João Cadete de Matos, presidente da Anacom, está de saída. O mandato terminou em agosto, mas aguarda a substituição. Para o seu lugar irá Sandra Maximiano, a economista que esta quinta-feira esteve a ser ouvida no Parlamento no âmbito da indigitação, para que possa ser nomeada em conselho de ministros, em contra relógio face à iminente demissão do Governo, dissolução da Assembleia da República e convocação oficial de eleições.
Com “grande satisfação de dever cumprido”, Cadete de Matos, que entrou para a Anacom em 2017, em jeito de despedida no Encontro Nacional de PME do Setor das Telecomunicações, da Acist – Associação Empresarial de Comunicações de Portugal, fez um balanço do seu mandato e não deixou as críticas aos operadores em mãos alheias, acusando-os de terem desistido de concorrer e terem ficado “confortáveis com as suas quotas de mercado”. Mas foi dizendo que os preços vão baixar, assim que novos operadores entrarem num mercado que tem, na sua opinião, défice de concorrência.
No final de mandato assume a defesa, ainda mais vincada agora, de que os reguladores devem ser nomeados por concursos públicos, o que foi proposto pela Anacom mas não foi absorvido nem pelo Governo nem pelo Parlamento na nova lei das comunicações eletrónicas. Para Cadete de Matos não seria mais do que cumprir a diretiva europeia que fala na necessidade de haver procedimentos abertos e transparentes na nomeação dos reguladores.
“A pressão dos interesses instalados é muito grande, a pressão sobre o poder político é muito grande, as tentativas de condicionamento, com as ações em tribunal para tentar travar tudo e mais alguma coisa, é muito grande, mas objetivamente é importante ter reguladores independentes. Do primeiro ao ultimo dia, os reguladores têm de ser independentes e que consigam estar centrados no cumprimento da sua missão, independentemente de todas as pressões, das tentativas de condicionamento, das contestações para garantir objetivo da sua missão”.
Cadete de Matos travou várias batalhas (até publicamente) com os operadores, nomeadamente Altice, Nos e Vodafone. E agora na despedida reforça a falta de concorrência que diz haver no mercado de telecomunicações e que leva, no seu entendimento, aos preços elevados. Mas deixa a garantia de que “os preços vão baixar em Portugal. Temos razões para saber que preços vão baixar, como aconteceu em Espanha, Itália, França com o aumento da concorrência, com a existência de concorrência efetiva”.
“Muitas vezes perguntam-me: ‘com três empresas não devia permitir haver concorrência?’ Devia, mas essas empresas desistiram de concorrer, ficaram confortáveis com a sua quotas de mercado, praticamente igual, e deixaram de ter ofertas competitiva, ficaram satisfeitos em ter os portugueses a pagarem pacotes com muitas coisas que não utilizam”. A Anacom não regula preços, mas recomendou “aos operadores que não acentuassem a divergência [de preços] face à União Europeia”, cujo gap, diz, “está a aumentar — este ano mais dois pontos percentuais, porque utilizaram a regra dos contratos e aumentaram os preços ao valor da inflação”.
A Anacom fez no ano passado e este ano voltou a recomendar que não houvesse em 2024 esse agravamento dos preços. “Tenho a certeza que quando os novos operadores começarem a ter ofertas competitivas iguais às disponíveis nos outros países de certeza que vão ter de baixar os preços. As campanhas de refidelização aumentaram e são permanentes e, por isso, tem um custo a saída de um operador e dificulta mobilidade”.
As fidelizações não acabaram no Parlamento, lembrou, recordando que a proposta da Anacom foi reduzir o preço limite para fidelizações dos 24 meses para 6 meses. João Cadete de Matos não tem dúvidas: “É uma falácia aquilo que é dito que os preços em Portugal seriam mais altos [sem fidelizações]. É o contrário. É uma falácia. Muitas vezes em Portugal julga-se que uma mentira repetida muitas vezes acaba por ser verdade”. E acrescenta uma crítica à Apritel e ao seu presidente, Pedro Mota Soares, que “insiste em dizer que a Anacom não tem razão e que os preços são dos mais baixos da Europa. Não lê as estatísticas do Eurostat, da OCDE, e procura negar a realidade”.
“A realidade vai comprovar que está errado, porque os preços vão baixar, porque vai haver concorrência, porque estão muito elevados, isso vai acontecer no próximo ano. Será um movimento progressivo e o peso dos operadores é muito grande, qualquer novo operador vai ter dificuldade. Mas se isso aconteceu noutros países, também estamos convencidos que vai acontecer em Portugal”.
E ainda sobre as contínuas trocas de dados entre Anacom e Apritel em que a primeira vê preços elevados em Portugal e a segunda (associação dos operadores) vê preços baixos, Cadete de Matos responde: “impressiona-me que num país democrático há quem não utilize as estatísticas oficiais, o INE, a Anacom, o Eurostat e fabrique um estudo, com uma consultora, que foi paga e fez um estudo com alguns países e algumas ofertas, para tentar demonstrar o que é impossível de ser demonstrado. Todas as organizações identificam que os portugueses contribuem excessivamente com uma parcela do seu rendimento para as comunicações. Os preços são dos mais elevados e isso só se resolve com concorrência”, que o 5G trará e também na rede fixa. Cadete de Matos fala, também, do que aconteceu com as ofertas de satélite, em que a Starlink começou por oferecer preços de 100 euros e que já os foi baixando e também deverá sofrer nova queda quando chegarem novas ofertas.
No setor, “há trabalho a fazer para sustentar e promover a concorrência e combater a cartelização e qualquer prática anticoncorrencial”, assume, em conclusão, João Cadete de Matos, defendendo que muito tem sido feito. Não apenas na rede móvel, nomeadamente com o leilão de 5G, como na rede fixa, com o mapeamento das zonas brancas (que não têm rede) — avisando que é importante que não volte a acontecer um processo como o da Fibroglobal, que só forneceu a Altice (“um escândalo” que “espero que não volte a acontecer”) e o anunciado lançamento do concurso para a sua cobertura, ou ainda o lançamento do concurso para o novo cabo submarino de ligação às ilhas — alertando para a necessidade de se substituir também o ramo interilhas. E as tais ofertas de internet via satélites de baixa altitude.
“Há razões para estarmos otimistas de que o trabalho feito vai dar resultados”.
No 5G, os operadores têm um mês para cumprir a primeira meta de cobertura. E a Anacom já garantiu que vai fiscalizar, lamentando Cadete de Matos que não se tenha chegado a acordo entre operadores para roaming nacional, mas aplaude a partilha por parte da Nos e Vodafone das suas antenas.
Num encontro da Acist, uma associação de PME, Cadete de Matos não poupou outras associações, como a Apritel e a APDC que, diz, deixaram-se “capturar e estão hoje subjugadas aos interesses dos três operadores, o que não devia acontecer porque quer uma quer outra têm muitos associados e muitos interesses que devem defender”.