A Polícia Judiciária (PJ) de Vila Real anunciou esta quarta-feira a detenção de 20 pessoas e a realização de 60 buscas a entidades públicas e privadas, no âmbito de uma investigação por falsificação de análises de água destinada ao consumo humano.
“A Polícia Judiciária, através do Departamento de Investigação Criminal de Vila Real com o apoio de outras unidades da PJ, no âmbito de um inquérito titulado pelo Ministério Público – DIAP Regional do Porto, procedeu à realização de 60 buscas domiciliárias e não domiciliárias, que visaram diversos particulares, empresas e entidades públicas sitas em diferentes concelhos do território nacional, designadamente em Aveiro, Braga, Bragança, Coimbra, Guarda, Lisboa, Porto, Vila Real e Viseu”, refere a PJ, em comunicado.
As câmara municipais de Vila Flor, de Mirandela, de Alfândega da Fé, de Macedo de Cavaleiros, de Miranda do Douro e de Mogadouro, todas no distrito de Bragança, estão também a ser alvo de buscas no âmbito da operação Gota d’Água, confirmaram entretanto as autarquias.
Laboratório suspeito é no concelho de Mirandela
A Polícia Judiciária (PJ) está, esta quarta-feira, a realizar buscas no Laboratório Regional de Trás-os-Montes (LRTM), situado no Complexo Agroindustrial do Cachão, no concelho de Mirandela, no distrito de Bragança.
A informação foi confirmada pela Lusa no local e fonte ligada à gestão daquele complexo confirmou que as buscas estão ligadas com a operação Gota d’Água, desencadeada, esta quarta-feira, pela PJ.
Segundo informação disponível na sua página na Internet, o LRTM surgiu em Trás-os-Montes em 1994, com “o objetivo de prestar serviços de controlo de qualidade a municípios e serviços municipalizados da região, bem como a entidades particulares, sejam elas indústrias, empresas de tratamento de águas e saneamento, empresas de tratamento de resíduos sólidos ou mesmo a pessoas com sistemas próprios de abastecimento e a demais entidades do setor público e privado”.
O laboratório presta “serviços de controlo de qualidade em todas as regiões do país, as regiões autónomas da Madeira e dos Açores”, lê-se na sua página online.
No comunicado sobre a operação, a PJ explica que este laboratório, cuja alegada atividade fraudulenta está a ser investigada, “está constituído no regime de sociedade por quotas, com capitais distribuídos em 50% por uma empresa multinacional (com atividade similar à entidade visada) e os restantes 50% com capital público, no caso pela participação equitativa de seis municípios e uma associação de municípios”.
Em conferência de imprensa, o coordenador do departamento de investigação criminal da PJ/Vila Real, António Trogano, explicou que o laboratório, ao não efetuar a recolha de amostras de água, ao adulterar a recolha ou a fazer a recolha e falsificar os resultados tinha como objetivo obter ganhos económicos, por receber por um serviço que não realizava, e corresponder aos “desejos” de clientes de entidades públicas ou privadas.
A título de exemplo, o inspetor explicou que uma piscina tem de funcionar com água de qualidade, mas se essa estiver contaminada vai ter de encerrar e, quem é responsável pela mesma, se não tiver interesse em que feche, vai solicitar que as amostras estejam conforme o exigido.
“A investigação permitiu perceber que uma prática deste género [de crime] impunha uma divisão de tarefas, um acordo prévio e um objetivo inicialmente decidido, nomeadamente que o laboratório beneficiava no sentido em que não fazia e recebia por fazer, ou adulterava em beneficio de um cliente, que também beneficiava, dado que não tinha de tomar medidas de fechar ou interromper o fornecimento de água”, esclareceu.
Questionado pelos jornalistas se tal prática representava perigo para as populações, o inspetor da PJ referiu que “havia, na medida em que o modus operandi verificado consistia na recolha e adulteração da recolha ou então mesmo na falsificação dos próprios resultados obtidos”. A água não tinha “cabal monitorização e acompanhamento da qualidade que devia ter”, acrescentou.
Já sobre se há relatos de pessoas que sofreram de algum tipo de doença pelo consumo de água, o diretor da PJ/Vila Real disse que, até agora, não têm qualquer tipo de relato nesse sentido.
Laboratório de Trás-os-Montes “surpreendido” com suspeitas de falsificação de análises
O Laboratório Regional de Trás-os-Montes, em Mirandela, está “surpreendido” com a investigação, garantindo colaborar com as autoridades, adiantou, esta quarta-feira, à Lusa fonte da empresa.
Além de reforçar que colaborou “desde o primeiro momento” com as autoridades policiais e continuará a fazê-lo, o Laboratório Regional de Trás-os-Montes espera que as investigações possam ser desenvolvidas com a “celeridade que se impõe”, referiu a fonte oficial.
Confirmando ter sido “objeto de diligências processuais” no âmbito de uma investigação tutelada pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) Regional do Porto, o laboratório mostrou-se “surpreendido” com a mesma por estar “convicto de que a sua atividade tem sido sempre prosseguida de acordo com as melhores práticas do setor”, sublinhou. ´
Enquanto infraestrutura credenciada e acreditada pelas entidades competentes, nomeadamente pelo IPAC [Instituto Português de Acreditação], tem sido regularmente sujeita a avaliações e auditorias externas, tendo ficado surpreendida com esta investigação”, vincou.
Vereador da Câmara de Vila Flor entre os detidos da operação Gota D’Água
O vereador da Câmara de Vila Flor com os pelouros da Educação, Desporto e Cultura, Luís Policarpo, é um dos 20 detidos, esta quarta-feira, pela Polícia Judiciária (PJ) no âmbito da operação Gota D’Água, confirmou à Lusa fonte da autarquia. Luís Policarpo foi eleito pela coligação PSD/CDS-PP nas eleições autárquicas de 2021.
