Marcelo Rebelo de Sousa sublinha a “necessidade de se elevar a consciência crítica junto das elites políticas e económicas” para inverter a “nefasta perceção pública” sobre o fenómeno da corrupção em certos setores de atividade em Portugal. A afirmação é feita numa nota no site da Presidência, onde se assinala o Dia Internacional Contra a Corrupção, uma efeméride deste sábado e surge num contexto de dúvidas sobre até onde foi a intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa no caso que envolve um suposto tratamento preferencial na dado a duas gémeas luso-brasileiras no Hospital de Santa Maria.

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Na área económica, o Presidente lembra que é necessário “progredir institucional e juridicamente no combate legislativo e operacional aos fatores de risco mais abundantes identificados pela Comissão Europeia”. A nota do chefe de Estado não menciona episódios, mas fala em questões como “os conflitos de interesses, os financiamentos duplos, a cartelização, ou a ausência de capacidade técnica e de uma cultura organizacional antifraude e economia não-registada”.

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Também há espaço para o “reconhecimento” a várias iniciativas que percorrem o país para alertar para o fenómeno da corrupção, com a “participação de escolas, universidades, observatórios, centros de investigação e organizações não-governamentais, mobilizando os jovens para a literacia e a ética sobre a corrupção e a transparência”. Na ótica de Marcelo Rebelo de Sousa, iniciativas do género representam “um reforço do papel da sociedade civil para a melhoria dos alicerces da nossa democracia”.

Este ano, o Dia contra a Corrupção coincide com o 20.º aniversário da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. À Lusa, a Frente Cívica diz que Portugal fracassou no combate à corrupção, com o vice-presidente João Paulo Batalha a dizer inclusive que os “mecanismos de prevenção da corrupção em Portugal são uma ficção”.

A Frente Cívica lembra que a efeméride é assinalada num momento em que o Governo caiu devido a suspeitas de tráfico de influências, na operação Influencer, ou até o episódio que levanta suspeitas ao papel do Presidente da República no acesso das gémeas luso-brasileiras a um medicamento de milhões de euros.

Presidente da Frente Cívica diz que o Presidente perdeu a “legitimidade moral”

Já Paulo Morais, presidente da mesma organização, vai mais longe ao considerar que o Presidente perdeu a legitimidade moral por causa deste caso.  “Neste momento a dignidade já se perdeu completamente. Estamos numa situação com um governo demissionário, uma Assembleia que está em fim de ciclo, obviamente, o Presidente não pode neste momento, digamos, deixar cair o poder na rua, mas numa situação mais normal, é evidente que o Presidente teria, perante o parlamento, explicar todas estas situações, porque, quando um Presidente da República se coloca na posição de tratar de casos individuais é o reconhecimento do mais alto magistrado da nação que aceita que as instituições não funcionam”, disse Paulo Morais, à margem das comemorações do Dia Internacional Contra a Corrupção, na Póvoa de Varzim.

Para já, os partidos no Parlamento afastam o cenário de pedir investigação criminal, como revelou o Observador.

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Questionado pelos jornalistas sobre se o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, tem legitimidade para se manter no cargo, Paulo Morais disse que não tem “legitimidade moral” e, acrescentou, que o Presidente da República “não tem nas suas funções previstas, nem na Constituição, nem qualquer outro instrumento legislativo, andar a meter cunhas”.

“Não tem moralidade. Legitimidade formal naturalmente tem. Ele foi eleito, não foi demitido, enquanto o parlamento não decidir e investigar qualquer eventual crime que o Presidente cometa, tem legitimidade. O problema da legitimidade do Presidente, nem é, em boa verdade, não é o Presidente. Se alguém quer colocar em causa a legitimidade do presidente, e de facto está ferido de morte na forma como exerce o seu mandato, mas quem tem de por em causa a legitimidade formal do Presidente é o parlamento, que pode pedir a investigação por um eventual crime de tráfico de influências no exercício da função presidencial”, disse Paulo Morais.

No início da semana, Marcelo Rebelo de Sousa disse que tinha recebido um email do filho, Nuno Rebelo de Sousa, algo que levantou suspeitas sobre um alegado envolvimento do chefe de Estado no processo.

De acordo com o relato do Presidente, o filho terá dito nesse email que um “grupo de amigos da família das duas crianças gémeas se tinha reunido e estava a tentar, a todo o transe, que elas fossem tratadas em Portugal”. Tratava-se, segundo disse, de uma “corrida contra o tempo“.

Porém, nas declarações de segunda-feira, Marcelo Rebelo de Sousa disse esperar “bem” que Nuno Rebelo de Sousa “não tenha falado” com o Ministério da Saúde — e fez questão de sublinhar que não deu autorização a ninguém para invocar o seu nome para qualquer tipo de favorecimento.