Há dois anos, quando Marc tinha apenas 61 anos, praticamente não conseguia andar, chegava a cair quatro vezes por dia e ficava com os passos presos. Agora, o homem que tem Parkinson desde os 36 anos consegue caminhar seis quilómetros sem cair nem se desequilibrar graças a uma prótese de eletroestimulação desenvolvida inicialmente para doentes paraplégicos.

Agora, já nem tenho medo das escadas. Todos os domingos, vou até ao lago e caminho seis quilómetros. É incrível”, disse Marc, citado pelo Hospital Universitário de Lausanne, onde fez o implante.

Cerca de 90% dos doentes com a doença de Parkinson num estado avançado, como era o caso de Marc, tem problemas de locomoção: dificuldades na marcha, passos que “congelam” e perda de equilíbrio. Para estes doentes, existem poucas alternativas de tratamento e o resultado é uma perda acentuada da qualidade de vida, de mobilidade e de independência.

Numa fase anterior da doença, quando tinha 44 anos, os tratamentos com dopamina e a estimulação cerebral profunda permitiram a Marc, residente em Bordéus (França), controlar os tremores e a rigidez muscular. Mas os problemas de locomoção que desenvolveu depois disso não responderam a este tipo de tratamentos. A estimulação cerebral profunda (um implante cerebral), dirigida às regiões do cérebro que perderam os neurónios capazes de produzir dopamina, não conseguia resolver os problemas motores.

Michael J. Fox e a doença de Parkinson: “Não viverei até aos 80 anos”

A equipa de investigação suíça decidiu, então, tentar uma nova abordagem: estimular diretamente a espinal medula, na zona lombar, tal como tinham vindo a investigar há vários anos em doentes paraplégicos, com lesões na medula espinal (que impedem que as instruções do cérebro, como andar, cheguem aos músculos das pernas). Esta região, à partida, não é diretamente afetada pela doença de Parkinson.

A prótese (ou neuroprótese) é composta por um campo de elétrodos junto à medula espinal e por um gerador de impulsos elétricos sob a pele do abdómen. Adicionalmente, Marc tem um sensor em cada perna para que os elétrodos na coluna consigam perceber quando pretende andar, sem que haja informação defeituosa a chegar do cérebro.

Em momento nenhum o doente é controlado pela máquina”, assegura Eduardo Martin Moraud, do Hospital Universitário de Lausanne, citado pelo jornal The Guardian. “Estamos apenas a melhorar a capacidade dele para andar.”

Marc liga a prótese de manhã e desliga-a à noite – só a pára temporariamente durante o dia quando passa muito tempo sentado no mesmo lugar. Depois da intervenção cirúrgica, o homem viu os sintomas melhorarem rapidamente e, ao fim de três meses de reabilitação, já conseguia andar (quase) normalmente.

A equipa celebra os resultados alcançados, mas está ciente de que este é apenas um caso e que até conseguir utilizar este tratamento em larga escala é preciso otimizá-lo — que é como quem diz, perceber quem e como pode usá-lo e desenvolver uma versão comercial da neuroprótese que inclua todas as funcionalidades para uma adequada utilização diária.

“Still: A História de Michael J. Fox”: rirmo-nos com ele é o melhor remédio

No próximo ano, o centro NeuroRestore vai realizar ensaios clínicos com a neuroprótese em seis doentes com Parkinson, não só para validar a tecnologia, como para perceber que doentes podem beneficiar mais do tratamento. Os ensaios clínicos serão possíveis graças à doação de um milhão de dólares (830 mil euros) da Fundação Michael J. Fox para a investigação da doença de Parkinson. O ator do “Regresso ao Futuro” foi diagnosticado com a doença de Parkinson aos 29 anos.

A neuroprótese foi primeiro testada em primatas não humanos

A equipa que juntou investigadores da Escola Politécnica Federal de Lausanne, do Hospital Universitário de Lausanne e da Universidade de Lausanne, testou a neuroprótese em modelos animais antes de a ter usado pela primeira vez num humano — Marc, o único até agora. Os sintomas da doença de Parkinson são induzidos nos macacos, nos ensaios pré-clínicos, com a limitação de que estes animais são quadrúpedes e não bípedes, como os humanos.

Primeiro, os investigadores analisaram a dinâmica da locomoção dos primatas e, depois, induziram os problemas de desequilíbrio e bloqueio dos passos. Uma vez colocada a neuroprótese, houve um alívio imediato dos sintomas dos três primatas em estudo, que conseguiram atravessar o corredor tão depressa quanto antes de lhes ter sido induzida uma condição semelhante à doença de Parkinson, relatam os autores no artigo científico publicado na Nature Medicine.

A estimulação cerebral profunda do cérebro, que acontece em vários doentes com Parkinson (como Marc), não tem mostrado resultados benéficos consistentes nos problemas de locomoção. Mas, em combinação com a neuroprótese, permitiu que os primatas praticamente recuperassem a rapidez da marcha e a amplitude dos passos. A ativação dos dois implantes em simultâneo também mostrou efeitos positivos em Marc.