Christine Ourmières-Widener terá “sonegado informação” quanto ao cargo de administradora que tinha numa empresa de consultoria de viagens e aviação quando era CEO da TAP, “violando clamorosamente” o Estatuto do Gestor Público. É isso que, segundo o Eco, consta da contestação da defesa da companhia aérea entregue na segunda-feira em tribunal perante o pedido de indemnização de 5,9 milhões de euros reclamada pela gestora por ter sido afastada do cargo no ano passado.
A defesa da TAP alega que Ourmières-Widener é “fundadora, acionista e administradora da O&W Partners, com sede em Londres”, uma “empresa de consultoria de viagens e aviação (travel & airline consulting)”, sem ter informado ou pedido autorização à companhia aérea, aos acionistas ou a representantes do Governo. Por isso, considera que violou o regime de exclusividade, um motivo para a demissão por justa causa, anunciada em direto, na televisão, em março do ano passado.
Christine Ourmières-Widener já deu entrada com processo contra TAP. Reclama 5,9 milhões
Esta alegada incompatibilidade só foi conhecida pela TAP “no âmbito da preparação da presente ação”. A defesa sublinha que o Estatuto do Gestor Público define que o exercício do cargo “tem lugar em regime de exclusividade” e que o cargo de gestor público com funções executivas “é incompatível com o exercício de quaisquer funções profissionais, remuneradas ou não, bem como a integração em corpos sociais de quaisquer pessoas coletivas”.
Quando foi CEO da TAP, a gestora francesa acumulou funções em mais duas empresas, também sem autorização — foi administradora da ZeroAvia onde ainda se encontra, segundo o jornal online; e foi administradora não executiva do MetOffice, cargo que deixou em maio de 2023, e que lhe dava uma remuneração anual de 15 mil euros.
O entendimento da defesa é que independentemente dos motivos que levaram ao afastamento da gestora, “esta sempre deveria ser destituída, com justa causa, por violação do regime de exclusividade aplicável aos gestores públicos com funções executivas”.
Cargos em empresas mencionados na comissão de inquérito
Christine Ourmières-Widener falou destes cargos em abril, quando foi depor à comissão parlamentar de inquérito à TAP. No parlamento, a ex-CEO da TAP foi questionada, pelo deputado da Iniciativa Liberal, Bernardo Blanco, sobre uma nomeação como conselheira do comércio externo de França. “Segundo a documentação a que esta comissão teve acesso, a senhora CEO, há menos de dois meses, comunicou que tinha sido nomeada como conselheira do comércio externo de França, para um mandato de três anos”. A pergunta visava perceber se este cargo violava o regime de exclusividade da CEO. Na resposta, Ourmières-Widener falou dos cargos que ocupava nas duas empresas agora apontadas pela TAP.
“Eu tenho outras duas funções, além da minha posição de CEO da TAP, que foram aprovadas pelo Governo quando entrei na companhia. Sou não executiva da MetOffice, uma empresa do Reino Unido, sou membro do conselho de administração. E também sou membro do conselho de administração de uma empresa americana que desenvolve soluções de propulsão a hidrogénio. Isso foi revelado quando cheguei, foi acordado no meu contrato, por isso é transparente”.
No mesmo sentido, também Ramiro Sequeira, ex-CEO interino da TAP, quando foi ouvido na comissão de inquérito, afirmou que o contrato de Christine Ourmières-Widener com a companhia foi negociado com advogados e tutela, pelo que cumpria “as boas práticas” do estatuto do gestor público. Foi também, segundo Sequeira, o acionista a aprovar que o contrato da CEO tivesse uma exceção à regra de exclusividade dos gestores públicos, para permitir a Christine Ourmières manter-se na administração de outras duas empresas.
A ex-CEO adiantou ainda que quando foi convidada para ser conselheira de França discutiu essa hipótese com Hugo Mendes, então secretário de Estado das Infraestruturas, que não terá visto problema na função, segundo Ourmiéres-Widener. Seria João Galamba a pedir para a CEO abdicar do cargo, que Ourmières Widener diz ter feito de imediato.
O Eco revela, ainda, que a defesa da TAP alega que Ourmières-Widener só teria a receber até 432 mil euros mesmo se fosse demitida sem justa causa, o que a companhia aérea também contesta. Esse valor corresponde ao salário mensal de 36 mil euros a 12 meses. A Lusa acrescenta ainda que a TAP alega que a ex-CEO “ocultou a celebração do acordo de cessação da maioria dos membros do conselho de administração, os quais sofreram o vexame de saber pela comunicação social, no final de 2022, que a empresa de que eram administradores havia pago mais de meio milhão de euros à engenheira Alexandra Reis para esta sair”.
A defesa da TAP, escreve também o Eco, diz ainda que a companhia suspeita que tenham sido praticados pela ex-CEO crimes como “tráfico de influência, de oferta indevida de vantagem ou mesmo de corrupção”. Em causa está um negócio que o marido de Ourmières-Widener, Floyd Murray Widener, tentou fazer com a TAP quando trabalhava para a Zamna Technologies, uma empresa israelita. Também esse caso foi mencionado na comissão de inquérito. Teria sido, inclusive, uma das divergências entre a então CEO e Alexandra Reis, a gestora que saiu com uma indemnização de 500 mil euros.
Na altura, Christine desvalorizou o episódio, porque não foi assinado qualquer contrato com a Zamna. Alexandra Reis admitiu, no parlamento, que travou a contratação da empresa para a qual trabalhava o marido da então CEO por possível conflito de interesses. “Entendi dar aquelas indicações porque além do potencial conflito de interesses, aquela aquisição não estava orçamentada, nem prevista nem era uma necessidade que a empresa tivesse identificado”, disse aos deputados.
O Governo justificou a demissão com a “violação grave, por ação ou por omissão, da lei ou dos estatutos da empresa”. Em setembro, o ministro das Finanças, Fernando Medina, disse que não via “como” a ex-CEO poderia receber a indemnização milionária que reclama.
Medina não vê “como” ex-CEO da TAP possa receber indemnização