Quando passou por ele, não deixou de achar intrigante o que trazia vestido e a tranquilidade com que andava, sob “grossas pingas de chuva”, à beira da estrada. Mas decidiu seguir viagem. Já quando viu uma segunda vez o jovem “um pouco alto e loiro”, que levava umas “calças pretas, uma camisola branca, uma mochila, um skate debaixo do braço e uma lanterna”, resolveu parar.
Fabien Accidini, um estudante de Medicina de Toulouse, França, que também trabalha como estafeta de produtos farmacêuticos, perguntou, então, ao jovem se queria boleia. “A atitude dele deu-me uma certa confiança. Acabou por entrar na minha carrinha”, disse, na quarta-feira, ao jornal francês La Dépêche du Midi.
“Nos primeiros minutos, ele parecia um pouco tímido. Tentámos falar em francês, mas percebi que ele não dominava, por isso comunicámos em inglês”, recordou. O estudante francês perguntou-lhe o nome e ele começou por dizer que se chamava Zach. Só passadas “mais de três horas” de conversa fiada é que Alex Batty se sentiu à vontade para revelar a verdadeira identidade, antes de lhe “contar a sua história”.
“Ele disse-me que a sua mãe o tinha raptado quando tinha 11 anos. E que tinha vivido em Espanha, numa casa de luxo, durante três anos, com cerca de dez pessoas”, revelou o estudante.
Tal batia certo com as notícias que davam conta do seu desaparecimento. Em 2017, o jovem com nacionalidade britânica, que tinha na altura 11 anos, viajou de Oldham, no Reino Unido, para Málaga, em Espanha, com a mãe, Melanie Batty, e o avô, David Batty. Como a progenitora acabara de perder a sua guarda, a avó, Susan Caruana, teve de emitir uma autorização para a viagem.
Após saber que os três tinham aterrado em solo espanhol, nunca mais ouviu notícias dos três. A não ser no dia de regresso ao Reino Unido, que era suposto ter acontecido a 8 de outubro desse mesmo ano. “Eles chegavam à tarde e o meu marido estava a preparar-se para ir buscá-los”, recordou, em 2018, ao jornal britânico The Sun. “Mas depois recebi uma mensagem no Facebook com um vídeo”.
Com os três sentados em fila, o vídeo consistia numa espécie de anúncio oficial para dizer que não iam voltar para casa. “Todos falaram e a Melanie deu razões para o porquê de ter feito o que fez. O Alex disse que era milhões de vezes melhor estar com a mãe e o avô. Claro que aquilo me magoou, mas depois as minhas outras preocupações vieram ao de cima”.
O adeus à escola e as boas-vindas ao mundo espiritual
As crenças foram o que dividiu a família Batty. Antes do rapto de Alex, a mãe e avô do jovem discutiam com a avó sobre o modo de vida que consideravam que o jovem devia ter. Enquanto que Suzan preferia um estilo mais tradicional — “viver cada dia de cada vez, como as pessoas normais” — a filha e o ex-marido preferiam um mais espiritual.
“A razão pela qual acho que o fizeram foi porque, basicamente, a minha vida, as minhas crenças, não iam de acordo com as deles”, disse ao jornal britânico, em 2018. “Eles não queriam que fosse para a escola. Não acreditavam na escola tradicional”.
Esta mensagem levou a avó a pensar que eles pudessem ter fugido para adotar um “estilo de vida alternativo”, tendo contactado a polícia, informando-a de que podiam ter atravessado a fronteira para Marrocos, visto que já lá tinham vivido, em 2014.
O local estava errado, mas o que levou o jovem, que agora tem 17 anos, até lá, não. “Ele disse-me que vivia com a mãe numa comunidade espiritual longe da vida normal”, desde 2021, disse Fabien.
Contou que ela era um pouco maluca, mas que nunca o aprisionou. Ele podia sair se quisesse. Não tinha qualquer hostilidade contra ele”, disse ao jornal francês, que adiantou que a comunidade vivia em caravanas e tendas.
“No último fim de semana, ele decidiu abandoná-la, para se juntar à família em Inglaterra. Estava a caminhar já há mais de quatro dias“, recordou.
O jovem revelou que queria reunir-se com a sua avó e com os restantes familiares. “Nunca teve forma de comunicar com eles. Por isso, enviou uma mensagem à avó através do meu Facebook”, disse.
“Olá, avó. Sou eu, o Alex. Estou em Toulouse, França. Espero que recebas esta mensagem. Adoro-te e quero voltar para casa”, escreveu. Quando Suzan recebeu esta mensagem, não queria acreditar que fosse ser real. Preferiu resguardar-se no silêncio e, com a ausência de resposta, Alex tentou seguir outros caminhos para voltar para casa.
“Ele queria ir para uma grande cidade, encontrar ajuda e ir à embaixada. Mas eu expliquei-lhe que os gendarmes podiam vir buscá-lo”, lembrou o estudante.
