Pouco após o dia 7 de outubro, a diplomacia do Qatar entrou em contacto com a Casa Branca. O pequeno emirado, aliado dos Estados Unidos (EUA), já tinha descoberto a identidade dos reféns israelitas e sugeriu que se formasse um pequeno grupo de trabalho entre Washington e Telavive para discutirem o assunto. Na altura, um acordo estava longe, mas ficaram estabelecidas as bases para eventuais negociações com o Hamas.

Na altura em que o Qatar abordou os Estados Unidos, como apurou o Politico, a comunidade internacional ainda lamentava a incursão terrestre a Israel e condenava fortemente a ação do Hamas. Uma semana mais tarde, o Presidente dos EUA, Joe Biden, entrou em contacto com as famílias de alguns reféns com nacionalidade norte-americana. O Chefe de Estado ficou chocado com o que ouvira — e, a partir daí, a libertação daquelas pessoas passou a ser um dos objetivos do líder norte-americano.

Sempre que falava ao telefone ou se encontrava com Benjamin Netanyahu, Joe Biden lembrava-o da importância de negociar com o Hamas para libertar os reféns. A insistência do líder norte-americano teve frutos: a 23 de outubro, duas cidadãs norte-americanas — uma filha e uma mãe — foram libertadas. No entanto, a Casa Branca preocupava-se, na altura, com um cenário que podia colocar em risco a vida das pessoas que estavam nas mãos do Hamas: a invasão terrestre.

Judith e Natalie Raanan. Quem são as primeiras reféns libertadas pelo Hamas?

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Segundo o que uma fonte do governo norte-americano revelou ao Politico, os dirigentes norte-americanos “colocaram questões difíceis” aos israelitas sobre a invasão, incluindo sobre o destino dos reféns. Não obstante, Israel avançou, mas com uma condição: “O plano da invasão foi adaptado e faseado para apoiar uma pausa caso houvesse um acordo” sobre a libertação de reféns.

Após vários esforços diplomáticos, o Hamas acabou por dar algumas informações aos Estados Unidos sobre 50 reféns, mostrando-se inclusive recetivo à ideia de os libertar. Joe Biden comunicou pelo telefone essa informação a Benjamin Netanyahu a 14 de novembro — e foi a partir desse momento que a ofensiva da diplomacia norte-americana se intensificou para chegar a um acordo.

Um acordo também parecia agradar a Benjamin Netanyahu, pelo menos naquela fase da guerra. “Precisamos desse acordo”, disse o primeiro-ministro israelita a Brett McGurk, conselheiro da Casa Branca para o Médio Oriente. As palavras do líder israelita, escreve o Politico, surgiam numa altura em que a opinião pública de Telavive culpava o chefe do executivo por ainda não ter trazido os reféns de volta a Israel. Já não era apenas uma questão moral — era igualmente uma necessidade política. 

Apesar da recetividade dos dois lados, continuava a haver complicações ao desenrolar das negociações. Israel mantinha a sua invasão militar da Faixa de Gaza, cortava as comunicações e tornava complicado que o Hamas revelasse mais informações e confiasse nos aliados. Aliás, o grupo islâmico suspendeu as negociações com os mediadores deste acordo, incluindo os EUA, por conta dos ataques contra o hospital al-Shifa.

Segundo ainda o Politico, as negociações reabriram após as Forças de Defesa de Israel prometerem ao Hamas que o hospital permaneceria aberto. A ofensiva diplomática dos Estados Unidos prosseguiu, desta vez com o diretor da CIA, William J. Burns, a fazer um périplo pelos países do Médio Oriente. Ao mesmo tempo, o Qatar servia como intermediário do Hamas, sendo aquele país o responsável por divulgar os primeiros pontos de um eventual acordo.

Esta espécie de rascunho do Hamas, que tinha como base o princípio de que “mulheres e crianças fossem libertadas em primeiro lugar, mas com a expectativa de futuras libertações”, foi aceite por Israel. Brett McGurk esteve em território israelita, encontrou-se com os membros do gabinete de guerra de Netanyahu e o plano recebeu luz verde, ainda que Israel tenha introduzido algumas alterações que careciam da aprovação do grupo islâmico.

As últimas 48 horas do acordo foram de avanços e recuos. O Hamas apenas deu luz verde ao acordo na terça-feira; a partir daí, só faltava Benjamin Netanyahu apresentar o plano aos membros do seu governo, numa reunião que entrou pela madrugada de quarta-feira. No entanto, os Estados Unidos já davam praticamente por garantido que haveria um acordo. Aliás, Joe Biden chegou a dizer, na terça-feira à tarde, que estava “muito, muito perto”.

Quando saiu o comunicado oficial do gabinete oficial do primeiro-ministro israelita , na madrugada de quarta-feira (ainda terça-feira em Washington), a Casa Branca suspirou de alívio, conta o Politico. Isto porque, como resumiu fonte da Casa Branca ao jornal, terminavam “cinco semanas penosas” de negociações. A primeira grande fase do processo de libertação de reféns tinha sido concluída com sucesso.