O governador do Banco de Portugal disse, esta terça-feira, que a luta contra a inflação ainda vai fazer mais danos nas pessoas, antes de os juros baixarem, e sobre a crise política considerou que “instabilidade não rima com crescimento”.
Instabilidade, qualquer que seja a fonte, não rima com crescimento económico, [não rima] com estabilidade social”, afirmou Centeno na CNN Portugal Summit, que decorreu no Porto, entrevistado por Pedro Santos Guerreiro, e recordou que na primeira década do século XXI houve três legislaturas interrompidas.
“Se alguém pensa que as dificuldades económicas que enfrentámos ao longo desse tempo não tiveram que ver com isso, desiluda-se, porque teve”, afirmou, acrescentando que momentos de crise política são “processos institucionais normais” num país democrático.
Quanto ao aumento das taxas de juro, para conter a inflação, Centeno considerou que se está a conseguir reduzir a taxa de juro real (o fosso entre taxa de juro nominal e inflação) mas deu a entender que as taxas de juro ainda deverão manter-se elevadas durante algum tempo o que agravará as dificuldades das pessoas.
A luta contra inflação fez muitos danos e ainda vai fazer alguns porque nunca antes o Banco Central Europeu aumentou tanto as taxas de juro em tão pouco tempo”, afirmou.
Segundo o governador, esta subida tão rápida das taxas de juro não permitiu aos agentes económicos terem “tempo para se ajustarem”, o que criou dificuldades extra. “Essa é uma preocupação que eu tenho e devemos ser comedidos na terapia”, disse.
Centeno considerou ainda que Portugal e a economia portuguesa têm feito um caminho importante, destacando a estabilidade financeira (visível em indicadores como redução do custo da dívida e melhoria do rating de Portugal) e o aumento das qualificações da população.
O ex-ministro das Finanças dos governos de António Costa (PS) demorou-se, sobretudo, no aumento de qualificações em Portugal, vincando que no início do século apenas 40% dos jovens completavam ensino secundário e hoje são 85% (acima da média da zona euro e da Alemanha), e considerou que qualquer “perturbação deste processo será quase uma capitulação do crescimento económico a médio prazo”.
Sobre se Portugal retém o talento jovem, quando se fala muito em emigração de jovens, Centeno disse o tem feito e que o país andou nove meses a analisar números do INE que estavam equivocados sobre o mercado de trabalho e “corrigiu o erro” que estava a deixar “a quase todos no divã do psicanalista”.
Onde estão os nossos licenciados? Estão cá. Desde 2013 o número de licenciados na população portuguesa aumentou de 1,3 milhões para 2,0 milhões. O INE dizia-nos, até há semana passada, que no segundo trimestre deste ano havia menos 180 licenciados em Portugal, o que não era verdade. Segundo a versão corrigida do INE, o número de licenciados terá aumentado 71 mil em termos homólogos”, afirmo Centeno, que é economista especialista em mercado de trabalho.
Centeno afirmou que esta “revolução silenciosa” é a “única fonte de crescimento sustentável” de uma economia e que para ter sucesso é preciso “paciência, porque leva trabalho, e não colocar entraves”, desde logo às empresas. “Não podemos elevar a fasquia para empresas que querem criar postos trabalho e empregar estes jovens”, afirmou.
O objetivo do BCE é ter uma inflação de 2% a médio prazo pelo que, face à alta da inflação na zona euro, tem decidido subir as taxas de juro. Quando o BCE altera as taxas de juro diretoras, tal reflete-se no conjunto da economia, sendo algumas das faces mais visíveis o aumento dos empréstimos bancários, desde logo do crédito à habitação.
Esta terça-feira, a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, disse, em Berlim, que dada a dimensão dos aumentos das taxas de juro até agora, será dado algum tempo para ver o seu efeito na economia.
“Dada a escala do nosso aperto monetário, agora podemos dar-lhe algum tempo para se desenvolver”, afirmou Lagarde ao discursar sobre a inflação e a democracia, num evento organizado pelo Ministério das Finanças alemão.
Lagarde considerou, no entanto, que “ainda não é tempo de gritar vitória”, apesar da descida da inflação na zona euro.