A Operação Influencer trouxe ao de cima o tema do lobbying — uma área que esteve para ser regulamentada com uma lei aprovada em julho de 2019 na Assembleia da República mas que acabou vetada pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. E a pergunta que muitos colocam é simples: se o lobbying estivesse regulado em Portugal, Lacerda Machado podia ser classificado como um lobista?
A resposta não é totalmente clara mas, tendo em conta as incompatibilidades e impedimentos que a lei aprovada em 2019 previa, é pouco provável que Lacerda Machado pudesse ser classificado como lobista. Porquê? Tudo dependeria do ano em que tivesse deixado de aconselhar o primeiro-ministro, visto que a lei impunha um período de nojo de três anos.
No Justiça Cega desta semana, o lobista Henrique Burnay explicou em pormenor como funciona o sistema regulado de lobbying na Comissão Europeia e no Parlamento Europeu, dando exemplos muito práticos do que é permitido e não é permitido fazer, das obrigações e deveres dos lobistas e de como as reuniões formais devem ser feitas. Um pormenor relevante: até as portas das salas de reuniões devem ser deixadas abertas e não podem participar apenas duas pessoas.
Além de todas as regras de transparência de disponibilização de informação, o sistema europeu de regulação de lobbying obriga também ao registo das propostas de alterações legislativas, por exemplo, que são apresentadas pelos representantes de interesses aos decisores.
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“Um lobista é alguém que representa uma entidade e pode ser a empresa onde trabalha, ou trabalhar numa consultora e representar diferentes clientes, ou ser alguém dentro de uma ONG que faz a interação com os decisores. Há uma expressão em inglês que ajuda um bocadinho a perceber isto, que é fazer advocacy. Ou seja, advogar determinados temas. É alguém que representa os interesses de uma determinada entidade junto dos decisores”, explica Burnay.
“A representação de interesses promove a transparência”
José d’Aguiar, vice-presidente da Associação Portuguesa das Empresas de Conselho em Comunicação e Relações Públicas que tem sido uma das grandes defensoras da actividade do lobbying, diz que o sistema que a lei de 2019 previa para Portugal “não era muito diferente do que existe nas instituições europeias.”
“Desde 2015 que o lobbying está regulado nas instituições europeias. Em 2021, houve uma recisão e novo um acordo inter-institucional entre a Comissão [Europeia], o Parlamento [Europeu] e o Conselho [Europeu], que no fundo regula aquilo que é a atividade de representação de interesses — e que é uma atividade de representação de interesses que promove a transparência, melhora os processos de decisão, qualifica esses mesmos processos de decisão e traz mais segurança a todas as partes envolvidas”, defende Aguiar, sócio da agência All Comunicação.
Aguiar dá mesmo o exemplo dos contributos legislativos que os lobistas poderão dar — e que passarão a ficar registados. “Esse documento não só passa a ser conhecido, como se propõe a criação de um mecanismo de pegada legislativa para permitir perceber quem, em que momento, é que oferece contributos para um determinado resultado. Num contexto desses, tal informação deve poder ser conhecida por quem tem interesse nesse processo, inclusivamente por pessoas que até defendem interesses opostos”, além dos media e de outras entidades que escrutinam os poderes públicos, explica o gestor.
José Aguiar defende que, “não é pela circunstância de existirem regras que não vão deixar de existir irregularidades. Mas quando as regras existem, quando elas são previsíveis, quando elas são conhecidas, simples e claras tudo aquilo que fugir a essas regras está desenquadrado e é mais facilmente sancionado”, conclui.
“O crime de tráfico de influências não vai desaparecer com a regulação do lobbying”
O advogado Diogo Santana Lopes, especialista na área de compliance e na prevenção da corrupção, entende que “o sistema da União Europeia é bastante transparente em teoria. Ou seja, é bastante completo na disposição de uma série de regras. Mas a verdade é que depois falha na questão da implementação prática. Sabemos, por exemplo, que, o zelo no registo de actividades no Parlamento Europeu não é o mesmo do que na Comissão Europeia”, afirma.
Pior são os casos como o Qatar Gate, que “não é necessariamente um tema de lobbying”, enfatiza Santana Lopes, “mas que tem levado a que se reivindique a uma revisão das regras de lobby para incluir, por exemplo, funcionários de estados estrangeiros”, explica.
Outro caso enunciado pelo jurista, como forma de alertar para o facto de o sistema de lobbying também ter os seus problemas e falhas, prende-se com o caso de Neelie Kroes, antiga comissária europeia para a Concorrência no tempo de Durão Barroso como líder da Comissão.
“A sra. Kroes pediu autorização na Holanda para representar uma empresa mas conseguiu a mesma. Ainda assim está agora com um processo, precisamente por ter avançado com a representação da Uber em segredo, junto de governantes holandeses”, enfatiza Santana Lopes.
“Estou de acordo que a regulação do lobbying traria transparência mas a regulação não altera aquilo que se chamam os elementos do tipo do crime de tráfico de influência. Ou seja, os critérios para se considerar que um determinado comportamento é tráfico de influência não seriam diferentes. O crime de tráfico de influências não vai desaparecer com a regulação do lobbying”, diz o advogado.
“Não é por acaso que na negociação da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, já em 2008, que vários Estados nas negociações levantaram a questão de essa definição, por ser tão abrangente e que pode incluir atividades de representação de interesses. Mas a verdade é que Portugal, por influência do Greco [um organismo do Conselho da Europa], tem uma definição muito larga, muito difusa”, explica.
Oiça aqui a versão integral do “Justiça Cega”