Se dúvidas ainda existissem sobre a ligação que André Villas-Boas tem ao Web Summit, basta uma passagem rápida pela sua página oficial do Instagram para perceber que há momentos não se esquecem. Desde que assumiu a possibilidade de avançar com uma candidatura à presidência do FC Porto, o antigo treinador que ganhou tudo o que havia para conquistar em 2010/11 fez uma espécie de rebranding das suas imagens para ficar mais vinculado aos dragões mas manteve no seu perfil a imagem do dia em que passou pelo evento como orador em 2018. Está mais novo, com barba mais leve. Sobretudo falava de outros pontos que não aqueles que mais lhe ocupam agora o quotidiano. Cinco anos depois, essa era a maior diferença.
Quando passou nesse ano pelo palco Sports Trade do Web Summit, tinha terminado uma curta experiência de uma temporada na China, ao comando do Shanghai SIPG. Como treinador principal, após ter começado a carreira na estrutura técnica de José Mourinho, saltou da Académica para o FC Porto para ganhar tudo em 2010/11 antes de tornar-se então o treinador mais caro da história depois dos 15 milhões de euros pagos pelo Chelsea pela sua transferência. A partir daí, esteve nos blues, passou depois para o rival londrino Tottenham onde bateu o recorde de pontos numa só edição da Premier League e esteve de seguida duas épocas no Zenit de São Petersburgo, da Rússia. A partir de 2018 ainda passou pelo Marselha mas desde 2021 que não tem qualquer trabalho como treinador, sendo que pelo meio de tudo isto ainda fez o Rali Dakar entre outras presenças no evento que decorrer anualmente na zona do Parques das Nações, em Lisboa.
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Nesse dia, Villas-Boas falou um pouco de tudo mas sempre na área do futebol. Elogiou Pep Guardiola pela capacidade que teve de mudar o jogo (sem “beliscar” o seu antigo guru José Mourinho, um dos mais titulados da história), mostrou um grande fascínio pelo Japão a vários níveis, considerou-se um “hippie” no desporto, revelou que estava a aprender alemão. Agora, e nos últimos meses, a sua base de conhecimento foi outra e versou tudo aquilo que dominava menos não na ótica de treinador mas numa vertente de possível líder do FC Porto. É certo que, nesta edição do Web Summit, o técnico iria falar sobre a diferença entre a análise in loco e a Inteligência Artificial no futebol com uma personagem com mais interesse da atualidade como é o presidente do Toulouse, Damien Comolli (se viu o filme Moneyball e quiser traçar um paralelismo com a realidade aplicada ao futebol, é por aqui), mas, à margem disso, seria inevitável abordar não só a realidade dos azuis e brancos mas também o que se passara na véspera, na Assembleia Geral Extraordinária.
“Assembleia Geral Extraordinária Suspensa. Um dos dias mais negros da história do FC Porto. Sem vergonha, sem escrúpulos, sem respeito nenhum pelos associados deste grande clube. Dia 20 de Novembro os Sócios marcarão de novo presença. O FC Porto precisa de se encontrar nos seus princípios, nos seus valores e nas suas bases. O que se passou hoje não poderá nunca voltar a repetir-se”, escreveu Villas-Boas após a suspensão e posterior agendamento da reunião magna para a próxima segunda-feira, já depois de ter criticado com uma curta declaração a forma como tudo foi organizado com milhares de pessoas à espera de entrar inicialmente para uma sala que tinha apenas 400 lugares e depois para o Dragão Arena. Agora, à margem da participação no Web Summit, o antigo treinador visou de forma direta vários alvos portistas.
“Ainda estou envolvido nas emoções do que se passou e vou tentar responder na condição de associado do FC Porto. Foi lamentável e uma derrota interna dos órgãos sociais do FC Porto que assistiram, impávidos e serenos, a agressões e intimidações múltiplas de uma guarda pretoriana a associados do FC Porto. Peço sinceramente às autoridades, ao Ministério Público, ao Ministério da Administração Interna, ao IPDJ, ao Secretário de Estado do Desporto, que peçam com urgência as imagens das câmaras de televisão e da vigilância do Dragão Arena e que proceda a uma investigação das agressões e dos atos bárbaros que se passaram ontem [segunda-feira] à noite. Desde credenciais passadas que não deviam ser passadas a não sócios, a uma total desorganização logística que ficou evidente de uma sala que não tinha condições para receber todos os associados para o Dragão Arena”, começou por apontar André Villas-Boas.
