A auditoria forense e financeira pedida por iniciativa do Ministério da Segurança Social à Santa Casa Global, empresa que desenvolveu os projetos de expansão internacional da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, (SCML) deve estar concluída em outubro. E só depois poderá a instituição avaliar com rigor os resultados dessa operação e as perdas geradas pela mesma. No entanto, a provedora Ana Jorge admite já que existe o risco de se perder todo o investimento realizado pela Santa Casa em mercados como o Peru, Moçambique e sobretudo Brasil. E que essas perdas podem até ser superiores aos 20 milhões de euros já sinalizados, com base nas contas até 2022.
Em entrevista à RTP 3, numa das várias que fez para justificar a necessidade de cortar nos apoios e patrocínios, face às dificuldades financeiras da Santa Casa, Ana Jorge reconheceu que estas operações também contribuem para os constrangimentos atuais da instituição. E ligou a auditoria forense e financeira à Santa Casa Global à reavaliação à apresentação de contas dos últimos dois anos da SCML — da responsabilidade da equipa do ex-provedor, Edmundo Martinho — que não foram ainda homologadas pela tutela governamental.
O Ministério do Trabalho e Segurança Social já tinha indicado que estava em curso uma reavaliação profunda de todas as rubricas das contas da instituição, mas sem referir a ligação entre os dois processos. Mas agora Ana Jorge sinalizou que as duas auditorias — às contas da SCML e à exposição da Santa Casa às operações internacionais — podem estar ligadas. O facto de a provedora admitir a existência de responsabilidades financeiras adicionais para além dos 20 milhões de euros parece indiciar que o registo, feito até agora nas contas da instituição portuguesa dessa exposição, pode não refletir todos os compromissos já assumidos.
SCML emitiu cartas conforto e garantias a empréstimos de 8,6 milhões para a Santa Casa Global
A demonstração de contas até 2022, consultadas pelo Observador, indica que a SCML mobilizou 22 milhões de euros para a Santa Casa Global desde a constituição com um capital social com cinco milhões de euros, passando por prestações acessórias (aportes de capital do acionista) dadas em 2021 e 2022 de 18 milhões de euros.
E na lista de subvenções relativas ao ano de 2022 a Santa Casa identifica no capítulo das garantias pessoais uma carta conforto para um empréstimo de dois milhões de euros à Santa Casa Global junto do BPI. E ainda um pedido de uma Standby Letter of Crédit ao mesmo banco a favor da empresa que gere a atividade internacional para servir de garantia a novo empréstimo de 6,6 milhões de euros direcionado à Santa Casa Global Brasil. Há ainda registo de uma carta conforto à Associação Gestora dos Jogos Sociais de Moçambique no valor de um milhão de euros. Estes instrumentos representam uma garantia de pagamento da Santa Casa em caso de incumprimento por parte das entidades que beneficiam do empréstimo.
Quando questionada sobre a probabilidade de recuperação dos valores investidos, a provedora respondeu: “Não temos muitas esperanças nisso”, admitindo o risco de se poder perder os 20 milhões. “Estamos em negociações, tentando minimizar os riscos para a Santa Casa e na procura de soluções para que o prejuízo não seja dessa natureza”.
Abertura de capital a parceiro prevista em 2022 não avançou
Uma das soluções para financiar as operações internacionais, proposta pelo anterior provedor, era a abertura do capital da Santa Casa Global a investidores do setor para, por um lado, diminuir a exposição da Santa Casa e por outro, acrescentar capacidade de investimento. O processo estava previsto para 2022 e acabou por não se concretizar, tendo entretanto mudado a gestão da Santa Casa e surgido as dúvidas sobre estas operações que, enquanto não estiverem esclarecidas, dificilmente permitirão qualquer parceria.
O projeto de internacionalização da Santa Casa foi apresentado pela anterior administração como a aposta numa fonte alternativa de receitas para compensar a quebra esperada dos proveitos da instituição com os jogos sociais, que foi acentuada durante os anos da pandemia. O principal projeto foi no Brasil onde a Santa Casa ganhou o concurso lançado para explorar os jogos sociais no distrito federal, mas o processo travou quando o Tribunal de Contas do Distrito Federal de Brasília pediu esclarecimentos ao Banco Federal de Brasília, entidade que escolheu a Santa Casa Global, sobre a sua competência no âmbito da exploração de jogos sociais e lotarias e sobre os procedimentos formais do processo. E não tem havido desenvolvimentos.
O Brasil é o mercado que tinha maior potencial para a expansão da Santa Casa, e no qual foi feita a maior aposta em termos estratégicos e financeiros. Mas os projetos fora de portas passaram ainda por Moçambique (onde a Santa Casa já estava presente), Peru e Angola nos últimos dois anos e até agora, que se saiba, os custos não produziram retorno.