O ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que estava no cargo quando foi lançado o regime fiscal favorável para atrair rendimentos estrangeiros, defende que os residentes não habituais contribuíram com mais de dois mil milhões de euros para o Orçamento do Estado.
Numa publicação feita no Linkedin, Carlos Lobo diz que nunca se demonstrou “o contributo efetivo” deste regime para a economia e muito menos para o Orçamento do Estado, apesar de ter estado prevista a realização desse estudo no anterior Governo de António Costa.
O único valor que é reportado anualmente é a despesa fiscal associada a este regime — e que não resulta em perda de receita efetiva, mas sim da conta a quanto pagariam estes contribuintes se estivessem em Portugal e lhes fosse aplicadas as taxas normais de IRS. É um valor que tem vindo a crescer todos os anos e a gerar críticas sobretudo vindas da esquerda. Atingiu 1,4 mil milhões de euros em 2022 e irá continuar a subir, já que os benefícios fiscais duram 10 anos após o registo.
Bónus fiscal para não residentes habituais vai mudar. Valeu a pena?
O regime foi criado em 2009 e vai acabar em 2024 porque, justificou o primeiro-ministro António Costa, cumpriu o seu papel, mas agora está a contribuir para o inflacionar do preço da habitação.
A partir da estimativa de 90.000 pessoas abrangidas pelo regime dos RNH (residentes não habituais), Carlos Lobo calcula que geraram uma receita de 621 milhões de euros em IVA, tendo por base um gasto anual médio de 30.000 euros por metade destas pessoas ou de 15.000 euros por cada e com uma taxa de 23%.
As contas para o IRC dão 425 milhões de euros, tendo como premissa uma margem de lucro de 15% sobre gastos em imóveis e outros bens e serviços no valor de 150 mil euros por residente tributados a uma taxa de 21%.
A receita adicional com o IMT e o Imposto de Selo está calculada em 185,2 milhões de euros anuais, partindo da estimativa de que cinco mil destes residentes compra imóveis a cada ano, a preços acima dos 150.000 euros e com uma tributação à taxa 21%.
No IMI e AIMI (adicional ao IMI), as contas de Carlos Lobo apontam para receitas anuais de 24 milhões de euros com base numa taxa de 0,4% sobre os imóveis detidos por estes residentes e com um valor patrimonial igual a um terço do valor da venda. Num cenário em que metade destes residentes pagou mais de 500 mil euros por imóvel, pagando o adicional ao imposto, a receita total sobe para 219 milhões de euros.
Por fim o IRS. O regime dos residentes não habituais aplica taxas preferenciais (desde 2020 são 10% nas pensões e 20% nos rendimentos do trabalho), mas também taxa mais-valias mobiliárias e outros rendimentos de capital. O fiscalista considera 5.000 euros de rendimento passivo tributado à taxa de 28% para metade destes 90.000 dos residentes não habituais e chega a um valor de 150 milhões de euros que, admite, pode ser maior.
As contas do antigo secretário de Estado, que atualmente é sócio fundador da Lobo, Carmona e Associados, foram citadas durante um debate promovido pelo departamento de impostos da Universidade Católica Portuguesa (UCP) e pela KPMG esta quarta-feira sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2024 que concretiza o anúncio feito dias antes por António Costa do fim deste regime.
Neste debate, várias foram as vozes que criticaram o fim abrupto deste regime. Para o sócio principal da consultora KPMG, Luís Magalhães, não está provado que o regime tivesse os efeitos penalizadores no preço da habitação usados por António Costa para justificar o seu fim. O ex-presidente do IGCP, João Moreira Rato, considerou que era um sinal perigoso para fora na medida em que dá a ideia de que Portugal está a fechar quando continua a precisar de atrair capital externo. Já o presidente da Unilever Portugal, António Casanova, defendeu que é necessário ter cuidado na forma como se comunica a medida para não assustar quem se quer atrair.
Carla Trindade, professora da Faculdade de Direito da UCP, referiu que a proposta orçamental prevê um período de transição de três meses. Quem no final deste ano reunir as condições para aceder ao regime ou seja titular de visto de residência ainda se pode inscrever até ao final de março de 2024.
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