O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) considerou que o Supremo Tribunal de Justiça violou a Convenção Europeia dos Direitos do Homem depois de reverter decisões sobre a custódia legal de uma menor, criticando que não tenha sido ouvida.

O caso remonta a 2020, quando o tribunal de família e menores do Porto manteve a custódia legal da menor com ambos os pais, mas concedeu ao pai o direito de viver com a filha, na sequência de um processo a requerer a custódia, alegando que a mãe e a avó, com quem a menor vivia, eram negligentes no seu cuidado.

A decisão foi mantida pelo Tribunal da Relação do Porto, que a considerou “no melhor interesse” da criança, nascida em 2013, e que alegou que a responsabilidade parental recai antes de mais sobre os pais, não sobre os avós ou qualquer outra pessoa, e que a mãe não tinha condições para assumir a responsabilidade.

A menor, a mãe e a avó eram acompanhadas pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) desde 2014, por suspeitas de negligência e maus-tratos da parte do companheiro da mãe da menor, sobre ambas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) viria a reverter essas decisões, estabelecendo o domicilio junto da avó, com quem a criança vivia desde a nascença, mantendo a custódia legal conjunta e direito de contacto ao pai.

A decisão foi tomada reconhecendo que a mãe não vivia com a criança, mas sim com o companheiro, toxicodependente, em local incerto, e apenas pernoitava em casa algumas noites. Considerava ainda como elemento positivo a ser tido em consideração que, tendo em conta o passado de violência doméstica do companheiro da mãe e a sua toxicodependência, não havia qualquer evidência de que isso tivesse afetado a menor.

Por isso, o STJ entendeu que não havia risco que justificasse a mudança de domicilio da criança, nem de que a mãe tivesse abandonado por completo as suas responsabilidades parentais.

Na decisão conhecida esta terça-feira, o TEDH defende que o STJ “parece ter dado maior relevância aos interesses da mãe, desconsiderando outros fatores, em particular e em primeiro lugar, o melhor interesse da criança, e, em segundo lugar, os direitos do requerente enquanto pai”.

O TEDH aponta a contradição na decisão do STJ de avaliação de risco em relação à mãe, considerando que “por um lado, o STJ desvalorizou o risco ao afirmar que não era evidente ou que não havia provas de que tivesse afetado a criança. Por outro lado, reconhecia o risco ao sentir-se na obrigação de encontrar uma salvaguarda, ao determinar que a criança deveria viver com a avó materna e que a mãe não poderia alterar a morada de residência da menor sem autorização judicial”.

O TEDH defende ainda que o STJ “não explicou a razão de o melhor interesse da criança ser melhor servido vivendo com a avó do que com o pai, tendo em mente os factos estabelecidos pelo tribunal de família e menores do Porto relativos à relação afetiva com a criança, assim como o facto de ter condições para tomar conta dela”.

O tribunal europeu entende que as razões invocadas pelo STJ não parecem ser “relevantes e suficientes para concluir que foi encontrado um equilíbrio justo entre os diferentes interesses em jogo”.

Critica ainda o facto de o STJ não ter atribuído “qualquer peso” ao ponto de vista da criança, tendo em conta o já estabelecido em primeira instância, reiterando que, ao abrigo da Convenção dos Direitos Humanos, “não se pode dizer que crianças capazes de formar opinião tenham sido suficientemente envolvidas na tomada de decisão se não lhes foi dada oportunidade de serem ouvidas”.

“Face a isto, o Tribunal (TEDH) não está convencido que o processo de tomada de decisão que levou à decisão do STJ impugnada tenha sido justamente conduzido, de forma a garantir que todos os pontos de vista e interesses concorrentes tenham sido devidamente tidos em consideração e ponderados. […] O Tribunal considera que houve uma violação do Artigo 8 da Convenção”. O artigo em questão refere-se ao direito ao respeito pela vida privada e familiar.

A decisão do TEDH indica ainda não haver lugar a qualquer compensação financeira ao requerente — pai da menor — por ter intentado a ação fora do prazo limite para o efeito.