Fabien cumpriu com o prometido e levou-o para uma esquadra em Revel, perto de Toulouse, onde Alex contou aos agentes quem era. “Eles interrogaram-nos para perceber se era mesmo ele. Quando tiveram a confirmação, foi levado pelos serviços sociais, para passar a noite numa casa”.
As autoridades francesas acabaram por contactar a família, que ficou extremamente “aliviada” ao saber que estava em segurança. “Estou feliz em saber que foi encontrado, porque não sabíamos dele há seis ou sete anos. Ainda bem que está em segurança. Vem para casa na próxima semana“, assegurou a tia, Maureen Batty, de 73 anos, ao The Times.
Já a avó, apesar de não ter respondido à mensagem de Facebook, não perdeu a oportunidade de falar com o neto quando recebeu a chamada das autoridades francesas. “Já falei com ele e é definitivamente ele. Quando estava connosco, falava com um menino. Agora, falei com um homem”, disse ao mesmo jornal.
“Espero que regresse na próxima semana. Adorava que não tivéssemos o fim de semana pelo meio. É um pouco inacreditável não saber se alguém está vivo ou morto”, confessou.
Um “homem” a tentar convencer todos de que é o “menino” raptado
Apesar de a avó assegurar que não tem dúvidas quanto à sua identidade, ainda há muitas perguntas a fazer a Alex. Na conferência de imprensa desta sexta-feira, a polícia de Great Manchester, a região onde o rapaz vivia antes de ser raptado, disse que serão feitas “outras verificações” quando o jovem regressar ao Reino Unido.
O chefe-adjunto da polícia, Chris Sykes, disse, citado pela BBC, que as autoridades francesas já lhes entregaram o caso, mas que continuarão a colaborar com Inglaterra para “assegurar medidas de proteção” e para levar Alex de volta para casa “o mais depressa possível”.
Na conferência, o chefe-adjunto evitou comentar as diferentes localizações do jovem, tendo dito apenas que ele viveu nos Pirenéus nos últimos anos, e da sua mãe e avô, tendo apenas referido que “Alex e a sua família continuam a ser o foco” das autoridades.
Também na sexta-feira, a procuradoria de Toulouse deu uma conferência de imprensa, onde forneceu mais informações sobre o paradeiro da mãe e do avô do jovem.
O procurador Antoine Leroy, citado pela BBC, disse que Alex decidiu abandonar a mãe, quando esta lhe contou que iam mudar-se para a Finlândia, sendo aí que as autoridades acreditam que se encontra.
No entanto, como o procurador referiu, mesmo que a localizem, a “única investigação a decorrer é na Grã-Bretanha”, havendo, por isso, um mandado internacional para deter Melannie.
Já em relação ao avô, as autoridades pensam que “talvez tenha morrido há seis meses”. Apesar de o jovem ter dito que não foi ao funeral, mencionou que houve uma cerimónia na comunidade onde estavam por volta dessa altura.
Alex revelou às autoridades a família vivia como “nómada”, tendo dito que, depois de Málaga, os três viajaram para Marrocos e de seguida para os Pirenéus. No entanto, devido a estas constantes mudanças, o jovem não consegue indicar localizações exatas.
Ainda precisamos de saber mais”, disse Leroy. “Havia uma fobia em relação a certos elementos da vida, o que significava que a família viajava numa comunidade de dez pessoas de cada vez”, continuou, acrescentando que eles viviam no “domínio de comunidade”.
O procurador voltou a assegurar de que estão a ser feitos todos os esforços para levar Alex de volta para a sua família, tendo dito que o jovem regressará ao Reino Unido “provavelmente amanhã (sábado)”.
Questionado pelos jornalistas sobre detalhes das comunidades por onde o jovem passou ao longo dos últimos anos, o procurador disse que não havia quaisquer sinais de que fosse um “culto”, não havendo também informações sobre outras crianças presentes.
O procurador disse ainda que, ao falar com ele, pareceu-lhe “um adolescente normal”, não dando sinais de ser iletrado, tendo em conta que esteve tanto tempo sem frequentar a escola.
As autoridades referiram também que Alex Batty pode ter sido alvo de abusos sexuais, mas que este referiu que “não foi durante o seu tempo na comunidade, mas sim antes”. No entanto, disse que não queriam pressioná-lo a revelar mais e que esperam que se “abra mais” quando estiver próximo da família.
Eles ainda não o estão a pressionar”, referiu a tia, Maureen, acrescentando que acha que o sobrinho levou uma “lavagem cerebral”. “Alex não teve qualquer educação enquanto lá esteve, por isso não sabemos como vai ser quando chegar a casa. Isso afetou-me. Ele passou por um mau bocado. É uma confusão”.
Ainda que tema o pior, a tia de Alex tem uma réstia de esperança. “Disseram-me que ele fugiu e que não queria aquele estilo de vida. Por isso, ele está a pensar conscientemente. Só quero saber a verdade e o que se está a passar”, desabafou.