O ex-ministro das Infraestruturas estreou-se como comentador televisivo esta segunda-feira e começou a balizar a sua ação nesta “nova fase” da sua vida: “Não serei oposição ao Governo mas também não serei porta-voz”. Também diz que uma candidatura à liderança não é para já e que é António Costa que deve continuar no cargo. Mas também levou matéria de discordância com o Governo, precisamente na área mais sensível — e que tutelou –, a TAP. O socialista é contra a venda da maioria do capital da companhia.

Sobre a TAP, Pedro Nuno Santos assume que a reestruturação “foi o dossier mais difícil” que teve em mãos e acabou por dizer que defende a “abertura do capital da TAP a um grupo de aviação, mas que o Estado mantenha a maioria do capital”. Diz mesmo que o Estado “não está obrigado a vender a totalidade” e que essa “é uma opção política”. Isto numa altura em que o primeiro-ministro já assumiu a abertura para vender a maioria do capital da companhia e quando também disse, no debate da moção de censura, que privatizar era uma obrigatoriedade no plano de Bruxelas (o que Pedro Nuno acaba por afirmar que não foi bem assim).

Nesta matéria o socialista diz que “a maneira” de manter a empresa sediada em Portugal e com o hub de Lisboa “é através do controlo da maioria do capital”. Quanto à injeção de 3,2 mil milhões de euros na empresa e a recuperação desse valor pelo Estado, Pedro Nuno Santos recusa a leitura contabilística e diz que o PS tem a “obrigação de explicar que o país perderia muito mais do que os 3,2 mil milhões” e que  “a TAP dará à economia portuguesa muito mais do que isso, mesmo que nem 1% seja vendido”, apontando as sinergias que implica e os postos de trabalho que permite criar.

O espaço de comentário na SIC-Notícias, arrancou com Pedro Nuno Santos a falar da sua participação política e como “neste momento” não tem “na cabeça” uma corrida à liderança do partido. E também que o próximo candidato à liderança do PS deve ser aquele que é hoje o primeiro-ministro. Explicou mesmo: “Nem toda a gente pensa assim no PS, mas eu sou dos que acha que o primeiro-ministro deve ser o secretário-geral do PS. Acho que não correria bem um secretário geral do PS diferente do primeiro-ministro“.

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No Parlamento e na televisão, o socialista a que todos reconhecem ambição de liderança trava o calendário e coloca-se como um comentador que expressará “a sua opinião de forma livre“, tal como Sérgio Sousa Pinto e Alexandra Leitão, que classifica de “pensadores livres” da “nova geração do PS” — dois comentadores televisivos do partido que nem sempre têm uma linha muito próxima do Governo de António Costa, sendo vozes habitualmente mais críticas dentro do partido.

Também afasta uma eventual candidatura nas listas ao Parlamento Europeu para as eleições do próximo ano, encerrando o assunto: “Não tenho gosto nenhum pelo Parlamento Europeu. É a política nacional e o meu país que me movem”. Já tinha dito o mesmo logo à entrada dos estúdios, quando foi questionado por uma jornalista sobre o mesmo assunto.

A conversa segue com o socialista a ser questionado sobre a “geringonça” e se é possível uma reedição e não a descarta. Diz mesmo esperar que “não seja um parêntesis na história da democracia portuguesa”. Diz que foi António Costa o responsável por “quebrar o tabu” de um PS sem solução de governação à esquerda, ao entender-se, em 2015, com PCP, BE e PEV.

Quando questionado sobre as sondagens que foram esta segunda-feira divulgadas pela SIC — e que tira a maioria ao PS, mas aponta um trambolhão do PSD –, Pedro Nuno Santos atira que os dados “dizem muito sobre os dois” lados. Por um lado, argumenta, o PS continua a ser o partido que “consegue garantir confiança ao povo português”, por outro, “o PSD está numa encruzilhada”.

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Diz que “não é um problema de liderança, é mais fundo e estrutural. O PSD está entre um projeto liberal, da IL, e um conservador, do Chega, e tem o PS que deu grande importância à disciplina orçamental”.E conclui: “O PSD está sem discurso”. Mas o dado que aponta nas sondagens — indicando que “ainda ninguém o referiu” — é que “a esquerda volta a ser maioritária”.

