O acordo alcançado esta terça-feira entre os médicos e o Ministério da Saúde “pode abrir uma caixa de Pandora”, dizem os enfermeiros, que falam numa “discriminação imoral” por parte do governo em relação às outras profissões da área da saúde, cujos aumentos ficarão limitados à atualização salarial da Função Pública. “Se paralisarmos o trabalho extra, também vamos ter aumentos de 15%?”, questiona o presidente do Sindicatos dos Enfermeiros, em declarações ao Observador. Também os técnicos de diagnóstico e terapêutica sublinham que, “neste momento, há uma discriminação” e defendem que o governo “deveria valorizar a carreira de todos”.

“Há uma discriminação deliberada, há um medicocentrismo”, diz ao Observador Pedro Costa, presidente do Sindicato dos Enfermeiros, sublinhando que os enfermeiros em início de carreira ganham pouco mais de 950 euros líquidos, enquanto os médicos vão ter aumentos de pelo menos 400 euros. “É no mínimo imoral”, critica Pedro Costa.

Sindicato dos Enfermeiros acusa Ministério de “virar profissionais contra profissionais”

O responsável questiona a diferença de tratamento entre os médicos e os enfermeiros. “Reunimos uma única vez com Manuel Pizarro. Com outros profissionais, há reuniões ao sábado, ao domingo, à noite…”, realça Pedro Costa, questionando também as cedências do Ministério da Saúde perante a forma de protesto dos médicos, que está a afetar o funcionamento das urgências hospitalares. E deixa um aviso. “Quem faz mais horas extra no SNS não são os médicos, mas os enfermeiros. Se paralisarmos o trabalho extra, também vamos ter aumentos de 15%?”, questiona o presidente do Sindicato dos Enfermeiros.

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Ministério pondera alargar aumento de 15% a todos os médicos. Na versão atual, milhares ficariam fora do acordo com o SIM

Pedro Costa alerta ainda para uma outra realidade, que pode ser despoletada pela diferença de tratamento entre os médicos e os enfermeiros. “Ao virar profissionais contra profissionais não vamos resolver nada, vamos ter menor eficiência das equipas. Como é que vamos motivar um enfermeiro a trabalhar noites e feriados por 950 euros?”, pergunta.

O sindicalista lembra que as negociações para a publicação de um Acordo Coletivo de Trabalho para os enfermeiros já se arrastam desde 2017 e “até hoje [o documento] não viu a luz do dia”. “É uma vergonha, somos a única classe profissional do setor da saúde que não tem um acordo coletivo de trabalho”, diz.

“O governo deveria valorizar a carreira de todos”, dizem técnicos de diagnóstico

Os técnicos de diagnóstico e terapêutica (em que se incluem os técnicos de análises e de radiologia e os cardiopneumologistas) também consideram que, com o acordo assinado com os médicos, o governo preferiu optar pela “discriminação” entre as classes profissionais da área da saúde. “O governo deveria valorizar a carreira de todos”, defende Luís Dupont, presidente do Sindicato Nacional dos Técnicos Superiores de Saúde das Áreas de Diagnóstico.

O responsável critica Manuel Pizarro por ter desvalorizado a negociação com estes profissionais. “Havia o compromisso do governo de negociar connosco e isso não aconteceu. Estamos bastante descontentes”, admite. “Um técnico em início de carreira ganha 1333 euros brutos. Há muita oferta ano setor privado e há situações em que não são preenchidas as vagas do SNS nas grandes cidades por causa do custo de vida”, garante Luís Dupont.