António Costa teve três oportunidades para falar no Conselho de Estado: em duas ficou em silêncio e à terceira fez uma intervenção de segundos a explicar que não ia intervir. O primeiro-ministro podia falar no início, no fim do primeiro ponto (de análise da situação política), mas Costa manteve-se calado — o que nunca acontece nestas reuniões, o primeiro-ministro fala sempre (mesmo que seja uma intervenção curta). Costa só abriu a boca no ponto da Ucrânia, mas apenas para explicar a terceira etapa do blackout: “Tenho informado de forma permanente o senhor Presidente com todos os dados sobre a Ucrânia, pelo que nada tenho a acrescentar”.

Já o Presidente da República, sabe o Observador, fez uma intervenção de 20 minutos em que 10 foram a fazer reparos ao Governo sobre a TAP, o estado da saúde e a habitação. Marcelo terá utilizado expressões como “leviandade política” para classificar episódios polémicos da governação.

O Presidente da República foi ao ponto de recuperar um episódio com mais de um ano, quando Pedro Nuno Santos foi desautorizado por António Costa sobre o Novo Aeroporto de Lisboa. As críticas foram ainda centradas nos casos conhecidos na comissão de inquérito à TAP (visando indiretamente João Galamba) e também nos problemas na saúde e na habitação, com Marcelo a recuperar argumentos que utilizou aquando do veto do pacote de habitação.

Marcelo teve uma intervenção mais analítica e genérica em detrimento de críticas mais direcionadas e optou por um tom mais “diplomático“. “Não foi demolidor”, segundo fonte presente na reunião. Ainda assim, o chefe de Estado não deixou de fazer vários reparos, que o primeiro-ministro já estaria à espera, uma vez que o Presidente revelou que já tinha escrito a intervenção antes do Conselho de Estado. Logo, antes de qualquer intevenção de Costa.

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O Presidente terá ficado surpreendido com o raro e estratégico silêncio de António Costa. O primeiro-ministro optou assim pela estratégia de deixar a falar sozinhos os cinco conselheiros que o criticaram na primeira metade desta reunião (Miguel Cadilhe, Cavaco Silva, Marques Mendes, Pinto Balsemão e Lobo Xavier). Isto depois de, horas antes, ter dito que cada poder político (Presidente, AR e Governo) devia estar no seu “galho“.

Costa: “Função de um primeiro-ministro não é andar a queixar-se” e “não é ser comentador”

Costa pode não ter falado lá dentro, mas à saída era dos membros do Conselho de Estado mais falador. Saiu a trocar impressões, pelo caminho, com Miguel Cadilhe — um dos críticos das suas contas aos resultados económicos na primeira parte da reunião, em julho passado — e, já fora do edifício ainda antes de entrar no carro, esteve longamente à conversa num grupo pouco óbvio onde estava a provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, o ex-primeiro-ministro Francisco Pinto Balsemão e também o presidente do PS, Carlos César.

À sua frente tinha já seguido, em passo apressado e sem ficar para conversas de fim de reunião, o ex-Presidente da República, Cavaco Silva, sempre com o ex-líder do PSD Luís Marques Mendes ao seu lado até entrar no carro.

Uma nota com uma hora de delay sobre duas horas e meia de reunião

Após duas horas e meia, houve, como também é habitual, uma nota vazia. Mas quase uma hora depois — o que já não é assim tão habitual — do final do Conselho de Estado para o qual o Presidente da República prometeu uma conclusão da reunião de 21 de julho. A análise da situação política, económica e social “foi concluída”, consta na nota informativa da Presidência. E “foi reafirmada a solidariedade e a admiração pela resistência do povo ucraniano e reconhecido todo o apoio de Portugal”.

A Ucrânia, que Marcelo visitou recentemente, era o ponto extra desta reunião e foi o assunto que mereceu mais linhas no comunicado final, com o Presidente a  sublinhar a “plena concordância entre os órgãos políticos de soberania”  no apoio ao país que foi invadido pela Rússia em fevereiro de 2022. Portugal, nota também o comunicado do Conselho de Estado, tem prestado apoio “nas suas múltiplas dimensões, nomeadamente política, diplomática, militar e humanitária. Foi, ainda, assinalado o compromisso de Portugal no processo de integração da Ucrânia na União Europeia e na NATO” —  recorde-se que estes temas foram abordados pelo Presidente na vista à Ucrânia, que evidenciou uma urgência diferente da que tem sido defendida pelo primeiro-ministro.

A viagem de Marcelo Rebelo de Sousa na Ucrânia também terá sido elogiada pela maioria dos conselheiros.

Artigo atualizado às 20h26 com a informação de que o primeiro-ministro justificou o facto de não intervir sobre a Ucrânia