Num plano meramente teórico, as meias-finais do Mundial de Clubes não deveriam significar mais do que um mero carimbar de favoritismo entre o campeão da Europa e o campeão da América do Sul. No entanto, e com o passar dos anos, essa lógica mudou. Que o vencedor da Liga dos Campeões da UEFA não só chega à decisão por certo como muito provavelmente ganha a competição, não há grandes dúvidas – e já lá vão dez conquistas consecutivas para equipas do Velho Continente. Que o vencedor da Taça dos Libertadores passa de forma matemática à final, aí as dúvidas foram aumentando nas derradeiras edições entre surpresas da Ásia e da América do Norte. E era nesse cenário que o Fluminense chegava à Arábia Saudita, entre o sonho de Fernando Diniz poder defrontar Pep Guardiola na final caso o Manchester City fosse à decisão e uma quase “obrigação” de não deixar cair os sul-americanos como aconteceu em 2022 com o Flamengo.

Pela frente, o Al Ahly. Em condições normais seria o Al-Ittihad da Arábia Saudita, formação anfitriã que foi convidada para participar na competição por ter ganho a Liga em 2022/23 e que se reforçou com nomes de peso como Karim Benzema, N’Golo Kanté ou Fabinho, entre outros, e trocou de treinador para apostar na estrela em ascensão Marcelo Gallardo. Não foi. E a formação egípcia, com uma segunda parte que deitou por terra as ambições sauditas com golos quase de rajada, conseguiu prolongar o domínio no plano africano para o Mundial de Clubes entre um apoio fervoroso de milhares de adeptos que se deslocaram ao país. Agora, o desafio passava por conseguir a terceira final para o continente, depois de Mazembe (Inter em 2010, 0-3) e Raja Casablanca (Bayern em 2013, 0-2), tendo perdido o efeito surpresa que “apanhou” os anfitriões.

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“Embora as pessoas não falem muito disso, eu sei, e as pessoas também sabem, que conseguimos superar e transcender e muito as expectativas porque a nossa equipa é quase a mesmo do que quando cheguei. Houve poucas mudanças. Cheguei no dia 1 de maio do ano passado e acho que estávamos no 17.º lugar do Campeonato. Se olhar para trás e vir tudo o que aconteceu, é algo que deve ser enaltecido e que se deve ao muito trabalho que fizemos. A época começou com críticas fáceis, quando tínhamos um momento mais baixo muitos criticavam, se não tivéssemos ganho o Carioca e a Libertadores diriam que temos uma equipa velha. É assim, tínhamos muita gente só à espera de um tropeção para avançar para a crítica fácil…”, lamentou antes da partida Fernando Diniz, que é também selecionador brasileiro pelo menos até ao próximo verão, sem esquecer que o Fluminense tinha apenas a 11.ª folha salarial entre todas as equipas do Brasileirão.

“Pouquíssimas pessoas acreditaram que nós poderíamos ser campeões da Libertadores e conseguimos ser porque trabalhamos em silêncio, com muita humildade, respeitando os nossos rivais, mas a acreditar que poderíamos vencer. São as três palavrinhas que costumo falar: sonhar, profetizar e realizar. Por que não? Estou a sonhar. Agora há pouco estava ali falando com meu Deus, pedindo, profetizando. Todos os dias vamos para o campo para poder realizar isso, treinar bastante. Ninguém treina mais que o Fluminense. Depois, o sobrenatural, colocamos na mão de Deus”, destacara também o veterano Felipe Melo, de 40 anos, durante uma entrevista ao Globoesporte no hotel onde o Fluminense ficou hospedados em Jeddah.

Se Bernardo Silva, internacional português do Manchester City, tinha admitido gostar de fazer uma final de Mundial de Clubes diante do Fluminense, os jogadores mais experientes do conjunto do Rio de Janeiro não defraudaram essa expetativa. Além de Felipe Melo, que foi segurando a defesa, o guarda-redes Fábio, de 43 anos, esteve sempre à altura quando foi chamado, Marcelo, de 35 anos, ganhou a grande penalidade que deu a oportunidade para surgir o 1-0 e Paulo Henrique Ganso, de 34 anos, foi um maestro com a bola no pé. Depois, decidiu Jhon Arias. E se o colombiano deixou a porta aberta a uma possível saída do Brasil no final da competição, numa fase em que já foi apontado por mais do que uma vez ao FC Porto, antes recolocou uma equipa sul-americana na decisão onde terá pela frente os citizens ou os japoneses do Urawa Red numa partida onde brilhou também Matheus Martinelli, outro dos jovens com “selo de Europa” a par de André.

Quase empurrado pelo público que enchia o Estádio King Abdullah Sports City, o Al Ahly entrou melhor, com mais força no meio-campo contrário e a carregar para assumir cedo a vantagem, mas foi o Fluminense a ter a primeira grande oportunidade do encontro, com Keno a trabalhar bem na esquerda com Marcelo e Jhon Arias a surgir ao segundo poste para rematar de primeira ao poste (9′). Os africanos ficaram resguardados a partir daí, procurando apostar mais nas transições por aquilo que o encontro estava a dar, e foi o veterano Felipe Melo que evitou males maiores para os brasileiros num corte de carrinho na área que tirou o golo a Percy Tau antes de um canto que colocou a bola a andar na pequena área sem toque final (18′). O intervalo chegaria sem golos mas com mais dois capítulos a confirmar o que se passara até aí, com Arias a acertar de novo no poste após um canto batido por Ganso (24′) e Kahraba a aproveitar um remate prensado após transição rápida para desviar de cabeça para uma grande defesa de outro dos veteranos, Fábio (36′).

Apesar de ter algum favoritismo teórico pelo que conseguia jogar, o Fluminense ganhava na posse mas não conseguia chegar com perigo. Foi isso que Fernando Diniz tentou corrigir ao intervalo, com movimentos que tentavam surpreender o Al Ahly e que deram a oportunidade a Arias de visar novamente a baliza com perigo mas com a bola a passar perto do poste da baliza de El Shenawy. No entanto, o espírito guerreiro da equipa africana era um obstáculo sempre a ter em conta pelos brasileiros, com Fábio a evitar de novo o primeiro golo em mais uma saída rápida a aproveitar as subidas dos laterais contrários. Teria de surgir um rasgo individual para desequilibrar a partida e foi Marcelo que surgiu como protagonista nesse particular, “ganhando” uma grande penalidade a Percy Tau para Arias fazer o 1-0 de grande penalidade (71′). O sul-africano podia marcar o empate logo no minuto seguinte de cabeça mas seria o Fluminense a chegar ao 2-0, com John Kennedy, o herói da Libertadores, a não perdoar após uma assistência de Matheus Martinelli (90′).