Médicos a duplicar horas extraordinárias, outros a cancelar férias e especialistas com 60 anos a voltar a fazer urgências foram soluções encontradas pelo Hospital Santa Maria para manter as equipas a funcionar e garantir a segurança das grávidas.
A situação foi relatada pelo diretor interino do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Santa Maria, Alexandre Valentim Lourenço, na comissão parlamentar da Saúde, onde foi ouvido, a pedido do Bloco de Esquerda, o conselho de administração do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN) “sobre a demissão de vários médicos especialistas em obstetrícia motivada por uma degradação das condições laborais e assistenciais”.
Os médicos apresentaram a demissão na sequência do plano da Direção Executiva do SNS para a resposta de Obstetrícia e Ginecologia, que previa que, enquanto o bloco de partos do hospital de Santa Maria estivesse fechado para obras – entre 1 de agosto e março de 2024 – os serviços ficassem concentrados no Hospital S. Francisco Xavier
Na audição, que ocorreu uma semana depois de ter sido ouvida a ex-diretora do serviço de obstetrícia do Hospital Santa Maria, Luísa Pinto, que faz parte do grupo dos sete especialistas demissionários, a deputada bloquista Isabel Pires questionou quantos obstetras o hospital tem neste momento e quantos deveria ter para assegurar o pleno funcionamento dos serviços de urgências.
Em resposta, Alexandre Valentim Lourenço começou por “agradecer a todos os médicos que, cumprindo o seu dever ético”, não deixaram as grávidas sem apoio durante estes meses.
O especialista referia-se aos “25 médicos que se mantêm a trabalhar e que tiveram de duplicar as suas horas extraordinárias e cancelar algumas férias” e àqueles que já não faziam urgências por terem mais de 60 anos que voltaram a fazer.
O responsável sublinhou que “foi só dessa forma” que foi possível, “com grandes dificuldades”, manter as equipas a funcionar e o hospital aberto em julho e integrar as equipas de São Francisco Xavier em agosto, mantendo a segurança das utentes.
A presidente do CHULN, Ana Paula Martins, reconheceu, por seu turno, que a saída dos especialistas penaliza o serviço e “obriga a encontrar uma equipa e a restabelecê-la”.
Estamos a fazer um esforço muito grande para conseguir responder às nossas listas de espera e (…) assumimos claramente que, dentro daquilo que é a lei de Bases da Saúde e os acordos estabelecidos pelo Ministério da Saúde e pela Direção Executiva, utilizamos em julho o protocolo de envio de grávidas de baixíssimo risco para as entidades privadas”, totalizando 11, declarou.
Alexandre Valentim Lourenço acrescentou que se atravessa um “momento de circunstâncias excecionais e imprevisíveis”: “Estamos num momento de rutura dos serviços de urgência espalhado por todas as especialidades e que ocorre já há mais de quatro ou cinco anos pela incapacidade da organização”, afirmou, defendendo que é preciso alterar a organização das equipas.
Ainda ontem [terça-feira] estive a falar com uma colega portuguesa que está há 15 anos na Dinamarca e, com 3.000 mil partos por ano, ela era a única especialista com um interno a prestar urgência e nós aqui exigimos cinco especialistas para fazer os partos”, disse, elucidando que o Santa Maria teve, nos últimos sete anos, uma média de 2.400 partos por ano.
Ana Paula Martins destacou ainda a colaboração com o São Francisco Xavier, iniciada a 01 de agosto, afirmando que “mostra de forma objetiva a possibilidade e até, em muitas situações, a inevitabilidade que o Serviço Nacional de Saúde hoje tem de conseguir trabalhar mais em rede”.
“Não teria sido possível” dar a resposta que está a ser dada às grávidas e bebés se as equipas não se tivessem juntado, salientou.
Relativamente às obras no Santa Maria, assegurou que “o projeto do bloco de partos começou no dia 1 de agosto”, negando assim as declarações de Luísa Pinto de que as obras ainda não tinham arrancado.