Na última mensagem de Natal desta sua era, o primeiro-ministro em gestão fala para um país que sabe estar sobretudo a olhar para o que virá depois, por isso aproveita para avisar: “Temos muito trabalho em curso que não podemos parar“. A pouco mais de dois meses das legislativas antecipadas, depois do seu pedido de demissão, António Costa apareceu com um aviso que tem no centro essa escolha eleitoral. Também garantiu ter “confiança” no futuro, mas aqui para puxar o lustro àquilo em que a sua própria governação contribui para isso, sobretudo em matéria de redução da dívida — o que serve à picardia com o PSD, mas também de recado para dentro do próprio PS.

Costa sai, mas não sem dizer diretamente aos portugueses, neste dia de Natal, que deixa o país “preparado” para “vencer” os “desafios” que vierem. E por três razões, que enumerou, começando pelo aumento do nível de qualificações no país, que atribuiu ao “esforço das famílias”, mas também às “últimas duas décadas” de “políticas públicas” — em 14 desses anos o PS esteve no poder. A segunda razão é a transição energética e a “extraordinária oportunidade económica de criação de emprego, valorização de recursos naturais e de substituir importações por exportações” que pode significar. Deixa nas entrelinhas que o seu legado nesta matéria é ter deixado “o país da União Europeia em melhores condições para alcançar a neutralidade carbónica até 2045.”

A terceira razão é aquela em que maior responsabilidade acaba por reclamar: a redução da dívida pública. “Portugal conseguiu libertar-se de décadas de crónicos défices orçamentais. Foi essa libertação que nos tem permitido reduzir a nossa dívida pública. Mas fize-mo-lo com base no crescimento económico, na valorização dos rendimentos daqueles que trabalham e daqueles que vivem das suas pensões.” A afirmação que consta na mensagem de Natal tem sido um dos principais argumentos que os socialistas têm usado para atacar o rival PSD, apontando o período de austeridade e de cortes de salários e pensões que ocorreram quando PSD e CDS estavam no Governo — depois de um pedido de ajuda externa que aconteceu ainda durante a governação socialista (2011).

Para Costa, ter uma dívida controlada dá ao país e ao seu sucessor em São Bento “mais liberdade para decidir”. “Termos menos dívida significa maior credibilidade externa, mas significa, acima de tudo, maior liberdade para os portugueses“, afirmou na noite desta segunda-feira. Recorde-se ainda que o controlo da dívida é também uma questão dentro do próprio PS, com o novo líder a discordar do ritmo da redução que estava a ser imprimida pelo Governo. Pedro Nuno Santos tem defendido a manutenção desta linha de redução da dívida, embora de forma mais lenta para permitir acudir aos serviços públicos, nomeadamente nas áreas da Saúde e da Educação.

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Antes de chegar a este ponto, Costa já tinha sido muito direto na recolha de créditos da governação, em jeito de balanço, ainda que os enumere sempre numa partilha de mérito com os portugueses. “Juntos vencemos as angústias da pandemia; juntos temos garantido que a tragédia dos incêndios de 2017 não se repete”, começou por dizer. E logo de seguida acrescentou: “Juntos temos conseguido mais e melhor emprego; diminuímos a pobreza e reduzimos as desigualdades; recuperámos a tranquilidade no dia-a-dia das famílias; juntos temos atraído mais investimento das empresas e conquistado mais exportações; repusemos direitos e equilibrámos as contas públicas; juntos ultrapassámos dificuldades e juntos construímos um país melhor”.

Admite que “há problemas” que o país “ainda tem de ultrapassar” e diz que “terá de haver sempre força e determinação” para enfrentar esses mesmos problemas — e é aqui que avisa para o “muito trabalho” que ainda há para fazer e como não pode parar. “Perante as adversidades temos o dever de ser persistentes e de nunca desistir”, disse deixando “uma mensagem de confiança” na “capacidade coletiva”.

Com eleições marcadas e o Governo já em gestão, esta é a última mensagem de Natal de António Costa como primeiro-ministro. Já disse que se tudo decorrer “nos prazos normais”, o seu Governo cessará funções a 28 de março, no entanto, os resultados eleitorais e a eventual necessidade de negociações com vista a um apoio parlamentar suficiente para o futuro Governo podem atrasar a saída de Costa.