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“Isto é o reflexo de uma decisão que provavelmente que o presidente da Mesa da Assembleia Geral não tinha noção da quantidade de sócios do FC Porto que iam comparecer. Os associados moveram-se em massa porque querem expressar os seus sentimentos e foi impedido esse direito de se poderem expressar de forma livre e em segurança. Esta é uma Assembleia Geral que está agora marcada para o dia 20, que não pode correr como correu, que deve correr com o cartão de sócio do FC Porto, com o Cartão de Cidadão e da forma mais ordeira possível para que as pessoas possam exprimir livremente o que pensam sobre esta proposta de alteração aos estatutos. As imagens que vimos de um miúdo de 19 anos, ao qual provavelmente vai ser retirado o direito de voto, em choro e envergonhado com o seu clube é o reflexo da situação que estamos a viver. Estamos reféns de uma guarda pretoriana que persiste em intimidar alguns sócios do FC Porto que só querem exercer o seu direito de voto, de expressar-se e de serem livres”, prosseguiu.
“No fundo, isto tem que terminar. Há uma reflexão profunda que é necessário fazer primeiro do ponto de vista da organização, do ponto de vista logístico, da credenciação. Há uma reflexão que o próprio Conselho Superior deve fazer porque também ficou evidente que a maior parte dos membros efetivos do órgão, alguns ilustres figuras públicas e políticas associados do FC Porto, não estão presentes. Ou seja, também se estão a marimbar para a própria proposta que estão a passar. Há legitimidade e quórum para que a proposta seja apresentada aos sócios, mas será que ela deve persistir no tempo? A partir do momento em que existe uma Assembleia Geral que está marcada para uma sala que leva 300 pessoas e estão 4.000 pessoas a fazer fila para tentar entrar e de repente passamos para o Dragão Arena, como é que queremos que o líder da Mesa faça a contagem?”, voltou a questionar o ex-técnico portista, entre mais detalhes sobre o que se passou.
“Foi aí que decidi sair. Não há condições para haver uma Assembleia Geral em que se faz a contagem dos votos dos sócios a olho, a olhómetro. Não há regulamentação no registo dos sócios, passam-se pulseiras de um lado ao outro, com momentos de intimidação evidentes… Cabia ao presidente da Mesa da Assembleia Geral chamar as autoridades para estarem presentes no Dragão Arena, que circundavam à volta do estádio. Decidiu não fazê-lo mas depois decidiu finalmente colocar termo à Assembleia Geral Extraordinária quando alguns sócios foram alvo de agressões por uma segunda vez. Isto é uma derrota do FC Porto, grande e profunda, uma ferida e uma mágoa que estará na memória dos sócios para sempre, e cabe ao FC Porto responder com elevação, com sentido democrático, encontrar-se com os seus valores, com a sua ética, no respeito pelos seus associados e não deixar que uma Assembleia Geral, Extraordinária ou não, decorra refém de uma guarda pretoriana que faz e desfaz da maneira que lhe apetece”, advogou ainda.
Com apenas uma pergunta, Villas-Boas falou mais de cinco minutos pela primeira vez desde a Assembleia Geral dos dragões que acabou suspensa. Depois, perante um par de questões sobre a posição da Direção dos azuis e brancos e de uma candidatura que dá como certa mas à qual ainda falta data, foi mais comedido. “Se a Direção devia ter dito algo? Não sei, não me cabe a mim responder pela Direção do FC Porto… Isto para mim não é uma questão de anúncio ou não de candidatura, falo enquanto associado do FC Porto confrontado com o que vi e confrontado com as imagens de uma associado de 19 anos a chorar desalmadamente, fora todas as agressões, com sentimento de vergonha pelo clube. É por aí que falo. É uma derrota para o FC Porto, lamento que tenha sucedido e, se querem levar a Assembleia para a frente, que seja de uma forma digna. Democracia está em causa? Não me queria pronunciar mais sobre isso…”, respondeu.
“Não posso ficar indiferente ao apoio que sinto, provavelmente apresentar uma candidatura é quase como um cumprir de uma formalidade. Apenas quero dar passos seguros, fortes, criteriosos e transparentes, que sejam suportados em equipas de rigor, de alto nível e de alta qualidade porque é o que o FC Porto merece. Quando tiver todas as equipas montadas, um programa eleitoral digno para uma instituição como o FC Porto, apresentar-me-ei com a minha lista e com a minha candidatura”, finalizou.
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