Portugal está com uma média diária de dez mortes com Covid-19 e entre 200 a 300 novos casos, números que representam “uma grande subestimação”, porque a maioria dos infetados já não reporta a situação, segundo o epidemiologista Carmo Gomes.

A poucos dias do arranque da campanha de vacinação sazonal de vacinação contra a Covid-19 e a gripe (29 de setembro), Manuel Carmo Gomes analisou a situação epidemiológica em Portugal do coronavírus SARS-CoV-2, que causa a Covid-19.

“Durante o verão o número de notificações de casos positivos de Covid-19 manteve-se bastante estável entre os 200 e os 300 novos casos por dia. São os casos que temos conhecimento e representam uma grande subestimação relativamente à realidade porque a maior parte das pessoas agora faz um autoteste e não reporta“, disse à agência Lusa o professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Segundo o epidemiologista, os casos notificados derivam das pessoas que são internadas e fazem o teste à Covid-19 que dá positivo ou de pessoas que estão mais preocupadas com o seu estado de saúde e vão aos cuidados de saúde primários e fazem o teste.

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Analisando a circulação do vírus no verão, Manuel Carmo Gomes, membro da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19, disse que em junho e julho registou-se um número mínimo de casos diários, abaixo dos 180, tendo subido em agosto, chegando a atingir 600 a 650 casos por dia.

“Não há uma explicação segura acerca das razões pelas quais subiram. Provavelmente foram os mega acontecimentos que ocorreram em agosto, com grandes aglomerados de pessoas“, mas essa subida parou e, neste momento, “já há uma reversão” e “as coisas parecem estar a normalizar”, adiantou.

Manuel Carmo Gomes destacou o facto de o vírus não ter apresentado este verão, e ao longo de 2023, uma sazonalidade muito forte, ao contrário, por exemplo, da gripe. “A Covid-19 manteve-se sempre circular com uma atividade bastante notável ao longo de todos os meses do verão e é previsível que agora os casos venham a subir com a entrada do outono, porque evidentemente as pessoas começam a estar mais tempo em recintos fechados não arejados, as escolas e o trabalho recomeçam, etc. Portanto, é de esperar que os casos agora voltem a ter um ressurgimento”.

No que diz respeito às unidades de saúde, o especialista disse que “o verão também foi muito estável”, com aproximadamente cerca de 200 pessoas internadas diariamente a testar positivo para a Covid-19, sendo que muitas delas estavam internadas por outras razões de saúde. Destas 200, cerca de 10% estavam em cuidados intensivos, não necessariamente por causa da Covid-19. “Também em agosto, com a subida dos casos, houve uma ligeira subida nos hospitalizados que testaram Covid-19”, assinalou.

De acordo com o epidemiologista, os óbitos também estiveram sempre muito estáveis ao longo de todo o verão e variaram entre os três a seis óbitos por dia, tendo-se registado um mínimo em junho (uma média de três óbitos diariamente) e uma subida em agosto associada ao aumento de casos. “Em finais de agosto, Portugal atingiu os 10 óbitos por dia e é aí que estamos neste momento“, com uma média de 10 mortes por dia.

“Portanto, a Covid continuou entre nós, não deu sinal de desaparecer, ao contrário de muitas outras doenças respiratórias e continuou a evoluir sempre no sentido de fugir aos nossos anticorpos”, comentou, adiantando que desde março se tornou dominante a sub-variante XBB do Coronavírus que teve “muitas descendentes”, sendo a XBB.1.5 uma das “mais abundantes” e que vai ser utilizada na vacina contra a Covid-19.

Prioridade é vacinar

Manuel Carmo Gomes apontou como “primeira prioridade” na campanha de vacinação que arranca em 29 de setembro imunizar logo no início o maior número possível de pessoas de “grande risco”, já que a Covid-19 não vai desaparecer.

“Não vale a pena ter ilusões de que vamos conseguir interromper a circulação do vírus. Não há país nenhum neste momento que tenha essa ilusão. Portanto, a primeira prioridade é tentar cobrir, o mais possível, as pessoas que são de grande risco nas primeiras 10 semanas [da campanha de vacinação]”, para prevenir a doença grave e não sobrecarregar os hospitais, disse Manuel Carmo Gomes à agência Lusa.

“Se evitarmos que haja um número muito grande de pessoas a ir parar aos hospitais, estamos a reduzir o impacto e o objetivo é esse: proteger vidas e proteger também o sistema nacional de saúde, portanto, daí a razão de se dar prioridade a estas pessoas e é isso que vai acontecer”, reiterou.

Carmo Gomes, membro da Comissão Técnica de Vacinação contra a covid-19, afirmou que o vírus que está a circular não é o mesmo do início do ano, com capacidade de fugir aos anticorpos, sendo que a maioria da população já foi vacinada ou infetada há vários meses, o que faz com que a concentração de anticorpos no sangue esteja muito baixa.

Contudo, explicou o professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, a população continua protegida de doença grave, porque há uma parte do sistema imunitário que se mantém protetor, o que se chama “imunidade celular”.

“Os anticorpos podem baixar, nós podemos ser infetados, mas a imunidade celular, que é uma segunda barreira de defesa do sistema imunitário, continua a proteger-nos contra doença grave e não há evidência (prova) que todo este novo jardim zoológico de subvariantes do vírus seja capaz de vencer a nossa imunidade celular a não ser nas pessoas que têm doenças crónicas, as pessoas mais idosas que têm um sistema imunitário mais em baixo, imunocomprometido por qualquer razão. E são estas pessoas que nós priorizamos agora para a vacinação”, realçou.

Segundo o especialista, a vacina que vai ser administrada contra a Covid-19 é monovalente, dirige-se apenas à subvariante XBB.1.5 do coronavírus SARS-CoV-2, mas protege “contra a esmagadora maioria das variantes que estão a circular do vírus neste momento”, sendo que “não houve felizmente evidência (prova) de que estas novas subvariantes sejam mais patogénicas”.

Manuel Carmo Gomes avançou que se sobrarem vacinas, provavelmente, serão disponibilizadas para toda a população que se queira proteger, mas ressalvou que a prioridade são as pessoas com risco significativo de ter doença severa. “Nós sabemos que o risco de ir parar ao hospital de uma pessoa com mais de 70 anos, nomeadamente os mais idosos, os maiores de 70 e de 80, é muito maior do que uma pessoa de 50, 40, 30 anos”, vincou.

Questionado sobre se as pessoas mais vulneráveis deviam usar por sua iniciativa máscara em locais fechados com aglomerados de pessoas, o epidemiologista disse que é uma “medida inteligente” e que deve ser adotada por “pessoas que não querem ser infetados de maneira nenhuma, e há 1001 boas razões para não querer ser infetado, nomeadamente as pessoas que são mais frágeis ou que contactem com pessoas muito frágeis em casa, por exemplo”.

“Não creio que existam razões para estar a impor, exceto em situações muito particulares, como unidades de saúde, locais onde estão pessoas muito fragilizadas, a utilização de máscara neste momento. Não quer dizer que daqui a dois meses não mude de opinião (…). Agora as pessoas têm que ter consciência de que têm que se proteger”, nomeadamente em locais onde o ar não está ventilado, espaços fechados com grandes concentrações de pessoas.

Por outro lado, também é “uma medida inteligente” as pessoas que estão infetadas ou têm sintomas como tosse, espirros, utilizarem por iniciativa própria, máscara para proteger os outros com os quais contacta no trabalho, nos transportes públicos, etc.