Tony Carreira, pai de Sara Carreira, mostrou “estar desiludido” com os testemunhos ouvidos na primeira sessão do julgamento do caso do acidente que provocou a morte da filha, em dezembro 2020, em que tanto Ivo Lucas como Cristina Branco afirmaram não se lembrar de alguns acontecimentos. No final da audiência, o cantor afirmou ter “muita compaixão para dar e vender, mas não por mentira”, rematando que “a amnésia está na moda nos tribunais”.
Por sua vez, o seu advogado, Magalhães e Silva, disse não estar desiludido do “ponto de vista da produção da prova”, mas partilha do sentimento do cliente no que toca os “aspetos humanos que efetivamente tocam as pessoas”. Por isso, vincou que “as pessoas vão tendo memórias construídos e vão tendo esquecimentos naturais”, sendo que disse não fazer “qualquer juízo de intenção” sobre isso. Além disso, considerou natural que a fadista Cristina Branco, ouvida durante a manhã, tenha à tarde entregue um requerimento a pedir para ser dispensada da audiência por “questões de saúde”.
No julgamento são arguidos Paulo Neves, que conduzia alcoolizado e abaixo do limite de velocidade, Cristina Branco que embateu na viatura deste, o cantor Ivo Lucas, que viajava com Sara Carreira e chocou com o carro da fadista, e Tiago Pacheco, que embateu no carro conduzido por Ivo Lucas. Os três homens são acusados do crime de homicídio por negligência grosseira e Cristina Branco do crime de homicídio por negligência.
Sara Carreira. Uma cantora inevitável que se emocionava ao ouvir a sua música na rádio
Esta terça-feira, o Tribunal de Santarém ouviu, além dos arguidos, o militar da GNR que elaborou o relatório final da investigação: “Pelo menos oito viaturas passaram no local do acidente, sem ocorrências, mas poderão ter sido mais porque faltam cerca de três minutos de vídeo de vigilância”. O militar mostrou ainda imagens do acidente, pedidas ao Centro de Controlo Operacional da Brisa e usadas na investigação em que a GNR concluiu que Paulo Neves circulava a uma velocidade entre os 28,04 e 32,28 quilómetros/hora, inferior à mínima permitida por lei (50 Km/h), e depois de ter ingerido bebidas alcoólicas.
O depoimento do militar contrariou as declarações prestadas por este arguido, durante a manhã, quando disse ao tribunal que circulava a uma velocidade entre os 70 e os 80 quilómetros. O relatório apresentado pelo militar confirmou as velocidades atribuídas a cada condutor na acusação (a fadista Cristina Branco menos de 120 Km/h, o namorado de Sara Carreira, Ivo Lucas, entre 131,18 e 139,01 Km/h e Tiago Pacheco entre 146,35 e 155,08 Km/h).
O relatório fundamentou ainda a convicção do militar de que possa ter havido “distração” por parte dos três primeiros envolvidos e “irresponsabilidade” por parte do último arguido, que “não reduziu a velocidade” ao atravessar entre os carros acidentados, acabando por embater na viatura conduzida por Ivo Lucas.
Na sessão foram ainda ouvidos um militar da primeira patrulha a chegar ao local do acidente e duas testemunhas que prestaram assistência aos sinistrados, antes da chegada das equipas de socorro. Entre elas um antigo bombeiro e a companheira, que recolheu Ivo Lucas no seu carro, depois de o encontrar a atravessar a A1, sem t-shirt e com uma fratura no pulso.
Ele estava muito confuso, falava de alguém que faleceu há pouco tempo e perguntava pela namorada”, disse, acrescentando que o namorado de Sara Carreira não revelou a identidade da vítima mortal, dizendo tratar-se de “uma pessoa muito conhecida e conceituada”.
O julgamento prossegue na quarta-feira, às 9h30, no Tribunal de Santarém, com a audição de testemunhas de acusação arroladas por Tony Carreira e de um perito.
