História
São duas malas cheias no regresso de cada viagem da Ásia, abastecidas de ingredientes e produtos cuja proveniência é decisiva neste Bếp Việt, e que dificilmente se encontram em Portugal. O nome (lê-se bép viét) parece complicado mas não tem nada que saber: a cozinha do Vietname. Fiel às origens, combina o melhor da street food com iguarias para saborear com tempo. “É um restaurante moderno que quer manter as raízes. Tentamos manter a genuinidade”, explica José Pedro Vieira, um dos nomes envolvidos neste projeto no Porto. “Todos nós temos um pouco de chefs e gosto pela cozinha. Até 2019, fui várias vezes para a China e ainda na pandemia fui pela primeira vez ao Vietname. Tenho estado a trabalhar na área de investimento, com clientes que vieram para cá na lógica dos vistos gold, como a Nhung Dang. Surgiu esta oportunidade.”
A bola do protagonismo é passada precisamente a Nhung, a sócia gerente deste Bếp Việt, e a cicerone ideal numa refeição pelos sabores destas coordenadas. Médica dentista de formação, há cinco anos que se mudou para o Porto com as filhas e a mãe, juntando-se desde há uns meses ao advogado neste investimento na restauração. “Em boa verdade é um projeto dela; ela faz a diferença”, define José Pedro, destacando ainda a composição da cozinha, “100% vietnamita, já com experiência, alguma parte já cá estava em Portugal”.
Já lá vamos à comida, mas fica a garantia de que se faz de curiosidades variadas, e que o essencial é manter a fórmula o mais original possível, sem grandes concessões. “No fundo a ideia foi manter os pratos sem os adaptar aos sabores de cá, com acontece por vezes. Queremos manter coisas como comer fruta como melancia ou manga verde com sal e pimenta, que fica fantástico”, descreve José Pedro Vieira, agora também responsável por cuidar de um canteiro muito particular. “Algumas ervas que vieram do Vietname são plantadas lá em casa. Acabo por ser eu a tratar disso”.
São detalhes como este que tornam o sabor interessante, sabor esse que se vai alterando à medida que mastigamos. E se é daqueles que ainda cultiva algumas reservas quando lhe apresentam alguma sugestão mais exótica, fique tranquilo, porque por aqui não encontra nada que possa tirar o sono aos comensais, como o prato de sangue fresco que em tempos serviram ao nosso interlocutor junto à fronteira com o Laos. “Também ultrapassa um bocadinho os meus limites. Mas não é nada disto que aqui servimos. Para além de a comida ser boa o português tem esta apetência para descobrir coisas novas. E no essencial é tudo saudável.”
Espaço
O atual restaurante ocupou a morada onde outrora funcionou outro espaço (que acabou apanhado pelos efeitos da pandemia). Esta nova versão aproveitou boa parte da estrutura e reforçou as suas feições asiáticas, dentro do espírito pretendido pela dupla. Em soft opening desde abril, a funcionar no número 78 da rua da Picaria, reforça agora a comunicação e a ponte com o público.
O restaurante divide-se em diferentes zonas: uma pequena esplanada na rua, para os dias/noites mais amenos, uma antecâmara para poder aguardar mesa ou cumprir a pausa para o cigarro, uma primeira sala (junto ao balcão), uma outra (de novo fiel ao registo mais moderno, onde prevalecem os tons escuros e o amarelo), e por fim um recanto mais rústico, qual pequena esplanada interior, colorida, com o característico tijolo que tanto pode ser encontrado em Portugal como num reduto de Hanoi. Em bom rigor, o que fica melhor na fotografia não é tanto a decoração, mas a comida — e se for essa a sua prioridade, chegou ao sítio certo.
O que interessa saber
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O que interessa saber:
Nome: Bếp Việt
Abriu: funciona nos moldes como hoje o conhecemos desde abril, quando abriu portas em modo soft opening
Onde fica: Rua da Picaria, 78, Porto
Horário: das 12h30 às 15h30 e das 19h00 às 23h30 (encerra à terça)
O que é: um restaurante vietnamita numa versão moderna que tenta ser fiel à tradição
Preço médio: 25 euros
Uma dica: se é curioso, vale a pena perguntar um pouco mais pelos detalhes de cada prato
Contacto: 964 180 496/ 222 083 832 / bepvietporto@gmail.com
Comida
Aviso à navegação: uma das missões mais difíceis nesta casa será escolher, e é provável que a sensação de FOMO se instale à medida que vai folheando a ementa, o que significa, na pior/melhor das hipóteses que terá que voltar em breve. A nossa sugestão é que se aventure pelas entradas, e depois siga para alguma sugestão mais robusta. Casa de partida? A torrada de manteiga de alho.
Para reforçar o arranque, é difícil ignorar duas opções: por um lado, os Goi Cuon, rolinhos de papel de arroz que geralmente incluem camarão, ervas, carne de porco, aletria de arroz e outros ingredientes embrulhados e mergulhados em nước chấm ou molho de amendoim. Por outro, o Cha Gio, o tipo de rolinho primavera (também conhecido como rolinho de ovo), frito e recheado com carne de porco, inhame, caranguejo, camarão, vermicelli de arroz, cogumelos (“orelha de madeira”) e outros ingredientes. Provámos os de porco e saímos convencidos, até porque o não menos famoso fish sauce é o remate perfeito.
