A história vem de Barcelos, onde Armindo Vilas Boas é o atual presidente da Junta de Freguesia de Carapeços (eleito pelo PS em 2021), membro da Assembleia Municipal e também um militante que o partido suspendeu, por seis meses, após decisão final da Comissão Nacional Jurisdição (CNJ). Chegou a concorrer à liderança da concelhia do partido em Barcelos, em 2022, mas retirou-se, com a lista opositora a acusá-lo de “delito de opinião”. Foi suspenso de militante pela Comissão Federativa de Jurisdição e recorreu para a Nacional que a manteve. Nos seus fundamentos, o órgão que funciona como tribunal do partido justifica-se com a existência de artigos de opinião críticos, a convocatória de reuniões “secretas” e também “fotografias do arguido com ex-militantes do partido, entretanto expulsos”.

O relatório da CNJ a que o Observador teve acesso tem data de abril deste ano e negou provimento ao recurso de Armindo Vilas Boas, mantendo “integralmente a decisão final da Comissão federativa de Jurisdição de Braga, que aplicou a pena de seis meses de suspensão” — era amigo do ex-presidente da Câmara de Barcelos, Miguel Costa Gomes, que foi agora expulso e que esteve em prisão domiciliária no âmbito da operação Teia. Os atos praticados pelo militante e presidente de Junta eleito pelo PS são classificados de “graves” e causadores de “sérios prejuízos ao PS, que no âmbito local, regional e nacional”. E em atenuantes, já que, pelos cargos que exerceu e exerce, tem “maior responsabilidade na prossecução dos objetivos do Partido”.

Nos autos do processo, a Jurisdição Nacional usa como argumentação para a sua decisão (entre outros) vários artigos de opinião publicados por Vilas Boas na imprensa local com críticas ao PS (algumas “sub reptícias”) a existência de “fotografias do arguido, com ex-militantes do partido, entretanto expulsos” e também uma mensagem (que surge transcrita no relatório) “enviada pelo arguido por WhatsApp, a convidar para reuniões ‘”fechadas'”, durante a campanha para as legislativas de 2022, em dias de “iniciativas políticas em Barcelos” que envolviam o secretário-geral do PS — mas afinal foram no dia em que o líder António Costa estava num distrito adjacente (Porto) ao final do dia para fechar a campanha.

Para as “reuniões de âmbito secreto” foram convidados “diversos presidentes de Junta” do PS de Barcelos, acusa a CNJ, e isso aconteceu “em datas em que se encontravam marcadas iniciativas políticas em Barcelos, onde estiveram presentes os candidatos e deputados, nomeadamente, o secretário-geral adjunto José Luís Carneiro, e o secretário-geral, António Costa”. Mas depois diz que as reuniões, que aconteceram em Carapeços, aconteceram a 14 de janeiro e 28 de janeiro. Neste último dia, o líder socialista esteve por Lisboa e só se deslocou ao Porto para o comício de encerramento ao final do dia. As reuniões foram admitidas por Vilas Boas, mas foi negado qualquer incitamento contra o PS.

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A primeira decisão sobre esta suspensão chegou em outubro de 2022, em plenas eleições internas na concelhia — daí a retirada de Vilas Boas da corrida — e teve origem na escolha dos candidatos autárquicos do partido para 2021 que Armindo Vilas Boas contestou publicamente alegando ter sido orientada ao mais alto nível, passando por cima dos órgãos dirigentes locais. Diz a CNJ que o socialista revelou “inconsistência” nas suas posições, já que quando era membro do secretariado da federação de Braga votou a favor da designação de candidatos pela federação, o que foi ratificado pela Comissão Permanente do partido em Lisboa. Mais tarde, o mesmo Vilas Boas votou contra este mesmo processo, numa votação na concelhia do partido, alega a Jurisdição.

