Foi um ano quase perfeito. Não terminou com o último objetivo ainda por alcançar, que passava pela vitória na Taça Davis em representação da Sérvia, e teve até uma “anormal” derrota frente ao italiano Jannik Sinner quando tinha o encontro na mão, mas nem por isso deixou de ser um ano quase perfeito. Em 2023, o ano em que Rafa Nadal “caiu” por lesão numa espécie de antecâmara da inevitável despedida do circuito profissional, Novak Djokovic conseguiu mostrar que sabe gerir melhor do que nunca a carreira desportiva e nem mesmo os 36 anos impediram que colocasse um travão num virar de página depois da era dos Três Mosqueteiros: fez história com a vitória no Open da Austrália, voltou a ganhar Roland Garros, foi à final de Wimbledon onde só caiu perante a melhor versão de Carlitos Alcaraz, venceu os Masters de Cincinnati e Paris entre o US Open e o ATP Finals. Segredo? Trabalho, perseverança e um ingrediente que poderia complicar as contas.

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“Os mais jovens chegam com muita fome e estão muito inspirados para jogar o seu melhor ténis contra mim. Isso é uma motivação adicional para tentar ganhar”, contou numa entrevista ao “60 Minutes” da CBS News, onde fez uma retrospetiva de toda a carreira sem esquecer o ponto mais baixo que foi a proibição de jogar o Open da Austrália (com toda a novela que se criou) por não estar vacinado contra a Covid-19. “Tive o mundo todo contra mim. Fui declarado um vilão do mundo. Tive esta experiência em campos de ténis com público que talvez não me apoiasse mas nunca tinha vivido algo assim na minha vida. Não sou anti-vacinas, também não sou a favor de vacinas, sou apenas favorável a que se tenha a liberdade de escolha”, destacou.

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Tudo isso acabou por fazer com que, durante um determinado período, sentisse que estava a jogar contra o público, naquilo que Djokovic descreve como uma espécie de adversário extra. “A quantidade de pressão e stress é muito mais alta quando tens os adeptos contra ti. A maior parte da minha carreira enfrentei ambientes que eram mais hostis para mim e aprendi a enfrentar esse ambiente. As pessoas acreditam que é melhor se não gostarem de mim e isso faz com que saque do meu melhor ténis mas gosto muito mais quando estou num ambiente em que sinta um maior apoio”, esclareceu o jogador que recentemente sentiu isso mesmo no ATP Finals em Turim, com o público a torcer pelo elemento da “casa”, Jannik Sinner.

A força mental não é um presente que te oferecem, é algo que consegues através do trabalho. Nos momentos em que estás debaixo de uma tensão maior, parece que estou bloqueado mas na realidade tenho uma tormenta dentro de mim. A maior batalha que existe é contigo mesmo. Tens as tuas dúvidas, os teus medos, e sinto isso em todos os jogos. Não gosto muito daquela mentalidade que vejo no desporto de coisas como ‘Pensa em coisas positivas, sê otimista, não há espaço para erros ou dúvidas’. Isso é impossível, és um ser humano. A diferença entre os rapazes que são capazes de estar entre os grandes campeões e aqueles que lutam por chegar mais alto é a capacidade de não ficarem presos nas suas emoções muito tempo. Para mim isso é um período curto. Quando sinto, reconheço isso e talvez expluda. Grito no court, às vezes isso faz com que passe e consigo recuperar para reiniciar o meu jogo”, refletiu ainda o tenista que lidera o ranking ATP.

Partir raquetes? Não me sinto orgulhoso disso, sinto até vergonha de mim mesmo quando o faço, não tenho dúvidas. Mas depois aceito-me como um ser humano imperfeito”, assumiu.

Djokovic aproveitou também para falar de forma aberta sobre a relação que tem com Roger Federer e Rafa Nadal, com quem partilhou o topo do ténis mundial na última década e meia. “Tenho um grande respeito pelos dois mas não somos amigos porque somos rivais, o que dificulta que estejamos próximos e possamos partilhar intimidades das nossas vidas que poderiam ser depois utilizadas contra nós. Partilhámos o cenário do ténis mundial durante todos os anos com grande respeito e por isso espero que um dia, quando a cortina cair, nos possamos sentar, falar e fazer uma reflexão sobre tudo. Seria fantástico”, referiu. “Consegui ganhar ao Federer na final de Wimbledon em 2019 por 13-12 no quinto set. Os sets que ganhei foram todos no tie break, pelas estatísticas vê-se que ele foi melhor em todos os aspetos mas ganhei e mostrei que se pode chegar à vitória quando se percebe os momentos do jogo em que tens de alcançar o teu ponto máximo e o teu melhor ténis”, acrescentou, a propósito da principal vitória que teve na carreira.

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“Há alguns anos sonhava com o dia em que a minha filha e o meu filho fossem capazes de me ver a ganhar Wimbledon. Isso já aconteceu algumas vezes e sou um privilegiado por ter vivido isso”, salientou ainda Novak Djokovic, entre elogios a Carlos Alcaraz (“o tenista mais completo que vi nos últimos anos”, frisou), o jogador que abriu uma oportunidade ao sérvio para “reinventar a forma de jogar”. “Para mim é normal ter sede de vitórias. É perfeitamente normal ser honesto, ser autêntico, expressar o que sinto. Só tento ser sincero comigo mesmo e com os outros para dizer quais são as minhas metas e os meus objetivos. Final da carreira? Quando os mais novos começarem a dar-me pontapés no rabo significa que chegou o momento de fazer uma reflexão mas por agora isso ainda não está a acontecer”, completou o jogador sérvio.