António Costa disparou este sábado várias críticas e recados ao Presidente da República a propósito da crise política e de intervenções feitas nos últimos dias. Sobretudo aquela em que Marcelo falou em declarações públicas do primeiro-ministro — que não existiram — a assumir que foi ele quem pediu ao Presidente para chamar a Procuradora-geral da República a Belém no dia 7 de novembro. “Terá de perguntar ao Presidente da República que comentário público terei eu feito, não me ocorre nenhum”, disse em resposta aos jornalistas sem referir, no entanto, se o assunto foi falado em privado. Também lhe atribuiu responsabilidade nesta crise e ainda deixou recados para futuras decisões presidenciais. 

Foi tudo feito à porta da sala onde decorria a reunião da Comissão Nacional do PS, num hotel em Lisboa, e em resposta às perguntas dos jornalistas. A primeira das quais sobre o que Marcelo disse sobre a chamada de Lucília Gago a Belém a 7 de novembro, o dia em que se demitiu depois de uma nota da Procuradoria Geral da República ter revelado a existência de um processo-crime contra o primeiro-ministro. O que o Presidente tinha dito a propósito da reunião: “Isso o senhor primeiro-ministro já esclareceu que ele pediu para eu pedir o encontro à senhora procuradora-geral da República”. Acontece que Costa nunca o fez, pelo menos publicamente. E foi essa parte que acabou por desmentir.

Quanto ao que poderá ter feito em privado, o primeiro-ministro não se pronuncia, refugiando-se no segredo que é devido nas conversas entre titulares de órgãos de soberania. “Em oito anos nunca transmiti ou comentei publicamente as minhas conversas com o Presidente da República e essa é uma boa prática” nessas relações, que “têm de assentar na confiança entre ambos, não são entre duas pessoas que se conhecem mas titulares de dois órgãos de soberania”.

Perante a insistência dos jornalistas, sobre se foi o primeiro-ministro que fez esse pedido, refugiou-se sempre na mesma fórmula. E ainda atirou sobre as relações entre os dois órgãos de soberania: “No dia em que cada um começa a achar que pode dizer o que o outro disse ou não disse seguramente as relações correrão com menor fluidez do que devem decorrer”.

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Nas entrelinhas fica ainda a referência aos “heterónimos” — “nunca revelei, por mim ou por heterónimos nos jornais, as conversas com o Presidente da República”, afastando-se de informações que possam ser dadas sobre as conversas que têm a dois — o que acaba por colocar em xeque a outra parte.

E ainda deixou no ar suspeitas sobre a notícia, avançada pelo Expresso esta sexta-feira, com a PGR a assumir a responsabilidade pelo parágrafo do comunicado que dava conta do processo-crime contra si — e que terá ditado a sua demissão. “Ninguém partiria do princípio que não fosse assim. É das notícias que, em vez de esclarecer, mais dúvidas suscita”.

Quatro meses difíceis de coabitação?

Os dias que ainda tem pela frente de coabitação com Marcelo vão prolongar-se até haver um novo Governo, ou seja, por pelo menos mais quatro meses, e os últimos tempos deixaram uma divergência insanável. O PS não queria que Marcelo tivesse dissolvido a Assembleia da República e provocado uma crise política que Costa já não tem pudor em classificar como “irresponsável”. Esse ónus foi totalmente colocado em cima dos ombros presidenciais.

E isto porque Costa está convencido que fora da “bolha mediática” o sentimento “é muito prático” e as pessoas estão hoje mais preocupadas do que estavam, nomeadamente os pensionistas — uma franja do eleitorado que é valiosa para o PS e pela qual tem puxado desde os cortes nas pensões do Governo PSD/CDS, no período da troika. A propósito deu até o exemplo de um episódio que viveu recentemente: “No outro dia fui à farmácia e a senhora da farmácia comentava que na tarde em que apresentei demissão as pessoas idosas que lá tinham ido estavam muito preocupadas com o que ia acontecer às suas pensões”.

Também assume que tem ouvido pessoas na rua a dizerem-lhe que “o país não está perfeito”, mas que “têm bem noção do que foi esta trajetória e que não se pode perder”. Fala nas pensões mas também da pressão do contexto internacional, “um tempo difícil”, descreveu, que teria aconselhado manter a atual maioria. É isto que Costa assume quando afirma que “devia ter havido bom senso de não desencadear esta crise política” que considera “irresponsável”.

E até refere as sondagens, para dizer que “na pior semana possível para o PS, não há nenhuma sondagem que não dê o PS à frente ou empatado tecnicamente”. Nesse capítulo já não quis esclarecer se vai ter intervenção ativa na campanha eleitoral para as legislativas — só assumiu que não se meterá na campanha interna do PS, elogiando os dois candidatos que estiverem em governos seus, Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro.

O recado sobre aceitar acordos com o Chega e o exemplo dos Açores

Para a campanha eleitoral, aconselha o PS a não levar os casos de justiça: “Não faz sentido qualquer campanha ou debate público sobre o que se passa na justiça”. Dentro da reunião da Comissão Nacional do PS, o ainda líder socialista já tinha dito isto mesmo, assumindo a sua própria defesa pública e dizendo ao PS para ficar longe dessa luta.

O adversário é a direita, assumiu, deixando também a sua posição sobre o que é ter o Chega a apoiar um Governo. Este fim de semana, o Expresso noticiou que Marcelo não se oporá a acordos à direita que incluam o partido de André Ventura.  Agora, Costa surge a dizer que “uma maioria parlamentar aritmética dependente do Chega, pode ser uma maioria parlamentar mas nunca será uma maioria governativa”.

“O Chega nunca será um partido igual aos outros, não só pela ideologia, mas por causa do seu comportamento: será um fator permanente de instabilidade”, afirmou dando como exemplo o que se passou nos Açores “onde provavelmente nem um Orçamento conseguem aprovar”, atirou. Sobre o Chega diz claramente que “não existe para governar mas para perturbar. Não há ninguém que possa pensar que por fazer acordo com o Chega cria condições para governar”.

E vai mesmo na referência ao poder presidencial, para envolver Marcelo neste raciocínio, ao dizer que “o que todos desejamos é que esta tenha sido a última dissolução do atual Presidente da República” e que os portugueses não querem que o Presidente “ainda fosse confrontado com novas” dissoluções. “Esta era totalmente despropositada e desnecessária mas pronto, está feita“, disse por fim.