PS expulsa ex-presidente da Câmara de Barcelos, Miguel Costa Gomes vai recorrer

Quatro artigos “de teor agreste”, um deles “sub reptício”

Meses depois, em julho, o socialista assinava um artigo no “Jornal de Barcelos” a defender que o PS tinha “o dever de ganhar as autárquicas”, já que “a escolha da Câmara foi responsabilidade direta da Federação Distrital e da Nacional”, vincado que a lista não tinha tido aprovação da Concelhia de Barcelos: foi decidida “contra a vontade dos órgãos locais legitimamente eleitos”, escreveu então.

A Jurisdição Nacional considerou que esta posição assumida publicamente — e cuja cópia constava dos autos do processo disciplinar — “em plena fase de pré-campanha eleitoral, teve repercussão pública, sendo profusamente comentada não só pelos militantes e candidatos às eleições autárquicas, mas também pelo cidadão comum, por ter sido publicado num jornal local e o seu autor ser um militante, candidato a presidente de junta de freguesia pelo PS e membro, à data, do secretariado da Federação do PS.”

Acto seguinte: no pós eleições e perante a derrota eleitoral do PS no concelho, Vilas Boas voltou novamente a escrever no mesmo jornal sobre uma “derrota que se adivinhava depois das convulsões internas e das escolhas atribuladas de uma lista nunca discutida nos órgãos do partido local”, dizendo mesmo que a lista foi “feita em segredo”. E acusava mesmo o candidato a Barcelos, Horácio Barra, de ter cedido “a pressões para escolher uma lista pessoal e desfasada da realidade autárquica”.

A CNJ considerou que também este artigo merece repúdio por expõe e criticas “as decisões legitimamente tomadas pelos órgãos do PS” e colocou “em causa a elaboração das listas, fragilizando o PS , atropelando a própria lealdade com os eu partido”.

Em dezembro, o mesmo Vilas Boas escreve mais um artigo, no “Barcelos Popular” — e que também é usado na argumentação da Jurisdição Nacional –, desta vez sobre a escolha de candidatos para as legislativas antecipadas de 2022. Segundo o tribunal do partido, o socialista criticava “de forma sub-retptícia” o processo de escolha de candidatos de outras forças partidárias “para atingir uma vez mais o seu próprio partido”. Nos trechos utilizados pela CNJ para sustentar esta acusação Armindo Vilas Boas realçava a “luta interna” no PSD e a vitória da “voz dos militantes de base”, não referia o PS, mas o partido sentiu o toque.

Também em dezembro, mas um artigo, outra vez sobre “o desrespeito pelas deliberações dos órgãos locais” e a escolha dos candidatos para a lista das autárquicas e a “indignidade” que isso foi para o PS. Elogiava o líder do partido e o Governo, desafiando o PS de Barcelos: “António Costa e o Governo estão a fazer um excelente trabalho e a realizar um grande esforço para combater a pandemia e a relançar a economia. O PS de Barcelos vai ajudar como?”. Mais uma vez a Jurisdição Nacional viu “repercussão pública” naquelas declarações “junto dos militantes e candidatos” e também do “cidadão comum” por serem publicadas em jornais em vez de “discutida internamente no partido.

“O timing e teor agreste destes artigos contribuíram para uma maior instabilidade no acto eleitoral e prejudicaram a imagem do PS nas legislativas realizadas em janeiro”, consta no relatório que recusa o recurso. Para a CNJ esta atitude “atenta contra a honra e contra os princípios democráticos do PS” e remete estas discussões para “sedes e tempos próprios” para “não prejudicar” resultados eleitorais, como veio a suceder”. Ao arguido aponta também uma participação escassa tanto na campanha para as autárquicas de 2021 (fora da Junta onde era candidato) e também na campanha para as legislativas de 2022.

A Comissão Nacional de Jurisdição é presidida por Telma Correia e o relatório com a confirmação da suspensão é da autoria de Francisco Oliveira que é atualmente o deputado socialista coordenador na comissão parlamentar da transparência. O Observador tentou uma reação da direção nacional do partido mas não obteve resposta até à hora de publicação deste artigo.