(Vai uma dica? Opte por trincar em vez de cortar algum deles com os talheres, já que não só o recheio se dispersa como boa parte da conjugação de paladares se esvazia.)
Refira-se que sobre o molho de peixe poderíamos dedicar todo um artigo à parte, afinal de contas é uma autêntica instituição vietnamita, resultado de um laborioso processo, utilizado como molho ou tempero nas refeições mais humildes aos banquetes mais sofisticados. Para ter uma leve ideia, refira-se que os seus ingredientes cruciais são as anchovas pretas e anchovas brancas menores, que perfazem cerca de 95% dos peixes recrutados — espécies como sardinha e arenque constituem o resto. O produto final tem uma cor marrom profunda e um rico sabor umami e o seu preço pode variar dependendo do seu teor de proteína.
Ainda nas entradas, destaque para a salada de camarão, combinada com ingredientes rústicos como pepino, cenoura, folhas de laksa do Vietname e um molho agridoce especial. Tem tanto de simples como de eficaz — e é capaz de confortar como prato principal se procurar apenas uma ligeira refeição estival. Em alternativa, junte-lhe wan tan frita, tempura da camarão ou chips de camarão.
Com o estômago já bem forrado, pode seguir para um Bánh mì, a popular sanduíche que consiste numa baguette de porção única, dividida longitudinalmente e preenchida com vários ingredientes salgados. Na sua terra de origem são consideradas demasiado secas para almoço ou jantar, e preferidas ao pequeno-almoço ou lanche, mas a vida também é feita de boas exceções e quase de certeza que não se sairá mal com uma combinação, por exemplo, de porco grelhado, folha de coentro, pepino e cenouras e daikon em conserva combinados com condimentos de culinária francesa como paté, acompanhado de jalapeño e maionese.
Para quem já se rendeu ao Pho, não tem nada que saber. Confecionada de diferente forma entre norte e sul, a sopa feita a partir dum caldo preparado durante várias horas, com noodles de arroz, carne de vaca, frango, peixe ou camarão, segue aqui o estilo de Saigão e é o conforto ideal em serões outonais. Conte ainda com a icónica gema com sopa pho.
A sopa de massa de arroz com camarão ou com peixe são outras duas apostas. Dispensa caldo? Há sempre uma massa de arroz com camarão ou carne, um arroz frito, ou um porco braseado. E claro, o incontornável arroz quebrado ou arroz Saigão, inicialmente um popular prato de agricultores e trabalhadores do Delta do Mekong, disponível na generalidade das casas em épocas de fome, pelo efeito de saciedade duradouro. Com a urbanização do Vietname na primeira metade do século XX, o prato tornou-se imagem de marca das províncias do sul, incluindo Saigão e os seus turistas.
Vegetarianos, nada temam. Dos pratos típicos com tofu aos cogumelos vietnamitas e legumes combinados com arroz e noodles de arroz, há muito por onde escolher.
Para beber? “O vietnamita bebe cerveja Saigon. Pegam numa grade de cerveja e bebem-na com gelo. Bebem tanta que não têm capacidade de armazenagem de frio. Mas por aqui também apostamos muito no vinho”, aponta José Pedro.
A refeição não fica rematada sem (pelo menos) duas experiências típicas, para mais uma viagem sentados na cadeira. A primeira chama-se Doce Vietname e é uma combinação de três tacinhas, para degustar da direita para esquerda, que é como quem diz do frio para o quente, sugere-nos Nhung Dang. Um é feito à base de tofu, bolinhas de tapioca e leite de coco, enquanto o outro é criado com doce de arroz, pandan e leite de coco. O último leva banana, tapioca e leite de coco e é porventura o mais próximo dos nossos sabores em matéria de sobremesa. Uma combinação que casa ainda bem com um Porto branco, tome nota da sugestão de José Pedro.
Ao tríptico somam-se ainda um doce de líchias com gelatina e um doce de logan com chia e gelatina.
Quanto ao café que aqui se prova, é toda uma experiência, tão cremoso na sua longa história como no conceito final e na imagem que tem tudo para terminar no seu feed de Instagram. A explicação devolve-nos até 1946 e ao cenário de Hanoi. Em plena guerra da resistência Anti-Francesa as grandes cidades lidam com problemas de abastecimento de produtos básicos. O Sofitel Legend Metropole Hotel, que funciona até hoje como hotel de 5 estrelas, não escapa à regra. A escassez de leite é resolvida graças ao engenho de um bartender engenhoso, Nguyen Giang.
Desdobra-se em experiências para encontrar uma maneira de criar uma bebida de café cremosa, como o café com leite, que possa ser obtida com uma alternativa. A gema de ovo apresenta-se como a solução eficaz, por replicar a doçura do leite condensado, e o efeito pode ser testado aqui mesmo, no Bếp Việt.
“Cuidado, está quente” é uma rubrica do Observador onde se dão a conhecer novos (e renovados) restaurantes e cartas.