Em dezembro de 2013, a norte-americana Sara Rivers Cofield, arqueóloga e colecionadora de trajes antigos, deparou-se com um vestido da época vitoriana no Centro Comercial de Antiguidades de Searsport, no estado do Maine. Por 100 dólares (cerca de 91 euros), e devido ao seu “corpete muito largo”, segundo reportou Sara ao The Portland Press Herald, adquiriu a peça do século XIX.
Cofield constatou, através de catálogos da cadeia de grandes armazéns Bloomingdales’s, dos anos de 1880, que o vestido de seda e em tons de bronze, com punhos de renda, o busto folhado e botões de metal, praticamente intactos, pertencia àquela década. No entanto, estes não eram os únicos adornos do vestido: Sara encontrou um bolso secreto que continha dois pedaços de papel com notas escritas à mão.
Era uma lista de palavras e lugares aparentemente aleatórios, de acordo com a CNN e o TheNew York Times: “Bismark, omit, leafage, buck, bank / Calgary, Cuba, unguard, confute, duck, Fagan / Paul Ramify loamy event false new event. As notas na margem das folhas de papel sugeriam uma contagem de tempo. Além disso, havia uma etiqueta cosida no vestido com o nome “Bennett” escrito à mão.
Apesar de ser formada em arqueologia, Sara não conseguia decifrar o significado daquelas palavras. Já em fevereiro de 2014, criou uma publicação no seu blogue intitulada de “Bennett’s Bronze Bustle”, onde divulgou fotos do vestido e dos papéis, e solicitou a ajuda dos internautas para descodificar a mensagem: “Estou a colocá-lo aqui para o caso de haver por aí algum prodígio da descodificação à procura de um projeto”.
“Pensei que poderia fazer parte de uma história de espionagem”, disse a norte-americana ao Press Herald. A publicação entusiasmou — e intrigou — criptógrafos. Na internet apelidaram o mistério de “criptograma do vestido de seda” e, ao longo dos anos, foram lançadas várias teorias da conspiração acerca das palavras.
Bennett poderia ser uma espia, daí as palavras em código, poderiam ser medidas de um vestido, um bilhete de amor enigmático, ou códigos da Guerra Civil. Como o vestido era da década de 1880, altura em que a guerra já havia terminado há cerca de 20 anos, Sara descartou essa ligação.
Outra das especulações focou-se no telégrafo, difundido nos Estados Unidos (EUA) e meio de comunicação mais rápido nos anos de 1800, visto que para alguns, as palavras eram uma mensagem telegráfica codificada. Durante o século XIX, as mensagens eram enviadas em código, através do telégrafo, por ser cobrada uma taxa ao remetente, com base no número de palavras, ou de modo a proteger a privacidade das pessoas.
Durante o passar dos anos, os papéis acabaram por conquistar um lugar no “top 50 das mensagens encriptadas não desvendadas”. No entanto, Rivers Cofield não despendeu muito tempo sobre o assunto e “nessa altura, já tinha abandonado o blogue”, confessou à CNN.
As palavras em código eram, afinal, um boletim meteorológico
Entretanto, no verão de 2018, Wayne Chan, investigador do Centro de Ciências de Observação da Terra da Universidade de Manitoba, no Canadá, encontrou o blogue de Sara e imediatamente começou a estudar, verificando 170 livros de códigos telegráficos, impressos e online, disse à CNN e ao Press Herald.
No final de 2022, quando encontrou um livro que descrevia códigos meteorológicos utilizados, à época, pelo Corpo de Sinais do Exército dos EUA e pelo Gabinete Meteorológico dos EUA, e que transmitia observações meteorológicas por meio de um circuito telegráfico, segundo informa o The Washington Post, Chan descobriu, finalmente, o que indicavam as palavras de “Bennett”.
A mensagem era um boletim meteorológico, sendo que os códigos permitiam aos meteorologistas detalharem os relatórios em poucas palavras. As palavras correspondiam a variáveis meteorológicas como a velocidade do vento, a temperatura, a visibilidade e a pressão barométrica num determinado local e hora do dia, observadas no Texas, Indiana, Illinois, Mississippi, Território de Dakota (atual estado de Dakota do Norte) e enviadas a partir de diversas estações meteorológicas.
“Bismark, omit, leafage, buck, bank” significava que a leitura tinha sido realizada na estação de Bismarck, no Território de Dakota. A palavra código “omit” relaciona-se com uma temperatura do ar de 56 graus e uma pressão de 0,08 polegadas de mercúrio. Quanto a “leafage” correspondia a um ponto de orvalho de 32 graus, observado às 22h00 e “buck”, tempo limpo, com vento a norte e sem precipitação. Por último, “bank” referia-se à velocidade do vento a 12 milhas por hora e a um pôr do sol claro.
A descoberta de Chan demorou quatro anos a ser concluída, levando o investigador a assumir ao The New York Times que foi “provavelmente um dos códigos telegráficos mais complexos que alguma vez” viu. De acordo com ele, todas as estações enviavam os seus relatórios por telégrafo para um escritório central em Washington, DC.
A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica forneceu mapas meteorológicos antigos a Chan, como ajuda na sua pesquisa, o que o fez chegar à data exata das observações meteorológicas “escondidas” no vestido: 27 de maio de 1888.
À CNN, Chan declarou que “este código em particular não tinha qualquer objetivo de secretismo. Os códigos telegráficos eram utilizados por duas razões principais: secretismo e economia”. “O código meteorológico destinava-se a esta última. Como se cobrava por palavra num telegrama, eles queriam encurtar ou comprimir um boletim meteorológico no menor número de palavras possível para poupar nos custos.”, acrescentou.
As palavras eram compreendidas pelos meteorologistas através de um livro de códigos meteorológicos, esclareceu o investigador. Mas, com o decorrer do tempo, como aprendiam as palavras em código, não necessitavam de consultar o respetivo livro.
“As palavras eram organizadas de modo a que determinados pares de consoantes e vogais representassem valores numéricos específicos”, referiu Chan à CNN. “Era realmente um código muito complexo, embora a intenção não fosse o secretismo.”
Ainda na sua investigação, ao visualizar o relatório anual do Corpo de Sinais de 1888, Chan verificou a existência de uma lista com diversos observadores meteorológicos voluntários, incluindo o nome Mary C. Bennett, de Fairview, condado de Fulton, Illinois.
Com a sua descoberta, Chan escreveu um artigo académico sobre o assunto e informou Sara, contactando-a por email. A norte-americana ficou estupefacta, mas não surpreendida. Em conversa com a CNN, Sara disse que, devido à sua profissão — arqueologia — faz muita investigação sobre o passado e que há muito que se conformou “com o facto de nem todos os artefactos ou documentos revelarem todos os seus segredos”.
Uma das maiores lições desta descoberta, para Cofield, foi o contraste entre a facilidade dos tempos atuais e — as dificuldades — da década de 1880, em saber o estado do tempo no imediato. “Nunca me ocorreu que o telégrafo teria sido o que desbloqueia isso para as pessoas. Porque (agora) estamos todos tão habituados às nossas aplicações meteorológicas”, disse.
Apesar de o Centro Comercial de Antiguidades de Searsport já ter encerrado, Sara e a mãe ainda chegaram a questionar os funcionários sobre a origem do vestido. Falaram, inclusive, com o comerciante que levou o vestido para a loja, no entanto, ele não se recordava de nada.
Porém, ao fim de quase uma década, continuam por responder algumas questões: a identidade da primeira proprietária do vestido, a razão de ter guardado códigos meteorológicos num bolso secreto e como chegou ao Maine.