“Devíamos ter ido mais longe no apoio aos créditos”. E outras críticas

A área governativa que está sob forte pressão, a habitação, esteve sob a sua tutela desde 2019, mas Pedro Nuno Santos diz que não se sente “responsável pela crise na habitação”. E diz até que foi o ministro que lançou “o maior programa de investimento público em habitação na história do país (…) O investimento público sem precedentes na habitação começa quando eu era ministro. Sou responsável por um programa que dará frutos a prazo”.

Defende o Governo, dizendo que “não está a atuar tarde de mais” na habitação e que “não se consegue ter um programa público e ter casas prontas amanhã. Se os governos anteriores tivessem começado o trabalho antes, estaríamos melhor hoje”, concluiu.

Mas quando fala nas medidas do Governo mais recentes, nomeadamente relativas aos apoios a quem tem crédito à habitação e está pressionado pela abrupta subida dos juros, Pedro Nuno Santos acredita que o Governo “devia ter ido mais longe” no apoio às famílias. Aqui cola-se a PCP e Bloco de Esquerda e também pede que os lucros da banca sejam postos a travar as prestações.

“Era justo que os lucros dos bancos que vêm dos aumentos exclusivamente administrativos do BCE deviam reflectir-se na travagem e redução das prestações pagas pelas famílias”, defendeu.

Foi comedido na análise ao Orçamento do Estado para 2023, que será apresentado amanhã, mas tocou no IRS para deixar “um apelo”. Para Pedro Nuno a redução do imposto “seja feita com cautela”. “Precisamos de ter consciência de quem paga IRS e de quem beneficia mais da redução”. O socialista da ala esquerda do partido foi munido de gráficos para mostrar que as famílias como rendimentos acima de 50 mil euros são responsáveis por 53% do IRS liquidado. “O país precisa de investimento no Estado social e de investimento público para que a economia possa crescer”, contrapôs.

Novo aeroporto. PSD está a tentar condicionar comissão ou tem medo de foto ao lado do Governo

O comentário terminou com o tema da localização do novo aeroporto, que há cerca de um ano deixou Pedro Nuno à beira de sair do Governo, depois de ter decidido a localização do novo aeroporto de Lisboa atropelando o próprio primeiro-ministro — que queria ouvir o PSD e envolver o maior partido da oposição na decisão.

Um ano depois, o PSD ameaça rasgar o acordo que fez com o Governo nessa altura, na sequência do episódio da desautorização de Pedro Nuno por António Costa. O ex-ministro diz que assiste a isso com “perplexidade” e lembra que “o PSD está na origem da metodologia”. “Não tem de concordar com a localização, mas o método de escolha tem origem num acordo entre o PSD e o Governo”, afirmou.

Para Pedro Nuno, “a coordenadora da comissão técnica independente [Rosário Partidário] é uma individualidade altamente respeitada na academia e não foi posta em causa quando foi escolhida”. Pelo que considera “extraordinário que dez meses depois o PSD venha pôr em causa a sua idoneidade”. Diz só encontrar “duas explicações” para esta posição social-democrata: “Tentativa de condicionamento da coordenadora” e “preparar o terreno para que o PSD não apareça numa foto ao lado do primeiro-ministro a anunciar a localização do novo aeroporto em véspera de eleições europeias”.

Quanto à sua solução da altura — a combinação de Portela e Montijo enquanto o novo aeroporto em Alcochete não estivesse pronto —, Pedro Nuno Santos continua a mantê-la. E lembra mesmo que na altura do famoso despacho, que foi obrigado a revogar, “houve declarações de apoio da Ordem dos Engenheiro, da Confederação do Turismo, da concessionárias dos aeroportos e a não oposição do presidente da Câmara de Lisboa”.

Na sua opinião, “o país já estudou tudo o que havia a estudar” e que, enquanto Alcochete não estivesse pronto, “o Montijo dava a resposta no imediato”, evitando o preço de o país “perder milhares de milhões de euros” por não existir uma solução já em marcha.