O despacho “engendrado” com cinco ministros para permitir que as infraestruturas de vários operadores (incluindo as que servem o setor da energia) possam ser usadas para instalar cabos que permitam o transporte de dados foi publicado esta quarta-feira em Diário da República, quase dois meses depois de ser assinado. O diploma vem referido no documento de indiciação do Ministério Público relativo à Operação Influencer como o “despacho dos cabos submarinos”. E é apontado como uma das decisões legislativas que os promotores do data center de Sines procuraram acelerar, e até condicionar no conteúdo, usando para tal a influência do então chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária e contacto privilegiado com o ministro das Infraestruturas à data, João Galamba.

Foi aliás João Galamba que anunciou publicamente, numa deslocação a Sines, que ia ser assinado um despacho conjunto entre vários ministérios — Infraestruturas, Economia e Mar, Ambiente e Ação Climática, Agricultura e Negócios Estrangeiros — com o objetivo de instruir a Direção-Geral de Recursos Naturais e Serviços Marítimos para avançar rapidamente com a criação de corredores para a instalação de cabos submarinos pré-licenciados”.

O despacho refere diretamente investimentos em curso para a construção de centros de dados de grandes dimensões capazes de satisfazer a procura por parte das grandes plataformas digitais e assume que “estes investimentos poderão ser expandidos e facilitados, caso sejam revistas determinadas matérias críticas que permitam aumentar a atratividade do país para o investimento nesta área específica”.

Para além do projeto do cabo submarino, a que estava associada a Google — tema que é do interesse da Start Campus (empresa promotora do data center que está no centro desta investigação criminal) —, o despacho publicado estabelece que seja pedido à ERSE (o regulador da energia) que proponha legislação para regular o regime pelo qual os concessionários de infraestruturas de energia, nomeadamente gasodutos que são geridos pela REN, possam instalar ou permitir a instalação ou expansão de redes de fibra ótica nestas infraestruturas como atividade complementar ao uso estabelecido na concessão.

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A indiciação do Ministério Público descreve interações entre os então gestores da Start Campus (Afonso Salema e Rui Oliveira Neves) com Vítor Escária sobre a urgência na publicação desde diploma que estaria “empatado no Ministério das Infraestruturas”, mas que se iria desbloquear já. Dois dias depois, o diploma é referido publicamente pelo ministro João Galamba no mesmo evento em que é anunciado que a Google iria ligar a Portugal um dos cabo de submarinos e telecomunicações.

O despacho agora publicado tem data de assinatura nesse dia, 25 de setembro. Ainda de acordo com os procuradores, no mesmo dia Afonso Salema ligou a João Galamba para lhe dar os parabéns, conversa na qual este terá dito que lhe ia enviar por whatsapp “o despacho que engendrou com cinco ministros numa semana” e no qual conseguiu incluir “todas aquelas coisas”, relativas à REN, gestora da rede de gasodutos e do transporte de eletricidade) e à ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos).

Há uma parte da indiciação que descreve as iniciativas dos gestores da Start Campus em 2022 para conseguir explorar o negócio da conetividade (dados) nas concessões da REN, incluindo o envio à secretaria de Estado da Energia, então comandada por João Galamba, de um “esboço de portaria” elaborado pelos assessores jurídicos da empresa (o escritório da PLMJ). A discrição “esboço de portaria” é corrigida pelos advogados a quem foi pedida. Há que ter o “cuidado que não é para fazer uma portaria, nós não fazemos portarias, fazemos é memos que dão conteúdos que alguém por usar para fazer uma portaria”.

Operação Influencer. Os três erros do Ministério Público

É neste encadeamento que a indiciação remete para uma portaria publicada em setembro de 2022 que nada tem a ver com o tema da fibra ótica nas condutas de infraestruturas de energia, naquele que foi já reconhecido como um dos erros do Ministério Público que deu suporte às buscas, constituição de arguidos e detenção para interrogatório dos suspeitos da Operação Influencer. Esta portaria permite usar os terrenos afetos à produção de eletricidade (cedidos pela REN) para a exploração de outras tecnologias que contribuam para a descarbonização e transição energética.