão manter o nível de apoios em 2024, mas deixam ser totalmente suportados pela instituição. Os apoios suplementares ao desporto, através de protocolos e contratos de patrocínios com muitas das federações, representam cerca de três milhões de euros atualmente para a Santa Casa, revelou Ana Jorge, o que compara com os cerca de 82 milhões de euros que todos os anos vêm para o desporto dos jogos sociais.
A provedora assinala que o que está a ser reequacionado são os três milhões de euros que atualmente saem dos cofres da Santa Casa e que vão passar a ser garantidos, em parte, pelo Governo em montantes e através de mecanismos que ainda não são conhecidos.
“Consideramos que, em função do que são as dificuldades e as nossas missões de manter o apoio à atividade social, à saúde e à cultura, as responsabilidades aumentaram muito na área da infância e juventude com maiores responsabilidades nos concelhos de Sintra, Cascais, Oeiras e Loures que aumentaram muito os custos. Temos de reequacionar e fazer opções. Não foram só as federações, foram todos os nossos apoios na cultura e eventos ou sociais”.
Sem revelar os valores atribuídos a cada federação, Ana Jorge indica que variam entre os 20 mil e os 500 mil euros. E admite ainda que este reequacionamento vai passar por concentrar os apoios que a Santa Casa dá ao desporto nas áreas que têm mais a ver com a missão da instituição e que passam pelo desporto para pessoas com deficiência e também pelo acesso dos jovens que estão em acolhimento a atividades desportivas e para as quais faz sentido fazer protocolos com federações ou fundações de desporto.
Tal como já tinha revelado em entrevistas à SIC e à RTP esta quinta-feira, a provedora defendeu um novo modelo de atribuição de patrocínios cujos critérios ainda estão a ser definidos. Mas o objetivo é que esses critérios sejam divulgados, para quem quiser concorrer aos apoios possa apresentar a sua proposta e saber quais são as regras do jogo. O que permite também mais transparência na atribuição dos apoios.
A recuperação da solidez financeira da SCML só se faz reduzindo os custos e aumentando as receitas. E têm vindo a ser tomadas medidas para fechar o ano com contas equilibradas — a SCML apresentou lucros em 2022 depois de dois anos com prejuízos, mas estas contas ainda estão a ser reavaliadas pelo Ministério da Segurança Social. E cortar onde?
A instituição está a rever protocolos de prestação de serviços de saúde e na área social ao Estado e a renegociar a atividade contratualizada com o Serviço Nacional de Saúde para obter maior rentabilidade. Mas a redução de custos também passa “pela reorganização da casa”, o que implica mexer nos contratos de prestação de serviços, sem pôr em causa a segurança nem a missão central.
E uma das medidas que a provedora admite como necessária, para já, é o adiamento para 2024 do acordo de empresa que irá descongelar os salários e as carreiras dos cerca de 6.500 trabalhadores da Santa Casa (congelados desde 2018), mas que tem um custo de nove milhões de euros. Apesar de sinalizar a justiça e a preocupação em rever a situação com o novo acordo de empresa, Ana Jorge admite que pode não produzir efeitos este ano. “Isso tem um custo de nove milhões de euros que estão acomodados para o próximo ano. Este ano ainda não sabemos se podemos”.
A provedora afasta um cenário de despedimentos — Ana Jorge já tinha referido a restrição a admissões —, mas diz que haverá uma reestruturação para concentrar chefias e serviços. “Não estamos a pensar fazer cortes no número de postos de trabalho, a não ser situações que não façam sentido por opções. O que estamos a pensar é a reestruturação da organização, concentrar chefias, concentrar serviços”. E dá como exemplo os dois hospitais que são detidos pela Santa Casa: o hospital ortopédico Sant’Ana e o Centro de Reabilitação de Alcoitão. Cada um tem um serviço financeiro, um serviço de recursos humanos, um serviço de farmácia e um serviço de logística. “Vamos otimizar e isso vai ter repercussões na área financeira.”
Ainda no setor da saúde, que tem gerado prejuízos nos últimos anos, e que cresceu com a aquisição de uma participação no Hospital da Cruz Vermelha, Ana Jorge diz que esta unidade espera alcançar o equilíbrio no próximo ano depois do investimento feito em conjunto com a Parpública para aumentar a produção. “Estamos a acompanhar para decidir o seu futuro e o que será aquele hospital”. A unidade com maior défice (oito milhões de euros anuais nos últimos anos) é o hospital Ortopédico de Sant’ana na Parede que precisa de uma grande remodelação e de um modelo de gestão mais eficiente, não obstante o reconhecimento que os seus profissionais têm no setor.
Alcoitão é o centro de reabilitação de referência para toda a região de Lisboa, e não só, e presta serviços ao SNS, que nesta zona não tem alternativas, e cuja contratualização está a ser revista.
Os planos de reestruturação da Santa Casa não passam pela venda de património, a não ser algumas alienações pontuais que permitam gerar recursos para investir em outros imóveis para a sua rentabilização. “Os imóveis são uma mais-valia para a Santa Casa, muitos estão já no arrendamento justo e outros vão entrar no programa Mais Habitação”, mas há necessidade de fazer obras.