A sentença do chamado cartel da banca pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (em Santarém) está suspensa desde o ano passado porque esta entidade pediu ao Tribunal de Justiça Europeu que se pronunciasse sobre se algumas trocas de informações sobre condições comerciais poderiam ser consideras restritivas da concorrência e, como tal, se violariam a lei.

Esta quinta-feira, 5 de outubro, foi conhecida a opinião do advogado-geral (que antecede a decisão do tribunal, mas cuja opinião não vincula o tribunal) do Tribunal de Justiça Europeu e que conclui que, em sua opinião, as trocas de informação entre bancos, mesmo que referentes apenas ao spread, podem configurar restrições à concorrência. É um elemento essencial do preço. No entanto, o advogado-geral já não está tão certo que a troca de informação conjunta com o volume de produção possa ser nociva.

Em comunicado sobre as conclusões informa-se que o advogado-geral “considera que uma troca de informações pode constituir uma prática restritiva da concorrência por objeto quando resultar da análise do seu conteúdo, dos seus objetivos e do contexto jurídico e económico em que se insere que essa troca revela um grau suficiente de nocividade para a concorrência. Por outro lado, o facto de essa troca ser «isolada», no sentido de que não está associada à declaração de um cartel, não é suscetível de pôr em causa a declaração de uma restrição da concorrência por objeto, desde que a referida troca apresente suficiente grau de nocividade”.

Ou seja, não é por ser troca isolada que não pode ser troca de informação nociva à concorrência. Para o advogado-geral não precisa que todos os elementos do preço sejam alvo de troca para poder haver concertação. “Essa prática pode ter objeto anticoncorrencial mesmo que apenas diga respeito a fatores isolados, como o spread”.

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O spread é um elemento de preço e, por isso, os bancos ao comunicarem entre si uma das componentes de preço “contribuíram para aumentar a transparência no mercado, reduzindo a incerteza ligada à sua estratégia atual ou futura, o que permitiu a cada um dos bancos participantes utilizar essa informação na definição da sua estratégia comercial e facilitar o alinhamento através de uma coordenação informal”. O que significa, no entender do advogado-geral, que “o conteúdo dessa troca apresenta, em si mesmo, suficiente grau de nocividade para a concorrência e pode ser considerado, pela sua própria natureza, prejudicial ao normal funcionamento da concorrência o que basta para concluir pela existência de um comportamento pertencente à própria alteração do processo concorrencial nos mercados relevantes”.

“O facto de o preço final incluir outros elementos que podem não ter sido (todos) objeto de uma troca de informações não é suscetível de pôr em causa a constatação de que existe uma restrição da concorrência por objeto”, lê-se nas conclusões.

O caráter estratégico e comercialmente “sensível dos dados trocados não seria posto em causa, mesmo que se verificasse, como alegam várias instituições bancárias, que alguns dos intercâmbios em causa não diziam respeito aos preços finais praticados pelos bancos nem ao spread efetivamente concedido aos clientes, mas sim a um intervalo de taxas indicativas que eram utilizadas como pontos de partidas das negociações individuais com cada cliente em função do seu perfil de risco específico”. Mesmo a “divulgação desses dados pode ser suficiente para revelar as intenções estratégicas sobre um comportamento futuro em matéria de preços e facilitar comportamentos colusivos entre as empresas concorrentes”.

Já no que respeita às trocas de informação sobre os volumes de produção, o advogado-geral considera que, “embora não se exclua a possibilidade de o intercâmbio de dados recentes e desagregados sobre os volumes de produção ter caráter estratégico e ser sensível do ponto de vista do direito da concorrência, (…) a decisão do tribunal português não contém nenhum elemento que permita demonstrar claramente, como exige a interpretação restritiva do conceito de restrição por objeto, que esse intercâmbio tinha um caráter particularmente nocivo para a concorrência e que teria permitido (por si só) atenuar a incerteza estratégica quanto ao comportamento futuro dos participantes no mercado”. Ou seja se trocar informação sobre o spread pode ser restritivo (abrangido no conceito de restrição por objeto, conforme foi solicitada a interpretação do tribunal de justiça da União Europeia), fazê-lo em relação aos volumes de produção não é tão evidente, “se essas trocas tiverem sido analisadas separada e distintamente”. A Autoridade da Concorrência considerou essas duas trocas de informação como única, suscetível de impactar a concorrência. Mas o advogado-geral diz que para que esta qualificação jurídica seja adotada devem estar preenchidas outras duas condições “que não resultam claramente dos autos”.

“Por um lado, é importante, do ponto de vista da segurança jurídica, garantir que a teoria do prejuízo, com base na qual uma prática anticoncorrencial é condenada por uma autoridade da concorrência, seja clara, nomeadamente quando se trata de determinar o objeto anticoncorrencial dessa prática. Por outro lado, a interação entre as trocas relativas a esses dois tipos de informações, que permite sustentar a teoria do prejuízo adotada por uma autoridade da concorrência, deve resultar inequivocamente da análise efetuada por esta autoridade”.  Ou seja considerar nociva a troca de informação conjunta sobre o volume de produção e sobre o spread tem de ficar demonstrada “uma relação suficientemente clara entre as trocas relativas a estes dois tipos de informações e explicar de que forma as trocas com estas características são suficientemente nocivas para a concorrência para justificar a classificação como restrição da concorrência por objeto”. Ou seja, “a Autoridade da Concorrência terá de demonstrar de que modo estas trocas, no seu conjunto, fazem parte de um «plano» manifestamente anticoncorrencial e são suscetíveis de fazer convergir o comportamento dos bancos em causa”.

Por outro lado, os bancos acusam a Autoridade da Concorrência (AdC) de “não ter tomado em consideração o contexto económico, jurídico e regulamentar do setor bancário durante o período da infração” (entre 2002 e 2013), já que nesse período essa troca de informação seria até mesmo pró‑concorrencial. O advogado-geral rejeita também estes argumentos.

Esta é a opinião do advogado-geral, faltando ainda a decisão final do tribunal da justiça europeu que recusou analisar este pedido de do tribunal de Santarém de forma acelerada, tramitação célere que tinha sido requerida pela instância nacional por causa do risco de prescrição.

Em causa está a acusação pela Autoridade da Concorrência a onze bancos de que violaram a concorrência ao trocarem informação, tendo condenado essas entidades ao pagamento de coimas de 225 milhões de euros.