O resumo dos depoimentos, incluindo de Ivo Lucas, da primeira sessão do julgamento
Apesar de ter negado estar a circular a cerca de 30 quilómetros por hora, como referem os peritos, na altura em que o carro de Cristina Branco embateu no seu, o arguido Paulo Neves disse ter que “aceitar” o resultado do teste em que acusou uma taxa de álcool de 1,18 gramas por litro de sangue (acima do permitido por lei — 0,5 gramas por litro). E explicou que tinha estado a lanchar com dois colegas e ter “comido queijo e bebido vinho”, sem conseguir especificar a quantidade. No entanto, disse estar consciente da sua condução: “Estava plenamente consciente do que estava a fazer”.
Segundo a descrição do acidente, a viatura de Cristina Branco embateu, cerca das 18h30, no veículo de Paulo Neves, que circulava na faixa da direita, alegadamente a uma velocidade inferior à mínima permitida por lei (50 Km/h) e depois de ter ingerido bebidas alcoólicas.
A viatura de Cristina Branco embateu, de seguida, na guarda lateral direita, rodando e imobilizando-se na faixa central da A1. Apesar de ter ligado as luzes indicadoras de perigo, a fadista, que abandonou a viatura na companhia da filha, foi acusada pelo Ministério Público de não ter feito a pré-sinalização de perigo.
Ao tribunal, Cristina Branco afirmou ter visto “umas luzes mesmo em frente” ao seu carro. “Pus a mão no peito da minha filha, travei e disse ‘vamos bater'”. A fadista explicou que a sua preocupação foi “colocar a filha em segurança”, no separador central da A1, e que não colocou o triângulo de sinalização do acidente porque se encontrava “confusa e em estado de choque” e porque “estavam carros a circular”, entre os quais recorda a passagem de um camião.
A primeira sessão do julgamento foi marcada pela audição de Ivo Lucas, namorado da cantora, que conduzia o carro em que ambos circulavam. Num testemunho emotivo, recordou que ele e Sara Carreira se deslocavam do Porto com destino à Charneca da Caparica, onde a cantora deveria jantar com a mãe, e seguiriam para um fim de semana com amigos, em Salvaterra de Magos.
Ivo Lucas afirmou que vinham a conversar e que só se apercebeu de “um vulto” no mesmo momento em que Sara Carreira “gritou ‘cuidado’”, tendo embatido de seguida na viatura de Cristina Branco.
A fadista tinha já testemunhado que havia visto o carro do casal “sobrevoar” o local onde se encontrava com a filha, embater no separador e capotar várias vezes. Já Ivo Lucas disse não se ter apercebido do impacto e só ter consciência a partir do momento em que se encontrava “a atravessar a estrada, sem t-shirt e com o braço todo desfigurado”.
“Não sabia onde estava, não sabia o que tinha acontecido e não sabia da Sara”, recordou, acrescentando que, dois anos depois do acidente, as suas memórias continuam a ser apenas flashes’que não consegue “ordenar cronologicamente”.
No acidente esteve ainda envolvido Tiago Pacheco que seguia pela via central da A1 e que, segundo a acusação, não reduziu a velocidade, mesmo apercebendo-se que passava por um acidente, não conseguindo desviar-se da viatura de Ivo Lucas (que ocupava parcialmente aquela faixa), onde este ainda se encontrava, bem como Sara Carreira.
Este foi o último arguido a falar esta manhã ao tribunal, tendo também discordado da velocidade que a acusação alega que ia [entre 146,35 e 155,08 Km/h]. O condutor alegou que circulava a “85/86 quilómetros por hora” poucos minutos antes do embate e que não terá travado ao passar pelo acidente por não ter “sentido a necessidade de abrandar”.
Tiago Pacheco disse ainda não ter visto qualquer sinalização de acidente e só se ter apercebido de “luzes laranja” na faixa direita da A1, tendo passado pelo meio dos carros acidentados “passando por cima de destroços” e acabando por embater com o seu carro na viatura conduzida por Ivo Lucas.