Em comunicado, a câmara garantiu ainda que “encara com naturalidade este tipo de procedimentos por parte das entidades judiciais, estando a colaborar com os inspetores da Polícia Judiciária em todas as suas solicitações para o esclarecimento dos factos, sejam eles quais forem, e para o apuramento integral da verdade material”.
Detidos incluem eleitos locais
António Trogano adiantou ainda que os 20 detidos no âmbito desta investigação, que dura há alguns meses, são dirigentes e funcionários do laboratório, assim como funcionários e alguns eleitos locais nas entidades gestoras das águas, designadamente câmaras ou empresas municipais criadas para o efeito.
Os suspeitos, entre os 25 e 61 anos, vão ser presentes a primeiro interrogatório judicial esta quinta-feira no Tribunal de Instrução Criminal (TIC) do Porto, revelou.
A PJ iniciou a investigação com base em denúncias relacionadas com a má qualidade da água fornecida por algumas autarquias, revelou ainda.
Segundo a PJ, a Operação Gota D’água “tem por objeto a atividade fraudulenta de um laboratório responsável pela colheita e análise de águas destinadas a consumo humano, águas residuais, águas balneares, piscinas, captações, ribeiras, furos e poços, estando em causa crimes de abuso de poder, falsidade informática, falsificação de documento agravado, associação criminosa, prevaricação, propagação de doença e falsificação de receituário”.
Águas do Interior Norte garante que água que distribui é de qualidade e segurança
A Águas do Interior Norte (AdIN) garantiu, esta quarta-feira, que a água que distribui é de “qualidade e segurança”, depois de um laboratório, que lhe presta serviço, estar envolvido numa investigação por falsificação de análises de água destinada ao consumo.
A AdIN garante aos seus clientes, como sempre, a qualidade e a segurança da água que distribui”, referiu a empresa, em comunicado.
A AdIN sublinhou nunca terem sido detetadas inconformidades na qualidade da água distribuída aos clientes, “tendo sido mesmo atribuído à organização por parte da entidade reguladora do setor (ERSAR), em diversos anos, o Selo de Qualidade Exemplar da Agua distribuída para Consumo Humano”.
Sediada em Vila Real, a empresa explicou que mais de 90% da água distribuída pela AdIN aos seus clientes é fornecida pela Águas do Norte, “empresa referencial do setor, cumprindo essa água todos os parâmetros de qualidade e segurança a que a legislação obriga”.
No comunicado, a empresa ressalvou que a serem verdadeiras as suspeitas que recaem sobre um laboratório responsável pela recolha de análises de água, sediado no distrito de Bragança, e que presta serviços à AdIN coloca-a no “papel de vítima”.
A empresa em causa presta serviços há vários anos para o concelho de Vila Real, primeiro na EMARVR e agora na AdiN, não sendo a única empresa que presta este serviço”, vincou.
A AdIN referiu exigir aos seus prestadores de serviços elevados níveis de certificação nas atividades que desenvolvem.
Câmara: população de Vila Pouca de Aguiar pode estar tranquila com a água que consome
A população de Vila Pouca de Aguiar pode estar tranquila quanto à qualidade de água que consome, apesar do laboratório que lhe presta serviço estar envolvido numa investigação por falsificação de análises de água destinada ao consumo, adiantou, esta quarta-feira, a câmara.
Neste momento, não há nenhum motivo para haver pânico na população e para não se ter confiança na água de abastecimento público”, disse o presidente da Câmara Municipal de Vila Pouca de Aguiar, Alberto Machado, em declarações à Lusa.
O autarca explicou que as análises ao sistema de abastecimento público de água, que é feito através da barragem de Gouvães e que abastece Vila Pouca de Aguiar, Cidadelha de Aguiar e Fontes do Alvão, são feitas pelo laboratório que está a ser investigado, mas também pela Iberdrola (empresa espanhola de distribuição de energia e gás natural) e pela delegação de saúde local. “E em todas elas [análises] temos garantia de qualidade de água durante este período”, vincou.
Além deste, Alberto Machado esclareceu que a entidade de saúde local também tem vindo a recolher amostras e a fazer análises nos restantes 82 sistemas de abastecimento público de água do concelho, no distrito de Vila Real.
Apesar disso, e perante a suspeita que recai sobre o laboratório em causa, a Câmara de Vila Pouca de Aguiar decidiu, esta quarta-feira, contratar os serviços de um laboratório credenciado pela Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) e de capital 100% público, para efetuar análises à água dos 83 sistemas de abastecimento público de água, revelou. O presidente da autarquia considerou que os resultados à água deverão ser conhecidos nos próximos dias.
Por causa do laboratório em causa, o município foi alvo de buscas esta manhã pela Polícia Judiciária (PJ), tal como outras no distrito de Bragança, mas “em nada é considerada” no processo, garantiu Alberto Machado.
Alfândega da Fé afirma confiança nos serviços e funcionários após buscas da PJ
A câmara municipal de Alfândega da Fé afirmou, esta quarta-feira, em comunicado confiança nos serviços municipais e seus colaboradores.
Em comunicado, a autarquia acrescentou que cooperou “com todas as diligências efetuadas”.
A mesma fonte tinha também avançado à Lusa que as buscas foram concentradas na casa de uma funcionária e no seu posto de trabalho.Em causa estará, adiantou a mesma fonte, uma queixa anónima relacionada com análises laboratoriais que “lançam suspeitas de alteração de parâmetros da qualidade da água”.
Reiteramos a confiança nos serviços municipais e nos nossos colaboradores, a quem reconhecemos zelo, responsabilidade e ética no exercício das suas funções”, afirmou, em comunicado, a câmara municipal de Alfândega da Fé.