O ex-ministro João Pedro Matos Fernandes está indiciado nos autos do processo do lítio e do hidrogénio por suspeitas de corrupção passiva e prevaricação. Estão em causa diversos factos, nomeadamente o de ter passado a colaborar com uma empresa participada por uma das sociedades que faz parte do consórcio H2 Sines — precisamente o consórcio que terá alegadamente favorecido como titular da pasta do Ambiente no Governo de António Costa.

Tal como o Observador já avançou, o inquérito em curso nasce da junção de dois inquéritos que estavam separados: o caso do lítio, que surgiu em 2019, e o caso do hidrogénio verde, que terá sido aberto um ano depois.

Os factos relacionados com o processo do hidrogénio verde que estão a ser investigados remontam ao início de 2020, sendo que aqui entra em cena um novo suspeito: João Pedro Matos Fernandes, ex-ministro do Ambiente de António Costa e ex-chefe de João Galamba. Aliás, o próprio Galamba também é visado neste segmento da investigação.

Contactado pelo Observador, João Pedro Matos Fernandes informou o Observador, através da sua advogada Ana Rita Duarte Campos, de que não quer prestar declarações neste momento.

Matos Fernandes e Galamba suspeitos de agirem em conluio

Tal como a revista Sábado já tinha noticiado em janeiro de 2021, está em causa um projeto do promotor holandês Marc Rechter através da sua estrutura Resilient Group. O primeiro indício é precisamente a alegada contratação de Carlos Calder, ex-adjunto de João Pedro Matos Fernandes no Ministério do Ambiente, por parte de Rechter.

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Segundo o Ministério Público, Matos Fernandes e João Galamba terão imposto ao promotor holandês a integração da REN, da EDP e da Galp no seu consórcio, denominado Green Flamingo. Por outro lado, Galamba terá excluído a 27 de julho de 2020 o projeto liderado por Rechter da lista de propostas que o governo português submeteu à Comissão Europeia para serem elegíveis para o estatuto de “Important Project do Common Europe Interest” – um estatuto muito cobiçado pois pode garantir financiamento comunitário a 100%.

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Na prática, os procuradores titulares dos autos entendem que existe prova indiciária de que o promotor holandês terá sido prejudicado pela dupla Matos Fernandes/Galamba, pois Marc Rechter terá sido excluído da lista de projetos elegíveis para ser um dos “Important Projects do Common Europe Interest” com o alegado fundamento de que o consórcio Green Flamingo estaria identificado com o projeto da REN, EDP e Galp denominado H2 Sines.

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Certo é que, mais tarde, a empresa portuguesa Martifer e a dinamarquesa Vestas passaram a integrar igualmente o projeto liderado pela REN, EDP e Galp — o consórcio alegadamente beneficiado pelo ministro João Pedro Matos Fernandes. Segundo o Ministério Público, o ex-ministro do Ambiente saiu do Governo e começou a colaborar com a sociedade Copenhagen Infrastructures Partner, na qual a Vestas investiu no final de 2020.

Por outro lado, o Ministério Público liga a contratação de João Pedro Matos Fernandes por parte da Abreu Advogados com o facto de a Copenhagen Infrastructures Partner ter aquela sociedade como prestadora de serviços.

Acresce que terão existido contactos que o Ministério Público considera como suspeitos entre o ex-ministro do Ambiente e Carlos Martins, um dos homens fortes da Martifer, para que esta sociedade nacional entrasse igualmente no consórcio H2 Sines.

Ex-ministro de Ambiente suspeito de ter beneficiado o PS antes das legislativas de 2022

Outra matéria que envolve João Pedro Matos Fernandes prende-se com um alegado benefício ao Partido Socialista a propósito das legislativas de 2022. Está em causa um dos temas mais mediáticos da atualidade, as alterações climáticas, e uma das suas consequências: a seca e o respetivo agravamento que o país tem sentido nos últimos anos.

Segundo o Ministério Público, o então ministro do Ambiente foi alertado e sabia pelo menos desde 17 de janeiro de 2022 que era fundamental interditar a produção de hidroeletricidade nas barragens do Alto Lindoso/Touvedo, Alto Rabagão, Vilar/Tabuaço, Cadril e Castelo de Bode. Além disso, e também desde a mesma data, deveria ter sido cessada a utilização da água para rega na albufeira da Bravura.

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Contudo, João Pedro Matos Fernandes só terá convocado a Comissão Permanente da Seca no dia 1 de fevereiro de 2022 — dois dias depois das legislativas que deram a vitória por maioria absoluta ao PS de António Costa. E só terá feito isso para não prejudicar o resultado eleitoral dos socialistas, acusa o Ministério Público.

O ex-ministro do Ambiente também está a ser investigado por a sua ida para a Abreu Advogados estar igualmente e alegadamente relacionada com um conjunto de alterações legislativas na área dos resíduos e o facto de aquele escritório de advogados assessorar várias empresas de resíduos e ainda a Associação das Empresas de Gestão de Resíduos não Perigosos.